No dia 5 de outubro, estando eu fora do país, fui alvo de declarações grosseiras, indelicadas e, sobretudo, mentirosas de parte do presidente mundial da Renault, Carlos Ghosn, que naquele dia visitava o Paraná.
O senhor Ghosn reclamou que, nos oito anos em que governei o Paraná, entre 2003 e 2010, a Renault não foi bem tratada no estado. Disse ele, segundo os jornais: “Não fomos bem tratados nos últimos oito anos. Nesse período, visitei a fábrica todos os anos e nunca encontrei o governador”.
Veja só, ele queria que em suas alegadas visitas anuais à fábrica da Renault no Paraná, o governador do estado estivesse lá, na porta da fábrica, todo pressuroso, genuflexo, de mãos postas, dizendo bwana, bwana , como fez o governador que me antecedeu e agora repete o que me sucedeu.
Minha espinha não curva assim, senhor Ghosn.
Aqui no Senado, entre 1995 e 2002, critiquei e denunciei com freqüência a política de incentivos fiscais do governo do Paraná às montadoras multinacionais, especialmente à Renault. As concessões foram tantas que o governo do estado tornou secretos inacessíveis à opinião pública, ao Judiciário, à Assembléia, ao Tribunal de Contas os acordos, os protocolos assinados com fábrica francesa.
Por essa época, esteve no Brasil o economista norte-americano Lester Thurow, professor do lendário MIT, editorialista da Newsweek, membro do conselho editorial do New York Times.
Lester Thurow é aquele economista que em seu livro “O Futuro do Capitalismo”, escrito em, 1996, disse coisas como : “ O sistema financeiro global irá experimentar um colapso equivalente ao craque da bolsa americana dos anos 30”. E mais: “Em algum ponto do futuro, os Estados Unidos perderão a sua capacidade de financiar seu déficit comercial. Então o fim virá”. Mais ainda: “As economias avançadas estão produzindo o que Marx chamava de lumpenproletarit. A desigualdade cresce em toda a parte. Por fim: “Os fundamentalistas religiosos são um vulcão social em erupção”.
Em uma entrevista à TV Cultura de São Paulo, em 1997, Thurow reafirmou a sua advertência: “E chegará a hora em que haverá uma quebra do mercado global. Isso é fato”.
Isso tudo, senhoras e senhoras, ele disse em 1966 e 1997. Pois bem, esse homem que antecipou em tantos anos o que depois o mundo viveu, disse também que os governantes dos países subdesenvolvidos que se atiravam à disputa de montadoras multinacionais, oferecendo a elas mundos e fundos, desbaratando seus já minguados recursos financeiros, eram uns perfeitos idiotas.
Segundo ele, qualquer pimeiroanista de economia que lançasse um olhar para o mapa do mundo, veria que o caminho natural das montadoras era em direção ao Sul, à conquista dos mercados consumidores da América Latina, África, Ásia, Oceania, que elas inevitavelmente se instalariam lá, independente de incentivos, benesses e salamaleques de governantes colonizados.
Ele deplorava que os nossos países tirassem o pão da boca de seu povo para dar dinheiro a algumas das empresas mais poderosas do planeta.
Foi o que fez o meu estado, foi o que fez o governador Jaime Lerner. Para que a Renault, a Wolkswagen, a Chrysler se instalassem no Paraná, ele ofereceu os anéis e também os dedos. Além de doar o terreno, fazer a terraplanagem, as obras de infra-estrutura, de isentar ou postergar o recolhimento do ICMS a perder de vista, de liberar financiamentos abrindo mão de juros e correção monetária ,sua excelência, acreditem, é a mais pura verdade, sua excelência subscreveu um capital de 136 milhões de dólares em ações da Renault! Deu tudo e mais um pouco e ainda premia a multinacional com 136 milhões de dólares. Ações essas, não é preciso dizer, que viraram pó.
Em 2004, no segundo ano de meu governo, fui dar uma olhada para ver quanto a Renault havia contribuído em ICMS, depois de seis anos instalada no Paraná. A multinacional havia pagado em impostos a ridícula quantia de 1,5 milhão de reais.
Os benefícios concedidos à Renault por um governante irresponsável somam hoje alguns bilhões de reais.
Ainda em 2004, fiz um cálculo para saber o
que significaria para os cofres públicos os 166 milhões de reais que o estado emprestara à outra montadora, a Wolkswagen. O empréstimo fora concedido também sem juros e sem correção e pelo prazo de 26 anos. Considerando esse prazo e aplicando sobre o valor juros médios de mercado, cheguei à soma de cinco bilhões de reais.
