MANDADO DE SEGURANÇA Nº 770964-4, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
IMPETRANTE: ROBERTO REQUIÃO DE MELLO E SILVA
IMPETRADO: GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ
RELATOR SUBSTITUTO: DES. ANTONIO LOYOLA FILHO
Pronunciamento n° 11133
EXMO. SR. DESEMBARGADOR RELATOR
1- RELATÓRIO
ROBERTO REQUIÃO DE MELLO E SILVA impetrou MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO, com Pedido de Liminar, contra possível ato do Senhor Governador do Estado do Paraná, com o objetivo de continuar recebendo o valor de representação devido a ex-Governadores com base no art. 85, § 5º, da CE, declarando-se a ilegalidade e arbitrariedade de qualquer ato que venha a entender a inconstitucionalidade de tal benefício por decorrência da concretização do Parecer Normativo 026/2011, bem como vier a determinar em concreto o seu cancelamento.
Na inicial, alega o seguinte:
a) foi Governador do Estado do Paraná por três oportunidades, sendo que em 24.9.2009 foi publicado no Diário Oficial do Estado o ato administrativo pelo qual foi concedido o direito ao Impetrante da percepção de subsídio mensal vitalício assegurado pelo art. 85, § 5º, da Constituição do Estado do Paraná aos que foram Governadores do Estado;
b) em 22.03.2011 foi entregue ao porteiro do Impetrante um envelope, tendo como remetente a Secretaria de Estado da Administração e Previdência, cujo teor versava sobre a necessidade de formulação de resposta, no prazo de cinco dias úteis, sobre a cassação de suas verbas de representação que estaria na iminência de ser determinada pela autoridade apontada como coatora, a qual, inclusive, já teria acolhido parecer da Procuradoria-Geral do Estado a esse respeito, atribuindo-lhe caráter normativo;
c) eventual decisão que venha a ser proferida a esse respeito será nula, ante a falta de processo administrativo em que seja observado o contraditório e a ampla defesa ao Impetrante (art. 5º, LIV, da CF), tendo em vista que pelo conteúdo do Parecer da PGE e despacho do Senhor Governador do Estado, não vislumbra ser possível modificar a intenção pré-determinada de cassar o pagamento do subsídio mensal que vinha sendo pago aos ex-Governadores do Estado;
d) está na iminência de ocorrer afronta ao Estado de Direito (legalidade, constitucionalidade e devido processo legislativo), tendo em vista que a norma que institui o citado benefício está presente na Constituição Estadual desde a data de sua promulgação, ou seja, a 22 anos atrás, de modo que, para ser revogada, mister que seja através do correto tramite legislativo, isto é, perante a Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, através de emenda constitucional ou submetida ao controle do Poder Judiciário, caso contrário, incorreria em macula irreparável ao Estado Democrático de Direito;
e) o posicionamento adotado acabou por violar o princípio da impessoalidade, já que manteve o pagamento do valor de representação em relação à pensão da genitora da autoridade apontada como coatora, sob o argumento de que o benefício foi conquistado antes da Constituição de 1988, porém olvidou-se que o subsídio mensal ao ex-Governador José Richa é que seria anterior à Carta Magna, já que o benefício de pensão por morte somente foi reconhecido e passou a ser pago no ano de 2003;
f) o posicionamento contraditório da autoridade apontada como coatora em inclinar-se pela suspensão do benefício em relação ao Impetrante e outros beneficiários, mantendo o pagamento do valor à sua genitora, reforça a impressão de que a motivação do ato decorre de intento de retaliação política;
g) o subsídio mensal vitalício previsto no art. 85, § 5º, da CE é um instituto especial que visa propiciar segurança financeira para a vida pós-mandato do Governador e, embora a Constituição Federal de 1988 não tenha previsto tal benefício, também não o vedou, razão pela qual os Estados tem autonomia para dispor a esse respeito;
h) apesar de proposta ADIN em relação ao art. 85, § 5º, da CE perante o STF, foi negada a medida cautelar, estando, portanto, em pleno vigor o dispositivo da Carta Paranaense.
