Senhoras e senhores senadores. Mais uma vez, tomo a contramão do balanço otimista da Casa, em relação às atividades deste 2012; assim como da contabilidade panglossiana do Governo Federal em que pese o diminuto PIB do ano. Modus in rebus. Moderação nas coisas. Devagar com o andor. Penso que não seja adequado somar as quantas sessões deliberativas que realizamos, os quantos projetos que discutimos e aprovamos, neste plenário e nas comissões, para avaliar a nossa operosidade ou para concluir se o ano foi positivo ou não. De outra substância fazem-se as contas. A pergunta básica seria: tomamos alguma decisão, aprovamos algum projeto que mudou ou vai mudar a vida dos brasileiros, em sua essência, estruturalmente? Não vale citar a extensão de programas sociais, o reconhecimento de profissões, socorro às vítimas de inundações ou secas, a ampliação de direitos, a aprovação de incentivos fiscais, isenções de impostos, mais recursos para isso ou aquilo. E muito menos o Código Florestal. Esse, então….. Eis o drama do Legislativo. Não aprovamos nada que transformasse a vida dos brasileiros; nada que a mudasse; nada que sacudisse, abalasse e revolucionasse as estruturas sobre as quais se assenta uma sociedade violenta, injusta, cruel, atrasada. Em vez de ir ao coração do problema, espalhamos chumbo miúdo em todas as direções, deixando intocáveis os privilegiados e os deserdados. Diariamente, os meios de comunicação da Casa “celebram”, “festejam”, “comemoram”, “exaltam”, e outros verbos correlatos, diariamente, os nossos meios de comunicação manifestam grande contentamento, “alvoroço de regozijo”, como diriam os portugueses, pela aprovação de projetos que não deslocam um grão de areia na realidade de vida os brasileiros. Caríssimas colegas, caríssimos colegas. Em que nos transformamos? Em quem esta Casa se converteu? Vejam como é a nossa semana. Na sessão de terça, aprovamos medidas provisórias, algumas recheadas de impropriedades, contrabandeadas por algum espertalhão. Na quarta, caso a pauta não esteja trancada por medida provisória, aprovamos embaixadores, ministro deste ou daquele tribunal, diretores de agências reguladoras, todos, quase sempre, insuficientemente sabatinados, examinados, pesados e medidos, pelas comissões e em plenário. Daí os inevitáveis escândalos na ANTT, na ANA, na ANAC. As sabatinas são mera formalidade, de tal maneira que temos por costume votar a indicação antes mesmo de o indicado ser inquirido. Reproduzimos aqui as bizarrices da Rainha de Copas, de Lewis Carol, que primeiro mandava cortar a cabeça para só depois julgar. Já nós declaramos os sabatinados inocentes, puros de toda mácula, competentes e adequados para o cargo, antes mesmo de ouvi-los, de interrogá-los, de conhecê-los. Se a rainha da Alice condenava antes de julgar, nós absolvemos antes de julgar. E isso acontece, muitas vezes, não por culpa, omissão ou conivência dos senadores. Acontece porque participamos de um número absurdo de comissões e subcomissões e não há tempo para discutir, aprofundar quase nada. Além do que, estamos presos a trâmites que talvez fossem apropriados para as últimas décadas do século 19 ou às primeiras do século 20. Não para hoje. É o desconto que se deve fazer. Vamos seguir com a nossa semana. Na quinta, de preferência com as galerias tomadas por tal e qual categoria, esta ou aquela corporação -–sob aplausos, ainda que não regimentais— aprovamos agrados, compensações para uns e outros. Na verdade, não há coisa sobre a que o Senado não legisla. Respondemos com projetos-de-lei, com emendas constitucionais toda sorte de demanda, de pressão, de angústias e súplicas de nossa sociedade. Tentamos cerzir o que já esgarçou, que já puiu há muito tempo. Consultas ao Jornal do Senado ou ao Portal do Senado comprovam essa febril, irrefreável, essa compulsiva atividade legiferante de nossa Casa. Uma atividade permanente e altamente prolífica. Não estou aqui a condenar, a censurar quem quer que seja. São as circunstâncias que pressionam os nossos mandatos. São os dias, são os tempos que a realidade brasileira nos dá a viver. Diante