O senador Roberto Requião comenta em artigo a “demonstração de inteligência” do Senado ao rejeitar, na terça-feira (13) a votação imediata de projeto do senador José Serra que favorece o mercado financeiro, em detrimento do Estado. Leia o artigo.
Projeto que rouba do Estado
para favorecer a especulação
Roberto Requião*
O Senado da República deu na última terça feira uma demonstração de que ainda há vida inteligente no Congresso Nacional. Rejeitando uma votação imediata do PLS (Projeto de Lei do Senado) 204, proposto pelo senador José Serra, os senadores deram-se mais tempo para examinar uma das mais perniciosas iniciativas legais que vem tramitando na Casa há algum tempo, ou seja, a criação de mecanismos financeiros especulativos de mercado para transformar crédito tributário já negociado em crédito recebido com altos deságios.
O objetivo do projeto é justamente transformar crédito tributário já negociado e parcelado em recebimento imediato mediante cessão dos respectivos direitos creditórios a empresas ou fundos privados. Na forma original, contudo, o projeto é economicamente inaceitável. Não passa de um artifício para privatizar direitos creditórios de recebimento praticamente certo e parcelado em favor do setor privado, notadamente o sistema bancário. Sintomaticamente, ele não se aplica à parte de difícil recebimento da dívida pública.
O ideal, na medida em que não interessa ao país mais uma fonte de especulação num mercado financeiro já saturado de picaretagens, é que o projeto seja simplesmente rejeitado. Não faz sentido que o Estado abra mão de crédito sobre dívida pública já negociado e parcelado para receber à vista uma quantia muito menor, tendo em vista o deságio e a taxa de juros embutidos na venda dos créditos do setor público ao setor privado, mesmo que esses créditos sejam recebidos à vista.
Os senadores que tem experiência de governo estadual ou que se preparam para concorrer ao cargo sabem perfeitamente que, tendo em vista a crise em que estamos mergulhados, a tentação de governadores e prefeitos de fazer dinheiro com pressa, a qualquer custo, é muito grande. Os sucessores terão de arcar com a realidade de um fluxo de caixa menor, representado pelas dívidas parceladas, que praticamente desaparecerão no fluxo especulativo de curto prazo. A prudência manda que saiamos dessa, o quanto antes possível.
Entretanto, se a maioria do Senado entender que esse péssimo projeto deva ser votado e aprovado, que pelo menos que seja melhorado um pouco. Não sairá um projeto perfeito, mas menos ruim. Um dos aspectos em que seria melhorado é quanto ao deságio e à taxa de juros. No meu entender, como se trata de uma negociação com o setor público, deveria ser fixada a taxa de juros máxima assim como um teto para o deságio, a fim de minimizar – não eliminar, mas minimizar – as perdas do setor público.
Outro ponto a considerar é a distribuição proposta no projeto relativa às aplicações pelo setor público dos recursos obtidos no esquema: destinam-se nada menos do que 70% desses recursos ao pagamento da dívida pública, e meros 30% às despesas e investimentos correntes. Isso é um contrassenso. Só faz sentido antecipar o recebimento de créditos tributários já negociados e parcelados – portanto, receita líquida e certa, só que a prazo – se for para aplicar os recursos em investimentos prioritários. Do contrário, seria receber dívida pública absurdamente cara, considerado estágio e taxa de juros, para pagar dívida pública relativamente mais barata.
Portanto, convoco os senadores para uma reflexão desapaixonada e suprapartidária sobre esse projeto. Se é para adotarmos esquemas criativos para superar os gargalos de investimentos públicos, que o façamos com sentido prático e sem comprometer administrações futuras. Essa é a responsabilidade do Senado. Façamos como Hjalmar Schacht na Alemanha dos anos 30 , criemos títulos MEFO no Brasil, trazendo grandes empresas privadas para dar crédito a grandes investimentos públicos, e não, como quer esse projeto, fornecer aos bancos privados mais um suporte para a especulação desenfreada no mercado com dinheiro público barato.
*Senador da República