Postulou a concessão de medida liminar para impedir a autoridade apontada como coatora de não efetivar o pagamento do valor da verba de representação e no mérito, “a concessão definitiva da ordem no sentido de declarar a ilegalidade e arbitrariedade de qualquer ato que venha a entender a inconstitucionalidade do valor de representação acima mencionado por decorrência da concretização do Parecer Normativo 026/2011-PGE, bem como vier a determinar, em concreto, o seu cancelamento, tornando, assim, definitiva a liminar exarada.”
A medida liminar foi deferida até ulterior deliberação do Colegiado ou até pronunciamento do STF (fls. 94/97).
O Estado do Paraná formulou pedido de suspensão de liminar, tendo o Eminente Desembargador Relator revogado a medida, sob o fundamento de que não havia sido suspenso o pagamento do benefício ao Impetrante.
Regularmente notificado o Senhor Governador, por si e representando o Estado do Paraná (fls. 128/156), prestou suas informações nos seguintes termos:
a) ao contrário do que alega o Impetrante não houve descumprimento do princípio do devido processo legal, não tendo ocorrido a imediata suspensão do pagamento do benefício, mas tão somente a determinação de abertura de processo administrativo para análise de tal matéria, no qual foram notificados todos os beneficiários do subsídio cuja eventual suspensão do pagamento ainda haverá de ser apreciada;
b) não há violação ao Estado Democrático de Direito, nada obstando que Administração Pública deixe de cumprir dispositivo legal quando verificar estar ele eivado de inconstitucionalidade;
c) não ocorreu qualquer violação ao princípio da impessoalidade, vez que o estudo sobre o art. 85, § 5º, da CE foi eminentemente técnico e impessoal, não havendo abordagem individualizada sobre quaisquer pessoas;
d) o princípio da moralidade administrativa restou observado, sendo que a não abertura de processo administrativo para analisar o pagamento de pensão para a genitora desta Autoridade, na qualidade de viúva de ex-Governador, deveu-se à conclusão de que as situações relativas ao exercício de mandatos anteriores a 1988 estavam consolidadas porque a Constituição de 1967 assim autorizava;
A seguir, vieram os autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça.
2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Prefacialmente, necessária a intimação do Impetrante para que tome ciência dos documentos juntados pelo Impetrado em suas informações e, querendo, sobre eles se manifeste, ante à possibilidade de que interfiram ou repercutam no julgamento do presente
mandamus, mormente em relação à assertiva de ausência de processo administrativo.
Afinal, não há qualquer indicação de que o Impetrante tenha conhecimento da juntada de tais documentos, muito menos do teor dos documentos anexados aos autos, razão pela qual é recomendável a sua intimação para ciência a respeito.
De acordo com a melhor doutrina, o princípio da bilateralidade dos atos processuais, aliado ao da isonomia processual recomenda que, se “com as informações vierem documentos, deve ser aberta vista ao impetrante para sua manifestação, e após os autos irão ao Ministério Público para o seu parecer sobre todo o processado” (HELY LOPES MEIRELLES, “Mandado de Segurança”, 31ª edição, Malheiros, 2008, p. 100).
No mesmo sentido, Sérgio Ferraz acrescenta que “juntados que sejam documentos às informações, os imperativos constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da isonomia determinarão necessariamente a oitiva do impetrante” (Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 125).
Idêntica orientação é adotada no âmbito do egrégio Superior Tribunal de Justiça, consoante ilustra o seguinte julgado:
“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – LICENÇA PARA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO – JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE PARA SE MANIFESTAR – OFENSA AO ART. 398 DO CPC – NULIDADE DO ACÓRDÃO – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À CORTE DE ORIGEM.