de tantas carências de nosso povo, é natural que nos cerquem, que nos sitiem as mais variadas demandas. E nós, engolfados por elas, desdobramo-nos em um trabalho insano, repetitivo, mais das vezes, inútil. É óbvia a imagem de Sísifo. No final das contas, os dias mais interessantes de nossa semana senatorial acabam sendo as segundas e sextas-feiras, dias sem sessões deliberativas, reservados a pronunciamentos, ao debate de idéias. Como nesses dias não temos nada para votar, podemos exercitar o nosso mandato sem a pressão do regimento e do relógio. Pena que essas sessões sejam tão pouco frequentadas. A par da obsessão de legislar, esquecemos, deixamos de lado como desimportante a função de fiscalizar. Não só abrimos mão dessa obrigação como não damos a mínima atenção para os relatórios do Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Parlamento. Se fôssemos negligentes na fiscalização mas leitores atentos da farta literatura do TCU e fizéssemos valer suas recomendações, seria perdoável. Como não fiscalizamos e não ouvimos quem fiscaliza, somos duplamente omissos. Vitor Hugo pede desculpa a um amigo por ter escrito uma carta muito longa, e diz que o fez porque estava muito ocupado, sem tempo; se tivesse tempo, afirma, teria escrito uma carta mais curta, sintética. Assim somos nós. Sem tempo para as coisas essenciais, perdemo-nos nas dezenas de comissões, subcomissões, audiências públicas, sessões plenárias que atendem prioritariamente a agenda de interesses do executivo, e assim por diante, dia após dia, ano trás ano. De vez em quando, parece que a coisa vai, que vamos ultrapassar o rame-rame. Pura ilusão. Depois de alguma agitação, voltamos à normalidade, isto é à inação. Um bom exemplo disso talvez fosse a bulha causada pela chamada “reforma política”. Não que eu a considerasse a mais alta prioridade. Nem alta e nem média. De qualquer forma, mobilizou-se o Senado, provocou-se a Câmara, que também formou sua comissão. Mas, aos poucos, o movimento foi murchando, esvaziando-se e morreu. Quer dizer, não conseguimos produzir sequer pequenas maquiagens, modestos retoques na legislação eleitoral quanto mais tocar a ferida de nosso atraso, da nossa dependência, dessa desigualdade tão funda. Para quem acha que está tudo bem, que é isso mesmo, que o nosso papel é o de socorristas das pequenas fissuras nesse irremediável tecido nacional, é uma fartura; de se lamber os beiços, como diz o povo. De parte da oposição, nada a esperar. Esse udenismo recidivo que a possui não mexe, não toca um átomo da natureza das coisas. Pior ainda: quando deixa o discurso da nota só da denúncia da corrupção, desafina feio ao criticar as poucas coisas de positivo na política econômica do governo federal. O alinhamento com os tais investidores no caso da redução da tarifa de energia elétrica, é um exemplo; assim como a indisfarçada satisfação com as críticas dos porta-vozes do neoliberalismo internacional a Mantega –logo à presidenta. Como disse a sempre afiada Maria da Conceição Tavares sobre o editorial da “The Economist” pedindo a cabeça do ministro da Fazenda: “O alvo não é Mantega; é 2014”. A afinação do coro –grande mídia e oposição- com a revista inglesa, diz a economista, deixam evidentes as motivações eleitorais. É impressionante como a redução dos juros, que ainda tocam as nuvens; a limitação nos ganhos estratosféricos dos rentistas e de outros sanguessugas; a pressão sobre os bancos para que cortem spreads; as desonerações e subsídios para determinados setores da economia; a continuidade da política de incentivo ao crédito e à construção civil; e, agora, o desconto na conta de luz, é impressionante como isso tudo –que ainda é pouco, é quase nada- é impressionante como isso causa urticária na oposição, inquieta os barões da mídia, provoca desassossego em nossos colunistas e nos tais “analistas econômicos”, sempre muito sensíveis a qualquer ofensa aos dogmas do mercado. Dias desses, sob a onda de desqualificação do pouco que o governo acerta na área econômica, meu coração confrangeu-se ao ler os palpites de um daqueles trêfegos rapazes