NOTA INFORMATIVA Nº 1.501, DE 2015
Em atenção à STC nº 2015-0004045, do Senador Álvaro Dias, que solicita nota informativa sobre o sobre o preenchimento, por Luiz Edson Fachin, do requisito da reputação ilibada diante do exercício da advocacia privada durante o tempo em que ocupou o cargo de Procurador do Estado do Paraná.
Trata-se de solicitação de trabalho à Consultoria Legislativa do Senador Alvaro Dias, que solicita nota informativa sobre o preenchimento, por Luiz Edson Fachin, do requisito da reputação ilibada diante do exercício da advocacia privada durante o tempo em que ocupou o cargo de Procurador do Estado do Paraná.
A matéria já foi objeto de nota informativa por parte de colega desta Consultoria Legislativa[1].
Em razão da urgência passamos de pronto a tratar da questão.
I
O art. 5º, da Constituição Federal, que dispõe sobre os direitos e garantias individuais e coletivos, expressa, no seu inciso XIII, que é livre o exercício de qualquer profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Outrossim, o art. 22, XVI, também da Lei Maior, estabelece a competência privativa da União para dispor sobre condições para o exercício de profissões.
No caso da profissão de advogado, seu exercício era regulamentado, à época da posse do Dr. Luiz Edson Fachin no cargo de procurador (em fevereiro de 1990, tendo permanecido até o ano de 2006), pela Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB).
O Estatuto da OAB então vigente trazia nos seus arts. 82 e seguintes os fatos que produziriam incompatibilidade ou impedimento com o exercício da advocacia, entendida a incompatibilidade como a vedação total do exercício da atividade e impedimento a proibição parcial decorrente de determinadas situações (art. 82).
Ademais, o Estatuto da OAB vigente à época da posse do Professor Fachin como Procurador do Estado do Paraná previa que a entidade registraria na carteira profissional do advogado a indicação dos impedimentos em que o profissional incorreria (art. 63, § 2º).
De outra parte, cabe também registrar que em julho de 1994 deu entrada no mundo jurídico o novo Estatuto da OAB, a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, tanto quanto o Estatuto até então vigente, lei federal, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República.
Essa Lei, que permanece vigente até o presente momento, no seu art. 28 estatui que o exercício da advocacia é incompatível (vale dizer não pode ocorrer em hipótese alguma), com certos cargos e funções públicas, onde não estão incluídos os procuradores dos Estados, até por dedução lógica, pois a sua função básica é o exercício da advocacia em prol do poder público estadual.
Ademais, o art. 29, também do vigente Estatuto da OAB´, estatui que os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.
Por outro lado, o art. 30, ainda do Estatuto da OAB ora vigente, arrola os profissionais que são impedidos de exercer a advocacia em determinadas situações.
Assim, são impedidos de exercer a advocacia contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora os servidores da administração direta, indireta e fundacional e também os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.
Desse modo, como vemos, o Estatuto da OAB em vigor e que abrange parcela do período em que o Dr. Fachin foi procurador do Estado do Paraná (1994-2006) tanto quando o Estatuto vigente no período inicial em que o ilustre jurista exerceu a função (1990-1994), não só não estabelecem a incompatibilidade absoluta do exercício da advocacia privada, como permitem tal exercício.
Por sua vez, o art. 132 da Lei Maior, que dispõe sobre os procuradores dos Estados e do Distrito Federal não consigna sobre impedimentos ao exercício da advocacia. Esse dispositivo magno pelo seu caput reconhece expressamente a vinculação desses procuradores com a entidade de regulamentação e fiscalização do exercício da advocacia, ao estabelecer que a OAB deve necessariamente participar em todas as fases dos concursos para ingresso na carreira em tela.
II
Por outro lado, a Constituição do Estado do Paraná vigente à época em que o Professor Fachin prestou concurso para a procuradoria não trazia qualquer impedimento ao exercício da advocacia fora das funções institucionais, por parte dos procuradores (art. 59).
A Lei Complementar nº 26, de 1985 (alterada pela Lei complementar nº 40, de 8 de dezembro de 1987), que regulava a matéria, dispunha sobre certos impedimentos, mas não em termos absolutos.
Tal espécie de vedação absoluta surgiu no texto da Constituição do Estado do Paraná promulgado em 5 de outubro de 1989, nos termos do seu art. 125, que regulamenta a função de procurador e veda, no seu § 3º, o exercício da advocacia fora das funções institucionais.
Todavia, cabe registrar que o art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da carta estadual do Paraná estatui que tal vedação absoluta não se aplica ‘aos atuais procuradores do Estado”.
Outrossim, a Lei Complementar estadual nº 51, de 18 de janeiro de 1990, trazia a vedação e a exceção já acima referidas (art. 125, § 3º, I; art. 33 do ADCT).
III
Em face do conflito de normas federais e estaduais sobre o exercício da advocacia além da atividade funcional dos procuradores do Estado do Paraná visto nos itens I e II acima, cabe examinar a questão.
A esse respeito, cabe ponderar, conforme posto acima, que o Estatuto da OAB vigente à época da posse do Professor Fachin como Procurador do Estado do Paraná previa que a entidade registraria na carteira profissional do advogado a indicação dos impedimentos em que o profissional incorreria (art. 63, § 2º).
Quanto a essa previsão devemos registrar que, conforme manifestação pública da Seccional da OAB do Estado do Paraná, tal procedimento foi efetuado pela referida Seccional, tendo sido registrado na carteira profissional do Dr. Fachin o impedimento para exercer a advocacia contra as pessoas jurídicas de direito público, impedimento decorrente da situação de vínculo funcional com o serviço público, consoante a regra constante do art. 85, V, do Estatuto de então, que consignava que os procuradores e subprocuradores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não podiam exercer a advocacia contra as pessoas de direito público em geral e nos processos judiciais ou extrajudiciais com relação direta ou indireta, com as funções do seu cargo ou do órgão que servissem. E não há, até onde sabemos, nenhum questionamento com relação a infringência desse impedimento por parte do Dr. Fachin.
Também como visto acima, o art. 29, também do vigente Estatuto da OAB, estatui que os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.
Aqui cabe também uma observação. Conforme se verifica, o art. 29 do Estatuto da OAB, que restringe o exercício da advocacia à função pública, quando trata dos profissionais das procuradorias dos Estados, não inclui os procuradores dos Estados entre os que têm a sua função profissional restrita à advocacia pública, mas faz essa restrição apenas ao procurador geral, vale dizer, ao procurador que exerce a chefia do órgão. E, até onde sabemos, o Dr. Fachin não exerceu a função de Procurador Chefe da Procuradoria do Estado do Paraná.
Sendo assim, à luz das normas federais que regem a matéria, conforme entendemos, não há qualquer questionamento quanto ao exercício da advocacia pelo Dr. Fachin, no período em que foi procurador do Estado do Paraná.
IV
O questionamento ao exercício da advocacia pelo Dr. Fachin é feito tendo por premissa a tese de que não se aplicam as normas federais ao cargo de procurador do Estado do Paraná, devendo tal matéria ser examinada à luz da legislação desse Estado.
É a conclusão a que chega o colega João Trindade Cavalcanti Filho na sua nota informativa. Procurando resumir, está posto na nota que embora o início do concurso público de que se trata tenha sido efetivado sob a égide de normas estaduais que permitiam, com certos impedimentos, o exercício da advocacia fora da atividade funcional, o seu final se deu já sob a égide da nova Constituição Estadual e legislação regulamentar, que vedavam em termos absolutos, qualquer espécie do exercício da advocacia por parte dos procuradores, não se aplicando, todavia, tal restrição absoluta “aos atuais procuradores”.
Ademais, é argumentado que a matéria referente a restrição ao exercício da advocacia é da competência do Estado e não da União.
A conclusão é no sentido da ilegalidade do exercício da advocacia pelo Dr. Fachin no período em que foi procurador do Estado do Paraná e tenha exercido tal atividade. Cabe, ainda, adendar que há a ressalva de que a tal conclusão se chegou prima facie, vale dizer, em um primeiro exame da matéria.
Da nossa parte, com as devidas vênias ao colega e com o devido respeito ao seu trabalho, dissentimos do seu entendimento da matéria.
V
Nesse sentido questionamos a constitucionalidade da vedação, em termos absolutos, de norma legal nascida em Estado membro (ou no Município ou no Distrito Federal) que estabeleça vedação absoluta do exercício da advocacia por parte de procurador de Estado, conforme é o caso.
Assim, conforme nos parece, o Estado não tem competência originária para restringir de forma absoluta tal direito.
Cabe recordar o já citado acima art. 22, XVI, da Lei Maior, que estabelece a competência privativa da União para dispor sobre condições para o exercício de profissões.
Tal dispositivo, em conjunto com o art. 5º, XIII, fornece o fundamento constitucional para a validade do Estatuto da OAB, com base no qual, a Seccional do Estado do Paraná reconheceu o direito do Dr. Fachin advogar em termos privados, observados certos impedimentos, conforme já visto acima.
De outra parte, cabe ponderar que a autonomia política conferida aos Estados para legislar deve observar os princípios constitucionais, conforme está expresso no art. 25 da Constituição Federal e tem sido reiterado pelo jurisprudência do STF[2]
A esse respeito, cabe também consignar que ainda que se conclua no sentido de que o Estado membro da Federação tem competência constitucional formal para legislar sobre vedações ao exercício da advocacia por seus servidores tal competência deve observar o princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade), que a nossa Constituição acolhe no art. 5º, LIV, e que estabelece que o devido processo legal abrange, obviamente, a sua dimensão formal, mas também alcança dimensão material, substantiva, daí decorrendo que os atos emanados da autoridade competente (inclusive do legislador) não podem ter conteúdo desproporcional. Cabe registrar que o referido princípio vem sendo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal.
E sobre a irrazoabilidade de vedações absolutas ao exercício da advocacia recordamos aqui o caso da ADI 1.127-8 DF, pela qual a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) questionou a constitucionalidade de alguns dispositivos do Estatuto da OAB, por ocasião da sua entrada em vigor, em 1994.
Naquela ocasião o STF decidiu, por unanimidade, dar ao art. 28, II, do Estatuto, interpretação conforme à Constituição Federal. O referido art. 28, II, estabelece que a advocacia é incompatível em termos absolutos com a atividade de membro do Poder Judiciário e estava sendo interpretado por diversos operadores do direito também em termos absolutos, por assim dizer, sem qualquer exceção ou temperança.
E o STF resolveu conferir tal ponderação ao decidir que os juízes dos Tribunais Eleitorais poderiam sim exercer a advocacia.
No seu voto, que foi seguido pela unanimidade dos demais Ministros, o Ministro-Relator, Paulo Brossard, que todos conhecemos pela defesa permanente dos direitos e garantias, entre outros argumentos ponderou:
…parece-me que a alteração pretendida pela lei de impedir os advogados que compõem, como juristas, o Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal Regional Eleitoral, de advogar, ofende diretamente esses artigos da Constituição (referia-se aos arts. 119, II e 120, III, da CF) gerando proibição oblíqua, mas real e efetiva.
Cumpre ressaltar que a matéria dizia respeito à vedação do exercício da advocacia de juízes, que a própria Constituição Federal (e não lei infraconstitucional) veda em termos absolutos (v.g. art. 95, parágrafo único, V) o exercício da advocacia.
Ou seja, até mesmo para juízes, em certas situações, o STF entendeu que a vedação absoluta do exercício da advocacia deve ser afastada.
Desse modo, ao tomarmos conhecimento dessa decisão do STF tivemos fortalecida a nossa convicção no sentido de que a lei não pode estabelecer restrições desproporcionais ao exercício da advocacia.
VI
1) Em face do exposto e procurando responder à indagação que deu origem à presente nota informativa, sobre o exercício cumulado do cargo de procurador de Estado com a advocacia privada, no caso específico do Professor Luiz Edson Fachin, no período em que foi procurador do Estado do Paraná, pelas razões acima arroladas, em especial no item V, o nosso entendimento é o de que tal exercício encontra amparo no ordenamento jurídico do País, em especial na Constituição Federal, não se revestindo de ilegalidade;
2) Ademais, por ser especialmente relevante no caso em questão, cabe adendar que ainda que o intérprete ou aplicador da lei considere o exercício profissional sob exame de algum modo ilegal, também pelas razões de fato e de direito acima arroladas e por outros fatos que se tornaram públicos até aqui, cumpre consignar que não vislumbramos qualquer ato fraudulento ou de má-fé que possa macular a reputação do Dr. Fachin.
Este – prima facie – o nosso entendimento sobre a matéria em pauta, salvo melhor juízo.
Por fim, cabe ressaltar que a presente nota informativa representa o entendimento pessoal do Consultor que a assina e não o do órgão institucional do qual faz parte.
Na oportunidade, devemos ainda reiterar que esta Consultoria Legislativa permanece à disposição do Senador Alvaro Dias.
Consultoria Legislativa, 8 de maio de 2015.
Fernando Trindade
Consultor Legislativo