Processo 0017181-98.2011.8.26.0011 – Crimes de Calúnia, Injúria e Difamação de Competência do Juiz Singular – Crimes contra a Honra – R.R.M.S. – R.E.B. – Vistos., Roberto Requião de Mello e Silva, qualificado na inicial, propôs a presente queixa crime em face de Ricardo Eugênio Boechat, também qualificado nos autos, alegando em síntese, que o querelado é âncora do programa de Jornalismo ao vivo de segunda a sexta, das 7:00 às 9:00 horas da Rádio Band News FM em São Paulo e no dia 11 de maio de 2011, por volta das 7:00horas ao iniciar o programa de Notícias, em rede Nacional atribuiu ao querelante inúmeros adjetivos pejorativos, além de vários crimes insculpidos na legislação penal pátria. Os comentários proferidos pelo querelado: ? Pô Requião. É o seu mau cheiro Requião, que é o mau cheiro de caráter, que é o mau cheiro da biografia, que é o mau cheiro do sobrenome. Todo o Requião é aumentativo e tudo que tem e podre é aumentado em você. Você é uma figura abjeta, você é um corrupto, você é de uma família de corruptos. Você bota parentes em governos as custas do contribuinte. Aquele Porto de Paranaguá na gestão de seu irmão foi uma pouca vergonha, uma pouca vergonha. Governador Requião, Senador, ainda dizendo por aí que uma vez eu publiquei uma notícia dizendo que ele tinha violentado uma menor. Eu nunca publiquei essa notícia. Ele alega que tem diferenças comigo desde que eu publiquei essa noticia. Eu nunca dei essa notícia na minha vida, de que ele procedeu, fez alguma coisa, violentou uma menor e tal. Alguém pode ter dito isso, algum inimigo dele, algum momento isso pode ter circulado no Globo, onde eu trabalhava, ou ter sido citado. Mas eu nunca fiz essa denúncia contra o Senador. Agora, surpreendentemente, Senador, à despeito da brutalidade de um crime que eu jamais lhe atribuí, eu quero dizer o seguinte: os demais crimes que o senhor de fato cometeu, esses também são muito graves . Fique com raiva porque eu o estou acusando de crimes que o senhor cometeu. O senhor é corrupto. O senhor é violento. O senhor é tradicional. Sua família se locupletou no Governo do Estado do Paraná em cargos públicos onde o senhor aboletou seus parentes de maneira abusiva, escandalosa. E o senhor fica fazendo agora esse tipo de coisa, esse tipo de agressão, porque estão lhe perguntando algo que o senhor reluta em responder. Afinal de contas, ô Senador, a troco de que o senhor está roubando mais vinte e quatro mil por mês do contribuinte paranaense? Que direito o senhor tem de roubar mais esse dinheiro, além de todos os que já roubou? Vai ficar com raivinha aí. Fique. E mais, hem Senador, o senhor é metido a dar porrada em quem não reage ao senhor. O senhor é metido a dar porrada em quem não reage. O senhor é machão mas o senhor não é (risos irônicos). Hum, não brinca muito com isso não, hem Senador!?. Também, através do mesmo programa jornalístico nos dias 26 e 27 de julho de 2011, o querelado prosseguiu com as ofensas imputando ao querelante o título de irmãos metralhas, porque ele é aquele machão, chamando o para um duelo entre outros comentários pejorativos e humilhantes (processo em apenso). O querelante entendeu que o querelado cometeu os crimes previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, assim requereu o recebimento da queixa crime (também o feito em apenso) para processar e condenar o querelado. Com a inicial foram juntados documentos, os CDs e a degravação do áudio contendo os comentários em questão. A audiência preliminar realizada aos 19 de julho de 2012 resultou infrutífera, de modo que, a fase conciliatória foi considerada superada e a queixa crime (fatos de 11/05, 26 e 27/07 de 2011) foi recebida parcialmente (recebida com relação aos artigos 139 e 140, combinado com o artigo 141, incisos II, III e IV, todos do Código Penal e rejeitada no que diz respeito ao artigo 138 do CP, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal fls. 98/99). O querelado apresentou defesa preliminar (fls.120/134 e juntou documentos). O querelante apresentou manifestação (fls.190/249), bem como a Dra Promotora de Justiça (fls.250). O despacho de fls. 251 designou audiência de instrução e julgamento. Durante a instrução probatória foram ouvidas testemunhas arroladas pela Defesa do querelante e também pela Defesa do querelado, além da realização do interrogatório do requerido (fls.318/319,321/327,363/365 e 370). As partes apresentaram memoriais e houve manifestação da Representante do Ministério Público (fls.377/395, 403/423 e 426/432). O querelante pleiteou a total procedência da ação penal privada argumentando que as ofensas restaram cabalmente configuradas, bem