que fazia parte da equipe que levou o Brasil à bancarrota três vezes. Meu deus, como essa gente põe-se o tempo todo à espreita, salivando por uma oportunidade de aplicar “rigorosas, austeras medidas fiscais”, reduzir gastos sociais, cortar empregos e comprimir salários, suspender direitos trabalhistas. Eles não se conformam que se enfrente a crise sem que os mais pobres paguem a conta, toda a conta. Não que os mais ricos estejam pagando. A pequena redução de ganhos não os deixa com chapéu na mão à porta da igreja. Longe disso. Vejam. Quando discutíamos a MP da redução da tarifa de energia elétrica um nobre colega veio a esta tribuna e disse que não era contra a iniciativa da presidente Dilma, mas a sua preocupação era com a sustentabilidade das empresas de energia. Empresas, objete-se, que estão aí lucrando até mesmo de forma ilegal com amortizações indevidas. É com a sustentabilidade delas que se preocupam e não com o sustento do pobre povo brasileiro que paga a segunda tarifa de energia mais cara do planeta; ou, então, com a sustentabilidade de um modelo de desenvolvimento, que tenha como um dos pilares energia barata e fortemente subsidiada. Não, isso não. O lucro das concessionárias e a privatização do setor energético são o que os move. Como se vê, as nossas elites são imutavelmente as mesmas, desde o dia em que Cabral aqui aportou. Toda vez que se procura mitigar a dura vida de nossa gente, as nossas elites e seus fidelíssimos representantes fazem ar de seriedade, responsabilidade e sabedoria advertindo-nos a tomar cuidado para não levar o país à bancarrota, para não desestabilizá-lo, para não anarquizar a produção; ou então gritam “demagogia! demagogia! demagogia!”. Bradaram que era demagogia, quando foi instituído o salário mínimo; vociferaram quando foram estabelecidas as férias remuneradas; protestaram quando foi criado o 13° salário e o salário-família; ameaçaram com golpe de Estado, agitaram os quartéis, quando, em uma situação de alta da inflação, o ministro do Trabalho deu um aumento de cem por cento para o salário mínimo. E, nunca é demais esquecer, que berravam demagogia toda vez que se debatia nesta Casa a libertação dos escravos; o fim do cativeiro dos negros abalaria a sustentabilidade econômica do país, desestabilizaria e anarquizaria a produção. Quando se queimam bilhões e bilhões de reais para socorrer banqueiros, para perdoar dívidas do agronegócio, dos usineiros, para remunerar rentistas e especuladores, para garantir privilégios de castas funcionais, aí ninguém reclama. Como é velho e previsível o discurso dos dominantes. Como são repetitivos os nossos senhorzinhos. Mas, como dizia, se nada temos a esperar da oposição, pois dela não virá qualquer contribuição para mudar a nossa realidade ou para fazer desta Casa um ponto de apoio para iniciativas transformadoras, da parte da base do governo também não vejo, infelizmente não vejo, disposição política, compromisso ideológico para o enfrentamento, para o embate com estruturas e pressupostos que precisam ser não remendados e sim pulverizados. Se esta Casa não pode continuar a ser a casa dos senhorzinhos, como, por exemplo, o foi entre 1823 e 1888, naqueles 65 vergonhosos anos em que a maioria sustentou aqui a escravidão dos negros, ela também não pode continuar a ser a casa dos remendões, sempre dispostos a um jeitinho aqui e ali para que tudo continue como sempre foi. Revolução, mudanças estruturais, este é o caminho. Afinal, a quem representamos? O capital multinacional, os banqueiros, os especuladores, os rentistas, o mercado? É a eles que representamos é para eles, e segundo seus interesses, que legislamos? Caso a resposta seja negativa, pergunta-se: por que então não nos desfazemos dos laços que nos mantém prisioneiros de seus desejos, obedientes às suas ordens, pautados por suas agendas? Se temos, no entanto, a pretensão de representar o povo brasileiro, por que não assumimos essa representação com radicalidade, com todas as consequências disso decorrente? É o balanço possível que faço do ano que passou é o que penso que deveríamos fazer.