O recurso merece prosperar pela inequívoca violação ao disposto no artigo 398 do Código de Processo Civil. Com efeito, na hipótese em exame a Corte de origem não deu oportunidade aos impetrantes de se manifestarem acerca da juntada de documentos que se mostraram essenciais para a formação da convicção daquele Tribunal, que, com base neles, deu provimento à apelação da parte contrária. A respeito do tema, pontificam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que, “após o deferimento de juntada dos documentos nos autos, o juiz deve determinar seja ouvida a parte contrária. Se isto não ocorrer e o documento influir no julgamento do juiz, em sentido contrário ao do interesse da parte preterida, a sentença que vier a ser proferida é nula e assim deve ser declarada”. Na espécie, a juntada dos documentos novos foi realizada pelo assistente da parte contrária, o que não afasta a aplicação do artigo 398 do estatuto processual civil, uma vez que a atuação do assistente ocasionou evidente prejuízo à defesa dos recorrentes. Dessarte, verificado na espécie o cerceamento de defesa, pela ausência de oportunidade dada à parte para se pronunciar acerca dos documentos novos trazidos aos autos, resta inafastável a nulidade do acórdão por ofensa ao princípio do contraditório. Recurso especial provido.” (STJ, 2ª Turma, REsp. 164.660/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 04.09.2003, DJ 03.11.2003, p. 290).
Desse modo, na linha do entendimento doutrinário e jurisprudencial, afigura-se conveniente, ad cautelam, cientificá-lo da juntada dos documentos de fls. 156/180 e 182/183, concedendo-lhe a oportunidade de manifestação a esse respeito.
2.2. Paralelamente a essa providência, percebe-se que, à vista do processado e da realidade em vigor, forçoso concluir que atualmente se encontram presentes os requisitos para concessão da medida liminar postulada na inicial.
Parte-se dessa premissa, pois não obstante esta Procuradoria-Geral de Justiça já tenha se inclinado pela inconstitucionalidade do preceituado no artigo 85, parágrafo 5º, da Constituição do Estado do Paraná, em representação encaminhada ao Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, verifica-se, in casu, a configuração do fumus boni iuris, na medida em que o subsídio que se deseja manter em prol dos ex-Governadores vem sendo concedido desde o advento do Texto Fundamental de 1.988, produzindo reflexos em suas respectivas esferas jurídicas.
A par disso, a aludida norma constitucional ainda permanece em vigor e, portanto, existe, é válida e capaz produz efeitos, até porque, embora objeto de ADIN em trâmite perante o egrégio Supremo Tribunal Federal, não teve deferida por esse Pretório Excelso pretensão cautelar capaz de suspender sua aplicação.
Por outro lado, igualmente caracterizado o periculum in mora, visto que a inexistência de “risco imediato de lesão a direito do impetrante” – argumento utilizado pela douta Relatoria para revogar a liminar que havia inicialmente concedido neste mandamus (fl. 105)-, hodiernamente revela-se carecedor de sustentação, eis que, no dia de ontem, oficialmente, foi noticiado o término do pertinente “processo administrativo”, concluindo a Administração Pública pelo cancelamento em definitivo das denominadas “aposentadorias de ex-governadores” (doc. em anexo).
Essa circunstância, somada à natureza alimentar da verba colocada constitucionalmente à disposição de ex-Chefes do Executivo, bem como a ausência de previsão sobre a data em que o STF procederá o julgamento da ADIN, acabam por servir para a identificação do periculum in mora.
À vista disso, impõe-se a revalidação da tutela de urgência concedida.
2.3. Após, constata-se ser necessária a suspensão do processo até o julgamento da ADIN 4545 proposta pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB) em face do art. 85, § 5º, da CE.
Com efeito, deve o feito ser suspenso quando se verifica a necessidade de paralisação do trâmite procedimental, como decorrência da constatação de questões que transitoriamente obstam o conhecimento e julgamento do conflito jurídico de interesses submetido à apreciação da função jurisdicional.
Na percuciente lição de Cândido Rangel Dinamarco: “A suspensão do processo de conhecimento, como a de todo processo, consiste em uma parada no procedimento e veto à realização de atos, permanecendo viva a relação processual, embora em estado latente. Tanto quanto nos processos em geral, as suspensões são conseqüência de atos ou fatos que tornam temporariamente ilegítimas a preparação e prolação do provimento jurisdicional postulado” .
Portanto, conquanto normalmente o processo se origine, se desenvolva e caminhe com o objetivo de proporcionar a devida tutela do direito material, situações podem ocorrer e são capazes de impedir momentaneamente, por determinado período, o seu prosseguimento, atingindo os atos processuais, “até que a causa suspensiva desapareça, pois que apenas se conta tempo” .
Dentre as hipóteses determinantes, verifica-se que a suspensão será determinada quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra demanda, consoante o disciplinado no artigo
265, inciso IV, alínea “a”, do Código de Processo Civil.
