Reforma Tributária SimplificadaUma reforma tributária voltada para a simplificação, justiça (atendimento ao princípio da capacidade contributiva), neutralidade e equilíbrio das contas públicas não implica na alteração do sistema tributário da Constituição de 1988. Esta não fixa alíquotas, não impõe a criação de contribuições em "cascata" (ou de quaisquer outras), não estipula a carga tributária, não é responsável pela "guerra fiscal"entre Federadas, não obriga a criação ou cobrança de qualquer tributo (apenas outorga competências), não impede a integração com o Mercosul e não é culpada pela volúpia de deveres acessórios que acompanham toda exação no Brasil. O que se quer acentuar, no particular, é que para tornar o nosso conjunto de impostos racional e moderno não é preciso mudar uma vírgula da Constituição de 1988, até porque, com 22 anos de idade, ela nunca chegou a ser aplicada. • Princípios geralmente aceitos de tributação – simplicidade, justiça e neutralidade econômica – recomendam a extinção de inúmeros tributos existentes, a saber: (a) imposto sobre operações financeiras (isof), sobre produtos industrializados (ipi) ; ( b) contribuições ao pis-pasep, cofins, e contribuição social sobre o lucro. Tais exações complicam a vida do contribuinte, estimulam a sonegação, distorcem preços relativos, forçam a integração vertical das empresas e acentuam a regressividade do sistema. Mas para extirpá-los do mundo normativo não se faz mister alterar o Texto Básico. Por lei ordinária isso é possível. • No caso do i.p.i., ao invés de erradicado, poderia ser limitado (até por decreto do Executivo Federal), para apanhar uns poucos produtos nobres (cigarros, veículos, bebidas, jóias, etc.), reduzindo sua extrema abrangência e complexidade de hoje, com notórios percalços para os contribuintes, Fazenda Pública e Justiça.• A incidência das contribuições sobre a folha de salários e faturamento poderia ser minorada por veículo ordinário congressual. Aliás, a instituição da lei fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte (Lei n.o 9.317, de 5.12.96), conhecida como "Simples", com pagamento unificado de vários tributos – imposto de renda das pessoas jurídicas, pis-pasep, contribuição social sobre o lucro líquido, cofins, ipi, contribuições para o seguro social a cargo das pessoas jurídicas -, com alíquotas que variam de 3% a 7% sobre a receita bruta mensal, é uma prova eloqüente de como se pode fazer uma reforma tributária profunda sem mexer no Estatuto Maior. • Na área do imposto de renda (i.r.) – o tributo mais racional que se conhece, gozando de larga preferência no plano tributário dos países desenvolvidos -, alguns ajustes encareciam de ser realizados. Na generalidade das nações fiscalmente civilizadas, o i.r. tem como princípio incidir sobre pessoas físicas na estrita conformidade com a capacidade contributiva aferida nas declarações individuais de rendimento. No Brasil, o i.r., para se integrar aos padrões do primeiro mundo, teria de sofrer radicais alterações, tais como a imputação do imposto de pessoa jurídica ao imposto de pessoa física, o fim da imposição exclusiva na fonte (como sói acontecer com a tributação do mercado financeiro) e o aumento do universo dos contribuintes pessoas físicas. • Com o passar dos anos, por razões de ordem administrativa e de facilidade de arrecadação, esse tributo se converteu num imposto recolhido preponderantemente pelas grandes empresas, onerando a renda das pessoas jurídicas e os rendimentos da mão-de-obra. Hoje, na medida em que uma parcela desprezível do i.r. é aplicável à base de cálculo apurada na declaração de rendimentos das pessoas físicas, o imposto afasta-se da capacidade contributiva e acaba onerando a produção e o consumo. Em rigor, a facilidade no lançamento e arrecadação do i.r. implica em torná-lo distante dos princípios de justiça fiscal. • É pressuposto, pois, de uma reforma tributária séria, modificar a legislação ordinária desse imposto, com o objetivo não só de alcançar a riqueza individual, mas de torná-lo adequado à capacidade econômica das pessoas. A tributação na fonte há de ser toda ela integrada com a declaração de rendas individual. Todo esse cabedal de iniciativas a Constituição não obstaculiza, antes a requer, a ordena. • O imposto sobre a propriedade territorial rural, nada obstante concebido como instrumento de reforma agrária, pode ser descomplicado em patamar infraconstitucional (como já vem sendo), a ensejar considerável volume de recursos à União, sem prejuízo de seus objetivos extrafiscais. • Quanto aos Estados, pode-se dizer que o icms, que é o principal imposto nacional, foi objeto de regulação nacional (Lei Complementar n.o 87, de 13 de setembro de 1996), a qual afeiçou o imposto às suas premissas originárias – de ser um imposto amplo sobre o consumo interno de natureza polifásica e não-cumulativa. É que a Lei 87 reconheceu, em coerência absoluta com o Texto Constitucional, créditos praticamente para todas as aquisições de mercadorias, inclusive de bens de produção e de uso e consumo, e livrou do ônus fiscal a exportação de produtos primários e semi-elaborados. (Os industrializados já estavam imunes.) É verdade que o reconhecimento dos créditos de forma ampla (uso e consumo) vem sendo adiado ao argumento de que prejudicaria a arrecadação dos Estados. Mas é uma questão de tempo, porquanto o crédito amplo e irrestrito faz parte da natureza constitucional desse tributo.• Questão não resolvida satisfatoriamente no âmbito do icms é a da divisão da receita entre o Estado de origem (da produção da mercadoria) e do destino (onde se verifica o consumo final.) No Brasil, adotou-se esquema de repartição mista, por intermédio de alíquotas interestaduais menores que as praticadas no mercado interno. A principal admoestação é a de que essa concepção tem oferecido facilidades para o incremento da denominada "guerra fiscal", que é o uso do icms para atrair investimentos. Todavia, para coibir os excessos dos Estados, não é preciso bulir na Constituição, bastando que ela seja implementada. (O Senado, por via de resoluções, pode fixar as alíquotas do imposto e tomar outras medidas saneadoras.) • As propostas de reforma do imposto estadual, no patamar da Carta Magna, resumem-se à sua unificação numa lei complementar nacional única, em que a Federadas deixariam de ter competência legislativa sobre o aludido tributo. Nada obstante já exista uma lei complementar que trate dos aspectos essenciais do ICMS, as leis regionais e principalmente suas regulamentações (por via de decretos e atos normativos inferiores) acabaram por desfigurá-lo, sendo que hoje cada Estado tem um ICMS próprio, com restrições de toda ordem quanto ao princípio essencial do imposto, que é a sua nota constitucional da sua não cumulatividade. A enorme disputa por investimentos industriais levaram os Estados ao desrespeito absoluto da Constituição, na particularidade que exige unanimidade de decisões estaduais, por intermédio do Conselho de Secretários da Fazenda (Confaz), para a concessão de incentivos e benefícios fiscais.• Mas, penso que, por lei congressual, os Governadores e os agentes públicos que viessem a desacatar a norma constitucional poderiam ser responsabilizados por improbidade administrativa, com a perda do mandato para os primeiros, e penas punitivas severas aos demais. E, para colimar tal objetivo, não seria necessário mexer na Constituição da República.• A questão da denominada “guerra fiscal” seria, dessarte, resolvida também a nível infraconstitucional. • Enfim, muito há fazer com os 13 impostos do desenho normativo brasileiro no chão das leis infraconstitucionais. (Sem anotar que uma administração fazendária ágil e eficiente é pressuposto do êxito de qualquer arcabouço fiscal.) • Na área do imposto municipal sobre serviços, uma lei de natureza complementar poderia dotar o imposto da característica da incumulatividade, pois hoje a sua maior vicissitude é a sua natureza de incidência em cascata nas operações intermediárias, aquelas que não abrangem o utente final dos serviços.• Todas essas providências independem de reforma da Constituição. • Curitiba, 14 de fevereiro de 2011Sugestão de Reforma Tributária elaborada por:• (Heron Arzua, ex-sec. da Fazenda do Paraná (2003/2010), advogado especializado em Direito, Política e Administração Tributária, é Consultor Jurídico da Associação Comercial do Paraná)