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Página IncialArtigos e discursosConstitucionalidade e Regimentalidade da CPI das Tarifas de Ônibus Urbanos

Constitucionalidade e Regimentalidade da CPI das Tarifas de Ônibus Urbanos

CONTRARAZÕES À QUESTÃO DE ORDEM FORMULADA PELO SENADOR HUMBERTO COSTA SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE E REGIMENTALIDADE DA CPI DAS TARIFAS DE ÔNIBUS URBANOS

DO OBJETO DA QUESTÃO DE ORDEM

Versa a questão de ordem sobre a alegação de inconstitucionalidade e antirregimentalidade do requerimento da CPI.

Argumenta o autor que a CPI abrange o transporte coletivo municipal e metropolitano, e que, em conformidade com o art. 25, § 3º, da Constituição Federal, a matéria de transporte coletivo metropolitano seria “matéria regulada por lei complementar estadual”. Sendo a matéria do transporte metropolitano de natureza estadual, seria “bizarro supor estar interditada ao Senado Federal a investigação sobre transportes coletivos intermunicipais metropolitanos e autorizado procedimento equivalente em relação ao transporte coletivo urbano municipal e do Distrito Federal.”

Alega, ainda, que “à luz do princípio constitucional da forma federativa de governo, não podem órgãos de poder da esfera político-administrativa federal imiscuir-se em assuntos de competência local, outorgada pelo Estatuto Fundamental aos Municípios e Estados.”

Lastreia, ainda, suas considerações na afirmação de que “A Constituição Federal impõe restrições ao Congresso Nacional no que diz respeito ao exercício de suas prerrogativas de investigar.” já que “essas limitações se orientam pelos ‘princípios instrumentais de interpretação constitucional’ dentre os quais se destacam o princípio federativo (art. 1º, caput, CF) e o princípio da separação de Poderes (art. 2º, CF).”

Afirma, por fim, que “o art. 14, III, do RISF deve ser interpretado em conformidade com a Constituição, de forma a entender-se como vetada, no inciso III do art. 146 do RISF, a instauração de inquérito parlamentar” sobre a matéria.

Expendidos os argumentos, pede que a Presidência da Casa não exorte as lideranças partidárias a designar seus representantes, bem como que não faça a designação substitutiva pelos partidos que não indicarem membros.

ANÁLISE

A propositura de tal questão de ordem fere, a um só tempo, princípios constitucionais, regras de hermenêutica consolidadas e o interesse público.

  1. 1.   Quanto aos Princípios Constitucionais

Quanto aos princípios constitucionais, o STF tem se posicionado veementemente sobre a natureza VINCULADA do pedido de CPI, ou seja, não cabe, no âmbito do Presidente ou do Plenário do Senado exercer qualquer juízo de valor, conveniência ou oportunidade do objeto da CPI.

STF já se pronunciou por mais de uma vez no sentido de que requerimento de CPI não pode ser objeto de apreciação prévia.

Aqui anexas estão duas decisões nesse sentido.

A ideia de que o Presidente poderia exercer um juízo de admissibilidade de uma CPI contraria o posicionamento sedimentado pelo STF de que a CPI é um instrumento de fiscalização de que dispõe a minoria contra a maioria.

Submeter o requerimento a qualquer decisão do presidente ou do plenário é dar à maioria o poder de deliberar contra o direito da minoria de fiscalizar atos governamentais.

Merecem destaque, das decisões da Corte Maior, dois rápidos excertos das decisões do STF:

Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas – notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar – devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares.

A norma inscrita no art. 58, § 3º, da CR destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar.

O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa prerrogativa constitucional inconsequente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta no âmbito de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

A maioria legislativa não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar, por período certo, sobre fato determinado.

(…)

O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa prerrogativa constitucional inconsequente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta no âmbito de cada uma das Casas do Congresso Nacional. A maioria legislativa não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar, por período certo, sobre fato determinado

Prevê o § 3º do art. 58 da Constituição que

§ 3º – As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Esse é a única norma constitucional sobre o tema de CPI.

Qualquer método interpretativo de que se utilize para extrair a significação do texto concluirá, obrigatoriamente, que:

(i)            não há qualquer restrição ao âmbito de investigação do Legislativo Federal;

(ii)         que a Constituição prevê apenas a possibilidade de ampliação dos poderes de investigação das CPIs (confira-se do texto acima que as CPIs  “… terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas”) e nunca de redução; e

(iii)       que seja determinado o fato a ser investigado.

Não há, na esfera Constitucional, qualquer referência à aplicação do princípio da federação como impeditivo seja da investigação das matérias estaduais, seja daquelas afetas aos municípios.

Tanto é assim que o Senado tem aberto CPIs sobre temas urbanos e estaduais, sem que tenha sido questionada sua constitucionalidade, fato de que são exemplos:

a)   A CPI da Violência Urbana, criada 1983;

b)    A CPI do Judiciário, “destinada a apurar no prazo de 120 (cento e vinte) dias, fatos do conhecimento do Congresso Nacional, e outros divulgados pela Imprensa, contendo denúncias concretas a respeito da existência de irregularidades praticadas por integrantes de Tribunais Superiores, de Tribunais Regionais, e de Tribunais de Justiça”, criada em 1999; e

c)    A CPI dos Títulos Públicos, “Destinada a apurar irregularidades relacionadas à autorização, emissão e negociação de Títulos Públicos, Estaduais e Municipais, nos exercícios de 1995 e 1996”, criada em 1996.

Cai por terra, portanto, a alegação de que o princípio federativo e da separação de poderes afastaria do Legislativo Federal o poder de investigação sobre matérias afetas aos Estados e aos Municípios.