Essa circunstância consubstancia-se na denominada prejudicialidade externa, caracterizada pela necessidade de prévia solução de determinada questão, a ser realizada em feito diverso daquele em que sua constatação mostra-se hábil a impedir o proferimento de sentença.
Por conseguinte, existindo óbice ao julgamento do mérito, na medida em que a apreciação prévia do objeto de outra causa apresenta-se essencial, a suspensão do processo torna-se de rigor, a fim de que o litígio em exame possa encontrar adequada resolução.
Assim enfatizado, percebe-se que, in casu, questão prejudicial externa está a impor a suspensão do presente mandamus.
Isso porque, conforme noticiado nos presentes autos, foi proposta pela OAB uma Ação Direta de Inconstitucionalidade visando extirpar do ordenamento jurídico o art. 85, § 5º, da CE, justamente o dispositivo constitucional que ampara o pagamento do benefício que o Impetrante pretende continuar a perceber.
Aliás, o próprio pedido formulado pelo Impetrante está diretamente ligado ao objeto da ADIN referida, na medida em que foi postulado que pagamento do beneficio nao fosse interrompido, impedindo-se que a autoridade apontada como coatora suspendesse o pagamento por entender inconstitucional o dispositivo da Carta Paranaense anteriormente citado.
Compulsando o sistema de acompanhamento processual do Supremo Tribunal Federal, a ADIN 4545 está conclusa a eminente Ministra Relatora, já contando com parecer da Procuradoria-Geral da República favorável à procedência do pedido.
Outrossim, os fundamentos jurídicos deduzidos na inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta perante o Supremo Tribunal Federal são praticamente os mesmos expostos pelo Impetrado no presente mandamus, restando, portanto, identificada a questão prejudicial externa apta a justificar a suspensão deste mandado de segurança, uma vez que a sentença de mérito a ser proferida, diante do pedido formulado, encontra-se na dependência do julgamento da ADIN 4545 pelo Supremo Tribunal Federal.
Afinal de contas, caso assim não se entenda, instalar-se-á o fundado risco da emissão de pronunciamentos contraditórios, em desprestígio da esperada resposta jurisdicional uniforme, o que certamente ocasionará prejuízos às partes e poderá intensificar, ainda mais, o litígio ora em análise.
Ao julgar hipótese assemelhada, entendeu por bem esse douto Órgão Especial manifestar-se no seguinte sentido:
“INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – MANDADO DE SEGURANÇA – INCIDÊNCIA DE ISS SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS – LISTA DE SERVIÇOS – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM CURSO NO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – QUESTÃO SEMELHANTE – PREJUDICIALIDADE EXTERNA RECONHECIDA – ART. 265, INCISO IV LETRA "A" DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – SUSPENSÃO DO PROCESSO. 1. Ocorrendo relação jurídica condicionando objeto de outra causa já aforada, restringindo-se a questão em prejudicial externa, impõe-se a suspensão do processo ex vi do art. 265, inc. IV, letra "a" do Código de Processo Civil. 2. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Constituição Federal, art. 102, § 2º).” (TJPR. AC. 7951. Rel. Des. Lauro Augusto Fabrício de Melo. J. em 15/06/07. DJ 10/08/07).
Logo, necessário suspender o trâmite do presente processo, tendo em vista que o julgamento a ser efetuado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIN 4545 produzirá importantes efeitos, capazes de atingir o pretendido através deste writ, não se mostrando equivocado afirmar que a apreciação do mandamus encontra-se totalmente subordinada ao que virá a ser decidido no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade.
3 – CONCLUSÃO
Ante o exposto, converge o presente pronunciamento desta Procuradoria-Geral de Justiça no sentido de ser:
a) determinada a intimação do Impetrante para que tome ciência dos documentos juntados pelo Impetrado em suas informações e, querendo, sobre eles se manifeste;
b) revalidada a liminar anteriormente concedida (fls. 94/97);
c) ordenada a suspensão do processo, nos termos do art. 265, inciso IV, alínea “a”, do CPC.
Curitiba, 27 de maio de 2011.
LINEU WALTER KIRCHNER
SUBPROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA