Nas duas últimas semanas, como presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, participei de dois encontros internacionais. Primeiro no México, no “Foro de Guadalajara”, que reuniu especialistas do mundo todo para debater alternativas políticas e econômicas à crise financeira global. Depois, no Perú, em Lima, no Parlamento Andino.
Os debates em Guadalajara foram estimulantes, mobilizadores. Economistas latino-americanos e europeus repudiaram com força as receitas de sempre do mercado.
Em vez da persistência em políticas econômicas fracassadas, como teimam os norte-americanos e os europeus, discutimos a premência, a necessidade, a inevitabilidade da integração latino-americana como meio de enfrentar a crise, buscando o nosso próprio caminho em direção ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar de nossos povos.
Concluímos, enfim, que o nosso destino é a unidade, a cooperação, a integração. Vimos que os acordos bilaterais, com que nos procuram amarrar aos países imperiais, condicionam-nos ao atraso, à dependência, à eterna condição de produtores e exportadores de commodities.
A unidade latino-americana, em torno de um projeto comum de desenvolvimento será, verdadeiramente, a efetivação da independência do continente.
Já em Lima, no Parlamento Andino, agitamos a mesma idéia de integração, de entrelaçamento de nossos destinos. Procuramos fazer ver que a crise oferece uma oportunidade rara para os nossos países; que a ruína, o insucesso das políticas econômicas conservadoras, ortodoxas empurra-nos à invenção de nosso próprio caminho e que ele passa ao largo dos pressupostos do capitalismo financeiro global.
E defendemos ainda, em Lima, a crença, a percepção de que nossos parlamentos, que os parlamentos regionais como o Parlasul e o Parlamento Andino, onde os nossos povos estão representados, podem se constituir no espaço privilegiado não apenas do debate e sim também de tomada de decisões em favor da integração continental.
É com as lições desses dois encontros em mente que volto os olhos para o nosso país, examinando as tantas correntes que ainda nos mantém presos a princípios, aos fundamentos de uma política econômica que se estiolou, que caiu do galho, depois murchou, depois morreu.
Alguns economistas brasileiros afirmam que o Brasil só avança com o “partido da crise”. Sem crise, o imperialismo invade todos os pólos de poder e sua ideologia pela submissão e dependência invade incessantemente todos os olhos, ouvidos e cérebros se rogando como a explicação para a aparente estabilidade e para os possíveis lampejos de progresso e prosperidade.
Na crise, o imperialismo se distrai com muitos problemas e sua ideologia pela dependência não serve para explicar nenhum progresso, prosperidade e estabilidade, porque essas coisas deixam de existir.
Na crise, os serviçais do imperialismo não sabem o que fazer, mas o povo, em desespero, cobra mais respostas. Na crise, abre-se o espaço para soluções ousadas, para rupturas.
Ruptura que, aliás, será inevitável em razão da crise e do desespero, mas que na mão do estadista será conduzir positivamente para uma boa direção.
Getúlio Vargas no Brasil e Cárdenas no México, para citar dois exemplos latino-americanos, ascenderam ao poder de formas diferentes, mas ambos só tiveram espaço para chegar ascender e fazer o que audaciosamente se propuseram a realizar em razão da grande crise dos anos 30.
Chegou a hora do partido da crise voltar ao poder.
A crise econômica e geopolítica que poderá vir, que se anuncia para antes do final de 2014 não encontrará o mundo preparado para responder da forma que se respondeu à crise de 2008. Em 2008, o mundo respondeu à crise de forma cooperativa, cada país resolvendo seus problemas e buscando crescer sem exportar desemprego.
Agora as circunstâncias são outras, graças à ascensão de forças conservadoras na Europa e nos Estados Unidos.
As nações e os blocos econômicos estão se armando para exportar a crise para o exterior. Como disse a Presidenta Dilma, os países desenvolvidos estão promovendo guerras cambiais, estão aumentando o protecionismo, estão reduzindo os gastos públicos esperando que os empregos sejam cobertos com mais exportações e menos importações.
A Europa já começou a reduzir seus gastos públicos de maneira cruel, buscando copiar o modelo alemão de austeridade pública e economia voltada para exportação. O atual motor mundial, a China, mostrou que não pretende responder à crise que se avizinha com a mesma intensidade de expansão dos gastos públicos, e consumo, como fez em 2009. Terá esse ano provavelmente o menor crescimento em décadas.
Nos anos 30 foi assim, os países reduziram seus gastos públicos esperando contar com as exportações para reduzir desemprego, mas a maioria fez isso ao mesmo tempo e as exportações caíram ao invés de aumentar.
A resposta de muitos países foi aumentar os gastos militares para gerar empregos e tirar o povo da miséria. A guerra acabou sendo estimulada, ou pelo temor dos vizinhos que responderam por ainda mais gastos militares ou pela necessidade de justificar esse maior investimento em armamentos.
O mundo hoje ruma para uma situação que nos faz lembrar os anos 30. A retórica diz que precisam reduzir dívidas públicas colossais, mas essa não é a única razão. Há uma tentativa também de exportar desemprego através dos cortes de gastos e desvalorização de moedas.
Empurrada pela Alemanha, a Europa está reduzindo perigosamente os gastos públicos e consumo privado, o que leva ao aumento do desemprego. Ao mesmo tempo, aposta na grande expansão monetária e consequentemente desvalorização do euro, esperando que as exportações e redução das importações possam gerar empregos em volume suficiente.
Na Inglaterra a política é idêntica.
Nos EUA, o FED está fazendo uma política monetária ainda mais agressiva e, de fato, tem ajudado a reduzir o déficit comercial nos últimos anos, assim como tem aumentado significativamente o emprego na indústria exportadora. O Partido Republicano está propondo que se copie o modelo alemão de austeridade fiscal e parece que a partir do próximo ano, poderá ser feito alguma coisa nessa direção através do chamado “abismo fiscal” que está sendo engendrado no congresso americano através da não prorrogação de aumentos de gastos e cortes de impostos das Eras Bush e Obama.
Europa e EUA querem tomar de volta os empregos industriais que perderam para a China e Ásia nos últimos 20 anos.
Mas, diferentemente de 2009, parece que dessa vez a China não quer cooperar. E está preferindo apostar em menor crescimento ao invés de apostar em um aumento dos gastos públicos e do consumo interno. Ou seja, a China também está apostando no crescimento das exportações.
Mas esse crescimento das exportações não virá, porque todos estão cortando gastos públicos e consumo e aumentando o protecionismo. Logo, a crise parece inevitável.
Ela pode ser suave e levar a uma estagnação prolongada, ou ser abrupta, caso ocorra algum choque inesperado, como foi a quebra do Lehman Brothers. Esse choque pode ser qualquer coisa, desde a saída da Grécia do euro até algo inimaginável. O fato é que os países não vão responder à crise como em 2008, ampliando os gastos públicos e isso será mortal.
Vamos agora examinar o nosso quintal.
Em 2009, a crise foi branda na América Latina, porque os preços das commodities se recuperaram rapidamente em razão da imediata e intensa resposta chinesa à crise.
Hoje o Brasil e a maioria da América Latina são ainda mais dependentes das exportações de commodities. Quando vier a crise, não haverá saída com a manutenção do mesmo modelo primário-exportador ou no mesmo modelo neoliberal de privatizações, desnacionalização, juros altos, etc.
Ilustremos pela realidade brasileira.
A situação do balanço de pagamentos está calamitosa. No ano passado o país teve um déficit de quase 55 bilhões de dólares em transações correntes. Esse déficit está sendo coberto principalmente com crescente endividamento externo e desnacionalização, chamada no jargão de mercado de investimento externo.
Mas esse crescente passivo externo tem levado a buracos cada vez maiores na conta de pagamento de juros e lucros ao exterior, cujo déficit anual passou de 8 bilhões de dólares em 1992 para incríveis 47 bilhões de dólares em 2011. Esse é o preço da crescente desnacionalização da economia brasileira.
O pagamento exagerado de juros e lucros explica boa parte do déficit em conta corrente, mas não tudo. Além da desnacionalização, o Brasil também está vivendo uma reprimarização ou desindustrialização e crescente dependência tecnológica.
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O boom das commodities gerou um significativo aumento do superávit comercial na última década. Porém, a desnacionalização e a dependência de tecnologia e serviços estrangeiros cresceram muito mais. Em menos de 20 anos, o déficit na conta de serviços comerciais passou de 3 bilhões para 38 bilhões, fazendo com que a balança comercial atingisse um déficit de bens e serviços de quase 8 bilhões. O tão festejado superávit da balança de exportações de bens (30 bilhões em 2011), decorrente do boom de commodities não permite nem eliminar o déficit comercial de bens e serviços.
Infelizmente nosso governo e nossa mídia apenas informam o superávit comercial de bens, e nada dizem sobre o déficit comercial total, de bens e serviços.
Além do déficit comercial de bens e serviços,observamos um grande declínio da nossa pauta exportadora em favor dos produtos primários ou básicos.
O mais assustador é que esse déficit comercial ocorre em um momento em que os preços das commodities exportadas pelo Brasil ainda estão em níveis recordes.
Esse aumento inédito do preço das commodities salvou o país de uma crise muito séria e o governo de enfrentar a decisão de acabar de vez com o modelo neoliberal implantado por FHC. Graças a essa folga nas contas externas, o governo pode dar um passo à frente na questão social sem romper com o modelo econômico implantado nos anos 90. Entretanto, o preço foi pago pelo setor manufatureiro e décadas de capacitação tecnológica industrial que definhou nos últimos 10 anos.
O Brasil teve robusto superávit comercial na indústria até 2007. E inclusive até 1989 tinha superávit ou equilíbrio comercial em alta, média-alta, média-baixa e baixa tecnologia industrial.
Entretanto, a partir de 2009, o Brasil passou a ter déficit até mesmo em média-baixa tecnologia. Nem mesmo o superávit de 18 bilhões em baixa tecnologia foi capaz de impedir que tivéssemos um déficit de comercial de bens industriais de 30 bilhões de dólares.
Esse superávit robusto em baixa tecnologia decorre do fato de que os termos de troca têm sido bastante favoráveis ao Brasil. Preços de commodities começaram a subir a partir do último trimestre de 2001 e, ao final de 2010, haviam aumentado nada menos do que 75%, já deduzida a inflação. Como o Brasil é um exportador líquido de commodities, a elevação dos seus preços traduziu-se também numa melhora expressiva dos termos de troca. Nesse mesmo período, do quarto trimestre de 2001 ao quarto de 2010, esta variável teve uma melhora de 34%.
A relação altamente favorável entre os preços de exportação e de importação tem garantido um superávit comercial de bens superior a US$ 23 bilhões no acumulado nos últimos 12 meses (até abril de 2012). Porém, apesar desse robusto saldo comercial, o altíssimo pagamento de juros e lucros para o exterior tem levado o país a ter um déficit em conta corrente de 50 bilhões de reais, financiado principalmente com crescente endividamento e desnacionalização de empresas.
Se os termos de troca – a razão entre cotações de vendas e compras externas – estivessem hoje nos níveis de 2005, quando estavam próximos da média histórica, o Brasil teria nos 12 meses até abril de 2012 um rombo na balança comercial de bens de US$ 25 bilhões, em vez de um superávit de US$ 23 bilhões, segundo cálculos do J.P. Morgan. A piora de quase US$ 50 bilhões do saldo comercial faria o déficit em conta corrente pular dos atuais US$ 50 bilhões para quase US$ 100 bilhões.
Esse choque no preço das commodities certamente aconteceria em um momento de crise nos mercados financeiros internacionais e esse déficit de 100 bilhões de dólares não poderia ser coberto com financiamento externo. O Brasil sofreria certamente um forte ataque cambial.
Nesse caso, os 333 bilhões de reservas cambiais não fariam frente aos mais de 1,2 trilhões de passivo externo líquido.
Nessa situação, o modelo econômico e social dos últimos 10 anos não teria mais viabilidade.
Não será mais possível manter a economia crescendo baseado nas políticas sociais e no consumo de produtos importados financiado por crescente desnacionalização.
Não será mais possível manter o tripé do Armínio-Malan-Palocci:
• Superávit Primário
• Meta de Inflação
• Câmbio Flutuante
O ataque cambial inevitável levará à necessidade de controle cambial. A meta de inflação será necessariamente ultrapassada, porque a taxa de câmbio poderá passar de 3 reais. Os gastos públicos terão ser elevados para impedir uma recessão muito forte. A saída dos últimos 10 anos para impedir que a meta de superávit primário não conduzisse à recessão foi incentivar o crédito ao consumo. No entanto, essa saída já mostra sinais de que está esgotada.
As famílias brasileiras já estão bastante endividadas, e já não se mostram mais capazes de aumentar seu endividamento, o que tem levado à forte queda nas vendas de bens duráveis.
O governo terá que desistir de mais uma tentativa de aumentar o crédito ao consumo, primeiro porque as importações de bens supérfluos do exterior terão que ser reduzidas na crise, segundo porque o comprometimento médio das famílias com o serviço da dívida talvez seja o maior do mundo.
Enfim, haverá uma ruptura. Para o bem ou para o mal. O modelo econômico neoliberal, com ou sem “sensibilidade social” não funcionará mais.
Essa ruptura poderia ser no sentido de uma submissão total ao FMI com a volta do PSDB ou o rompimento com as políticas neoliberais.
Que Deus, os anjos e todos os santos nos preservem e guardem dos Malan, dos Arida, dos Armínio, dos Gustavos, Francos ou Loiolas.
Ruptura. Tanto com o neoliberalismo do mais puro extrato que os tucanos representam, como com o de baixos teores, com filtro social, que o PT defende.
Maquiagens, medidas quebra-galhos são remendos que não se sustentam e precisam ser substituídos ou recosturados sequentemente.
Ruptura. Radicalização na busca de saídas. Afora isso, é conversa mole para o povo dormir e se iludir .
Ruptura, senhoras e senhores senadores. Romper para sobreviver, romper para construir a mais generosa de todas as utopias: a utopia de um mundo solidário e bom para todos.