Não foi, portanto, com base nesses princípios (como alega o autor da questão de ordem) que o Regimento Interno deliberou por excluir a matéria estadual ao exame das CPIs.

As limitações regimentais, portanto, não têm sido empecilho à realização de CPI de matérias afetas aos estados e ao Poder Judiciário.

O art. 146 do Regimento apenas determina que:

Art. 146. Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes:

I – à Câmara dos Deputados;

II – às atribuições do Poder Judiciário;

III – aos Estados.

Ora, a limitação reduz-se às matérias PERTINENTES, o que não se confunde com o objeto da presente CPI.

Mesmo que existisse um inciso que proibisse a criação de CPIs sobre matérias PERTINENTES aos municípios, ainda assim tal não impediria a criação da presente Comissão, pois (i) sua matéria não é PERTINENTE a municípios ou estados e (ii) os precedentes das citadas CPIs deixam patente que somente foge ao poder de investigação do Congresso Nacional as matérias que sejam de estrita competência dos Estados.

O que ocorre é que, sob a ótica constitucional, a matéria de transporte urbano não é pertinente aos municípios, como não o é aos Estados (nas áreas metropolitanas).

De fato, verifica-se, a partir do disposto no art. 21, XX, que a matéria de transporte urbano é DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO, verbis:

Art. 21. Compete à União:

(…)

XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

Portanto, afigura-se como inconstitucional a questão de ordem levantada, pois fere o direito geral e irrestrito que detém o Congresso Nacional de investigar estados e municípios em matérias que não são de estrita competência, ou de competência pertinente exclusivamente às esferas estaduais e municipais.

  1. 2.   Quanto às regras de hermenêutica jurídica

Quanto às regras de hermenêutica jurídica, merece ser repisado o texto do § 3º do art. 58 da Constituição Federal, e esmiuçado o art. 146 do Regimento Interno à luz da determinação constitucional.

O citado § 3º se resume em (i) estabelecer os poderes das CPIs (os de autoridade judicial) além do outros previstos no regimento; (ii) determinar sua forma de criação: requerimento de um terço dos membros da Câmara, do Senado ou de ambos; (iii) exigir objeto definido: um fato determinado; e, (iv) determinar que as conclusões sejam conduzidas ao Ministério Público, para que sejam tomadas as medidas cabíveis.

Como já salientado, apesar de a Constituição ter remetido ao Regimento Interno de cada Casa o estabelecimento de poderes adicionais, em lugar de fazê-lo, o Regimento do Senado cuidou, ao contrário, de reduzir os poderes das CPIs.

E fê-lo limitando o poder do Senado de criar comissões parlamentares de inquérito sobre três matérias, explicitadas no art. 146:

Art. 146. Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes:

I – à Câmara dos Deputados;

II – às atribuições do Poder Judiciário;

III – aos Estados.

Quando se está diante de duas regras, sendo que a primeira tudo permite em determinado sentido, e a segunda, de natureza especial, limita a permissão dada na primeira, é princípio básico de hermenêutica jurídica que essa segunda regra deve ser interpretada restritivamente, ou seja, na forma de numeros clausus, ou seja, uma tipologia taxativa, fechada.

Esse princípio de hermenêutica não permite, em lista de situações, uma interpretação extensiva, como quer dar o autor da questão de ordem, em desprestígio aos princípios basilares de interpretação da norma jurídica.

A título de exemplo, quando o art. 102, I, da Constituição elenca as hipóteses de competência privativa para julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, a forma taxativa de que se reveste o texto não permite qualquer interpretação extensiva, que dê àquela Corte poderes que não estão ali encerrados.

Tanto é assim que o próprio STF, ao julgar em 2012 o Habeas Corpus nº 110005/SP deliberou por sua falta de competência, exatamente em razão da natureza taxativa dos dispositivos constitucionais que tratam de sua competência, como se pode conferir no excerto a seguir transcrito:

1. A competência do Supremo Tribunal Federal para julgar habeas corpus e o respectivo recurso está prevista, de forma taxativa, no art. 102, I, d e i, da Constituição Federal, não cabendo, por isso, interpretação extensiva com o fito de contemplar hipóteses não sujeitas à sua jurisdição.

Em resumo, textos normativos (como é o caso do art. 146 do RISF) escritos na forma taxativa não admitem interpretação extensiva, incluindo os Municípios onde o Regimento somente tratou de Estados.

“Bizarro”, como adjetivou o autor da questão de ordem, é dar caráter estadual à matéria de transporte coletivo metropolitano, quando esse, na verdade, interessa de perto às coletividades municipais e não à esfera estadual.

Entender que as competências do estado sobre as tarifas metropolitanas tornariam estadual a natureza da matéria objeto da presente CPI exigiria que se entendesse, também, que a matéria é federal, já que a Constituição Federal avoca à União a competência de tratar de transporte urbano de passageiro.

Mais “bizarro”, ainda, é o PT se apegar ao argumento da não investigação sobre matéria estadual ou municipal somente quando lhe interessa.

Em 1996, quando foi proposta a criação da CPI que investigou a emissão de títulos públicos estaduais e municipais, nenhum dos governadores investigados era do PT. Ali, então, não teve lugar o argumento de que se estaria investigando mataria estadual.

Falta coerência no discurso do Partido que hoje requer o trancamento da CPI.

CONCLUSÃO

Em face dos argumentos expendidos acima, peço que seja deliberado pela improcedência da questão de ordem, como vistas a que não tenha que ser judicializa a matéria perante o STF, que, certamente, verá o equívoco dos argumentos contidos na petição ora impugnada.

Sala das Sessões, em 20 de fevereiro de 2014.

Senador ROBERTO REQUIÃO