Cinco bilhões de reais fora quanto o governo do Paraná dera de presente à Wolkswagen.
Enquanto era assim tão pródigo com as multinacionais, o governador Jaime Lerner revogava um decreto de meu primeiro governo, entre 1991 e 1994, que dera isenção absoluta de imposto para as micros empresas e reduzira a valores simbólicos o ICMS das pequenas empresas. Que contrassenso, que aberração!
Há mais ainda. Há mais desses privilégios coloniais, desses salamaleques que tanto encantaram monsieur Carlos Ghosn.
Para se instalar no Paraná, a Renault exigiu que o governo do estado enquadrasse os sindicatos de trabalhadores, forçando-os a aceitarem um salário piso inferior ao que as montadoras pagavam aos metalúrgicos do ABC paulista.
E assim foi feito. Além do que a atuação dos sindicatos na fábrica era fortemente restringida.
Pior: em todas as greves na fábrica, a Renault contava com a pronta ação da Polícia, que atuava como guarda pretoriana dos interesses da multinacional e que, em diversas ocasiões, agiu de forma truculenta contra os trabalhadores.
Bom, chegou a hora de falar sobre os “maus tratos” que conforme o bwana Carlos Ghosn eu infligi à Renault entre 2003 e 2010, quando governei o Paraná pela segunda e pela terceira vez.
Quais teriam sido os “maus
tratos”?
A Renault considerou-se maltratada porque tirei a Polícia de frente da fábrica? Por que proibi qualquer ação policial contra os movimentos grevistas? Por que pressionei a fábrica para que assinasse acordos salariais justos com os trabalhadores? Por que coloquei a televisão pública do estado cobrindo tanto o movimento dos trabalhadores como a assinatura dos acordos salariais?
Ou foi porque divulguei, para que os paranaenses e os brasileiros tomassem conhecimento, os protocolos que privilegiaram a Renault e outras montadoras multinacionais?
Ou porque cumpri o compromisso de campanha de não conceder qualquer incentivo às multinacionais se não pudesse, igualmente, concede-lo a empresas nacionais?
E, supremo mau trato, por que não recebi no Palácio, com tapete vermelho, guarda de honra, fanfarras e foguetes o senhorzinho Ghosn em suas augustas visitas anuais à fábrica paranaense da Renault e nem fui à fábrica para homenageá-lo? Foi por isso?
Ao mentir sobre os tais “maus tratos” o senhorzinho Ghosn deixou de mencionar que nunca me pediu uma audiência. Certamente gostaria, com suas manias senhoriais, que eu suplicasse uma audiência com ele.
Ao mentir sobre os tais “maus tratos”, ele deixou de mencionar que todas as audiências solicitadas pelo diretor da Renault no Brasil, senhor Pierre Pontel, foram concedidas.
Ao mentir sobre os tais “maus tratos”, monsieur Ghosn deixou de mencionar que as Secretarias de Estado da Fazenda e da Indústria e Comércio, em meus segundo e terceiro mandatos, não deixaram de atender as solicitações da Renault. Que, por expressa determinação minha, os incentivos de ICMS relativos à importação de bens e insumos foram reconhecidos por despachos de meu secretário da Fazenda Heron Arzua.
Logo, o que foi apresentado como novidade, no protocolo assinado pelo atual governador e pelo senhor Ghosn, no dia cinco de outubro, nada mais é do que um acordo elaborado em meu governo. A primeira minuta do referido protocolo foi construída por técnicos da Secretaria da Fazenda e executivos da Renault, em meu governo.
Como declara o meu ex-secretário da Fazenda, o advogado tributarista Heron Arzua, que acompanhou e conduziu todas as negociações com a Renault: “Não há qualquer motivo de queixa de parte da Renault durante o período em que Requião governou o Paraná. O que parece haver é o interesse político em afagar o atual governador”.
De fato, o destempero mentiroso do senhorzinho Ghosn veio depois que o governador Beto Richa, retomando as zumbaias, os rapapés e as mesuras do governo que me antecedeu, pediu desculpas pelos “maus tratos” que a Renault e seu bwana sofreram sob o meu mandato.
Meu deus, até onde vão a arrogância, a prepotência e as falácias desses pretensos senhores coloniais e até onde chega a submissão de governantes que se curvam, submetem-se?
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