Roberto Requião
Nos tempos da França de Luís XIV (1638-1715) – alcunhado de Rei Sol -, o seu Ministro das Finanças (Jean Baptiste Colbert) manifestara o entendimento de que a tributação consistiria simplesmente em uma “arte”: ‘a de tirar o máximo de penas de um ganso com o mínimo de grasnidos’. Por natural, algo que fazia sentido em uma monarquia absolutista; a dinastia dos Luíses findou-se com o número XVI, na forma que consta dos registros da história da França.
Com efeito e dada a evolução significativa do estado das artes de então a esta data, a tributação, na generalidade dos países do universo, já foi guindada ao foro de “ciência”, porque imbricada com a complexidade dos fenômenos sociais e econômicos hodiernos.
Todavia, no Paraná, no desgoverno do Richa, a tributação preserva traços singulares e característicos do século XVII. É que o cinismo arrecadatório assumiu contornos impressionantes.
Os contribuintes paranaenses de ICMS, ao realizarem vendas a consumidores finais, residentes e domiciliados em outro Estado da Federação, faziam a apuração do imposto a pagar em contabilidade gráfica mensal (que englobava todas as operações do período de um mês). Assim as coisas se passavam até o dia 31 de dezembro de 2015.
A partir de 01 de janeiro de 2016, e ao pretexto da Emenda Constitucional 87-2015, esta obrigação de recolher o ICMS devido nas vendas para consumidores finais de outros Estados ficou modificada, de sorte a que a diferença entre a alíquota interestadual (7% para os Estados do Norte e Nordeste e 12% para os do Sul e Sudeste) e a interna (por via de regra, 18%) venha a ser destinada, progressivamente, ao Estado de destino (Em 2016, 60% da dita diferença é atribuída ao Estado de origem e 40% ao de destino, percentuais que se alteram ano a ano até 2019 – quando a integralidade da diferença caberá ao Estado de destino.)
Publicou, então, o Governo do Paraná um edito (Decreto 3.208, de 23 de dezembro de 2015), anunciando aos seus súditos que a parcela de valor relativa à diferença de alíquota que couber ao Erário local deve ser recolhida em Guia específica (GNRE), no prazo previsto no inciso XXII do “caput” do art. 75 do Regulamento do ICMS, sendo vedada a compensação (da aludida parcela) com eventuais créditos ou saldo credor acumulado em conta gráfica. (Art. 327-H, incisos I e III, do Decreto citado.) (Para confrontar: ver textos da EC 87 e do Decreto 3.208, nas partes que interessam.)
Em suma: está-se diante de imposto novo, que não guarda nenhuma aderência com o figurino constitucional a ele atribuído, tal como estampado no art. 155 da Carta Magna. Ora, se antes, quando o ICMS ficava todo no Estado de origem para as hipóteses lançadas e o ajuste era feito graficamente, mês a mês, por óbvio, à parcela que doravante fica com o Paraná há de se adotar igual procedimento. Fora disso, trata-se de um retorno ao século XVII. Ademais, escancaradamente inconstitucional. O que o Governo do Paraná não faz para engordar seu caixa!
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Diplomas citados no texto acima:
(EC 87-2015)
Art. 1º Os incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 155…………………………………………………………………………
…………………………………………………………………………………………….
§ 2º………………………………………………………………………………..
…………………………………………………………………………………………….
VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
a) (revogada);
b) (revogada);
VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;
…………………………………………………………………………………….”(NR)
Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 99:
“Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:
I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;
II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
III – para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
V – a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.”
(Decreto 3.208, de 23,dez,2015)
Art. 327-H. No caso de operações ou prestações que destinarem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do imposto localizado em outra unidade federada, caberá ao Estado do Paraná, além do imposto calculado mediante utilização da alíquota interestadual prevista no art. 15, a parcela do valor correspondente à diferença entre essa e a alíquota interna da unidade federada destinatária, na seguinte proporção:
I – para o ano de 2016: 60% (sessenta por cento);
II – para o ano de 2017: 40% (quarenta por cento);
III – para o ano de 2018: 20% (vinte por cento).
Parágrafo único. A parcela do imposto de que trata este artigo:
I – deverá ser recolhida em GNRE específica, no prazo previsto no inciso XXII do “caput” do art. 75;
II – não poderá ser reduzida mediante a aplicação de quaisquer benefícios fiscais concedidos pelo Estado do Paraná;
III – não poderá ser compensada com eventuais créditos do imposto ou saldo credor acumulado em conta gráfica;
IV – deverá ser declarada ao fisco:
a) na EFD, no Registro E310, quando se tratar de contribuinte sujeito ao regime normal de tributação;
b) na DeSTDA, quando se tratar de contribuinte optante pelo Simples Nacional.”.