como o dolo com que o querelado agiu, de modo que, a inicial deve ser acolhida (injúria, difamação e causas de aumento). O querelado, por sua vez, bateu-se pela absolvição, sob a ótica de que os comentários proferidos por Ricardo Boechat não podem ser interpretados em sentido literal, mas sim devem ser analisados dentro do contexto em que as notícias foram veiculadas. Além do que, ele agiu no legítimo exercício da liberdade de expressão e manifestação do pensamento, emitiu sua opinião crítica, em tom de desabafo, demonstrando toda a sua indignação em relação às condutas do querelante. A Dra Promotora de Justiça opinou pela improcedência da ação penal privada, pois entendeu que as condutas praticadas pelo querelado não tipificaram os crimes de injúria e difamação. É o relatório. DECIDO. Inicialmente, cabe ressaltar que a honra é o valor social e moral da pessoa, inerente à dignidade humana. Portanto, a lei a protege, através de sanções penais, sempre que a manifestação do pensamento atingir a estima social, a reputação, a dignidade e o decoro, configurar-se-á os crimes de calúnia, difamação e injúria. O querelante juntou aos autos o áudio contendo os comentários realizados pelo querelado no programa da Radio Band News FM em 11 de maio, 25 e 26 de julho de 2011. As testemunhas Airton Carlos Pissetti e Vera Maria Haj Mussi Augusto, os quais exerceram suas atividades no governo de Roberto Requião como Secretário de Comunicação e Secretária de Cultura informaram ter ouvido os programas da rádio Band News FM em que o querelado realizou os comentários a respeito do querelante, de modo que ficaram indignadas e perplexas com as ofensas irrogadas à pessoa do Senador, sobretudo quando o jornalista atribui-lhe a condição de corrupto. Relataram também que o caso teve grande repercussão, além do que Roberto Requião ficou muito abalado com as ofensas a ele dirigidas, notadamente, pois não teve qualquer direito de resposta. Por fim, conhecem o trabalho realizado pelo querelante quando governou o Estado do Paraná e jamais souberam de qualquer fato que pudesse desaboná-lo ou quaisquer irregularidades em sua administração. De outra parte, o repórter Vitor Boyadjian revelou que durante uma entrevista ao Senador Roberto Requião teve o gravador retirado de suas mãos e ainda quase foi agredido, todavia, não o processou (embora tivesse elaborado um boletim de ocorrência). Da mesma forma, quando tal situação ocorreu ficou muito surpreso e entendeu que a entrevista estava encerrada, assim, preferiu não fazer qualquer questionamento. Afirmou também, que os fatos deram ensejo a uma representação junto ao Senado (a qual foi arquivada), bem como muita notícia na mídia. Por fim, o querelado ao ser interrogado disse que realizou os comentários em razão do querelante, ora Senador, durante uma entrevista ao repórter Vitor Boyadjian, correspondente da rádio Band de São Paulo em Brasília, ter tomado o seu gravador, além de ameaça-lo de agressão, de maneira que considerou pertinente tais críticas para devolver o tom agressivo utilizado pelo querelante ao profissional que o entrevistava. Afirmou que suas críticas estão aquém do que o Senador (ora querelante) merece. Após análise cuidadosa de tudo o que dos autos constam entendo que o querelado (jornalista Ricardo Eugênio Boechat) não agiu no legítimo exercício da liberdade de expressão e no cumprimento do direito/dever de informar, na forma consagrada pela Constituição Federal, mas sim fez afirmações maldosas de modo a incutir ressentimento na opinião pública. Ora, se o querelante (Senador Roberto Requião) agiu de maneira incorreta ou ilegal, ao retirar o gravador do repórter e indagar-lhe se pretendia ser agredido, deve responder por sua conduta, respeitados os meios legais. Ademais, o querelado imputou ao querelante a condição de corrupto, irmãos metralhas, que todo o Requião é um aumentativo e tudo que tem de podre é aumentado nele (querelante), pois em dúvida a sua masculinidade (?Tá certo! Requião, Requião, seu machão) ofendeu seu irmão e sua família chamando-os de corruptos, chamou-o para um duelo. Aliás, no programa do dia 26 de julho de 2011 disse: ? eu quero homenagear a ponderação, a serenidade, é, o bom senso desse repórter e dizer que o exemplo a ser seguido é o dele, mas se fosse comigo, eu confesso assim, eu to falando publicamente aqui, viu Dr Requião, é, o senhor pode dar certo, ali, saguão de aeroporto e tal, se viesse com essa conversa, com todo o seu tamanho, ia ter que me engolir inteirinho, por que se não ia voltar pra casa com um pedaço de orelha arrancado, entendeu, com algum pedaço das partes baixas enxado, sei lá o que, viu Senador! Tá chamando pra um duelo em praça pública, viu? Escolha as armas Requião.? O jornalista, ora querelado reconhece que o repórter Vitor ao entrevistar o querelante e ser surpreendido com a situação agiu com bom senso e ponderação, tanto que homenageou a conduta dele, deste modo fica evidente o dolo (elemento subjetivo) a vontade consciente do querelado (jornalista Ricardo Boechat) em ofender a honra do querelante (Senador Roberto Requião) (fls.11 dos autos em apenso degravação do dia 26/07/11). Os crimes de injúria (honra subjetiva da pessoa sentimento próprio a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais, palavra aviltante e insultuosa) e difamação (honra objetiva da pessoa fato ofensivo a sua reputação) restaram devidamente comprovados. As condutas do crime de injúria quanto do crime de difamação foram praticadas em face de um Senador da República, por meio em que facilitou a divulgação da difamação e da injúria, além de ter o querelante mais de sessenta anos de idade, assim sendo as penas a serem aplicadas devem sofrer o aumento de 1/3 (um terço), nos termos do artigo 141, incisos II, III e IV do Código Penal. Também é importante ressaltar, que as várias injúrias e difamações praticadas durante os programas apresentados pelo querelado (dias 11 de maio, 26 e 27 de julho de 2011) foram praticadas de maneira continuada, portanto a regra do artigo 71 do Código Penal deve ser aplicada as diversas condutas injuriosas e difamatórias, sem prejuízo do concurso material de crimes. Como se vê, o contingente probatório é seguro e aponta a autoria e a materialidade do delito, bem como o dolo com que o querelado agiu, motivo pelo qual a condenação é de rigor, na ausência de circunstâncias excludentes. O querelado é primário e apresenta bons antecedentes. Considerando-se os requisitos constantes dos artigos 59 e 60 do Código Penal, como antecedentes, personalidade, maneira como foram praticadas as diversas condutas injuriosas e difamatórias, bem como o sofrimento causado à vítima (em sua vida familiar, social e profissional), a pena base para o delito de difamação fica fixada em 03 (três) meses de detenção e ao pagamento de 10 (dez) dias multa, calculados no máximo legal, pois o querelado é um jornalista e recebe uma média salarial superior ao trabalhador comum, também aumento-a em 1/3 (um terço) em razão das circunstâncias previstas no artigo 141 do CP (incisos II, III e IV), totalizando-se 04 (quatro) meses de detenção e ao pagamento de 13 (treze) dias multa, por fim, aumento-a em mais 1/6 (um sexto) por entender os crimes (difamação) foram cometidos de maneira continuada, somando-se 04 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de detenção e ao pagamento de 15 (quinze) dias multa. Para o crime de injúria a pena fica fixada em 01 (um) mês de detenção que aumento-a em 1/3 (um terço) em razão das circunstâncias qualificadoras previstas no artigo 141 do CP (incisos II, III e IV), totalizando-se em 01 (um) mês e 10 (dez) dias de detenção, por fim, aumento-a em 1/6 (um sexto) por considerar que os crimes (injúria) foram praticados de maneira continuada, somando-se 01 (um) mês e 16 (dezesseis) dias de detenção. E, presentes os requisitos legais previstos nos artigos 43 e seguintes do Código Penal, entendo por bem converter as penas restritivas de liberdade em uma pena restritiva de direitos, consistente em uma prestação de serviços a comunidade pelo prazo de 03 (três) meses fixado o período de 06 (seis) horas semanais. A prestação de serviços à comunidade deverá ser fixada pelo Juízo das Execuções Penais. Pelo exposto, judlgo procedente a ação penal privada e condeno o réu (ora querelado) Ricardo Eugênio Boechat, qualificado nos autos, às penas de 06 (seis) meses e 06 (seis) dias de detenção e ao pagamento de 15 (quinze) dias multa fixados no máximo legal, por haver violado o disposto nos artigos 139 e 140 combinado com os artigos 141, incisos II, III e IV, 69 e 71 todos do Código Penal. E, presentes os requisitos legais substituo a pena privativa de liberdade em uma restritiva de direitos, na modalidade prestação de serviços a comunidade, conforme disposto nessa decisão. Em caso de descumprimento das condições estabelecidas, o regime para cumprimento da pena será o aberto. P. R. I. C. – ADV: DANIELA SAYEG MARTINS CAVALCANTE (OAB 153816/SP), RICARDO VIEIRA DE SOUZA (OAB 332815/SP), LUIZ FERNANDO FERREIRA DELAZARI (OAB 56621/PR), CID VIEIRA DE SOUZA FILHO (OAB 58271/SP), CLEBER VARGAS BARBIERI (OAB 252785/SP), HELENA LETÍCIA AYALA (OAB 205809/SP), ANA LETICIA MARTINEZ KUHNISCH (OAB 187298/SP)
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