Conheça neste texto a bem sucedida experiência educacional da Finlândia, que tem no ensino público um dos segredos de seu desenvolvimento. Esse estudo foi preparado pela assessoria técnica do Senado, a pedido do senador Roberto Requião, presidente da Comissão de Educação. Desde a divulgação dos primeiros resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), em 2001, a Finlândia tem-se destacado como um dos países de melhor desempenho estudantil e menor desigualdade entre as escolas. Este estudo apresenta breve panorama dos principais diferenciais do sistema educacional da Finlândia e das reformas nele empreendidas nas últimas décadas. Apresenta, também, de modo sucinto, os temas e algumas das metas presentes no atual plano de desenvolvimento da educação daquele país e levanta informações preliminares, de caráter político, demográfico e socioeconômico, com vistas a contextualizar o modelo e os resultados da Finlândia no campo da educação. Embora o sucesso dos alunos finlandeses na educação básica esteja associado a diversos fatores políticos, sociais, econômicos e culturais, além das políticas educacionais propriamente ditas, o estudo ressalta a excepcional qualidade dos docentes, associada à valorização social do magistério, como elementos-chave para os bons resultados de aprendizagem naquele país.Finlândia: características políticas e socioeconômicas A República da Finlândia situa-se no extremo norte da Europa. O país já fez parte da Suécia e do Império Russo, tendo-se tornado independente em 1917. O Presidente da República é o Chefe de Estado, com mandato de seis anos e possibilidade de reeleição por dois mandatos consecutivos. O país é uma democracia parlamentar, em que o Chefe de Governo é o Primeiro-Ministro. O Parlamento é unicameral, com 200 representantes, eleitos em um sistema proporcional para um mandato de quatro anos. Uma nova constituição foi promulgada em 2000. A atual Presidenta da República, Tarja Halonen, foi reeleita em janeiro de 2006, para seu segundo mandato. Ela foi a primeira mulher eleita para o cargo no país. Desde meados de 2010, a Finlândia também tem uma Primeira-Ministra, Mari Kiviniemi, a segunda mulher a ocupar essa posição naquele país. O governo central é sediado na capital, Helsinque, e os governos locais baseados em 342 municípios, divididos em doze províncias. A Finlândia tem cerca de 5,3 milhões de habitantes, em um território de 338.145 km2. Cerca de 95% da população tem como língua materna o finlandês. A média de filhos por família é de 1,8, e a população de crianças e adolescentes na faixa de 0 a 14 anos totaliza apenas 17% da população, percentual equivalente ao de idosos acima de 65 anos. A economia finlandesa é altamente desenvolvida, com predominância do setor de serviços (66%). A renda per capita anual é de cerca de 34.000 euros. O índice de desenvolvimento humano é de 0,871, o que situa a Finlândia na 16a colocação no ranking do Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Além disso, o país é bastante igualitário: o coeficiente de Gini é de 0,26, em uma escala em que 0 equivale à igualdade perfeita e 1, à desigualdade total. 3. Evolução das reformas educacionais na Finlândia Desde a divulgação dos primeiros resultados do Pisa, em 2001, a Finlândia tem-se destacado como um dos países de melhor desempenho estudantil e menor desigualdade entre as escolas. De modo geral, as escolas finlandesas obtêm bons resultados nas avaliações do Pisa, independentemente da classe social ou da origem de seus alunos. Segundo informações divulgadas pela Organização para a Cooperação e o Desempenho Econômico (OCDE), responsável pela coordenação do exame, as reformas que levaram à elevada qualidade da educação na Finlândia foram implementadas ao longo de quatro décadas. Trata-se, portanto, de um processo gradual e continuado, conduzido sem alarde, e não de inovações ou mudanças radicais atribuídas a determinado líder ou partido político. O marco inicial das reformas educacionais finlandesas foi a introdução da escolarização básica de caráter público, universal e compulsório, com nove anos de duração, em 1968. Anteriormente, a maioria da população frequentava apenas seis anos de escola, equivalentes ao ensino primário. Somente aqueles que viviam nas maiores cidades tinham acesso à escolarização posterior, que se estruturava de maneira dual, dividindo-se em: escolas cívicas, com dois ou três anos de escolaridade adicional, orientadas para a qualificação profissional; e escolas ginasiais, com cinco anos de escolaridade adicional, orientadas para o ensino secundário acadêmico e, posteriormente, para os estudos universitários. A reforma de 1968 garantiu nove anos de escolaridade compulsória para todos, dos 7 aos 16 anos de idade, sem barreiras de seleção para o acesso ao ensino pós-primário. Além disso, atribuiu a responsabilidade pela educação básica às escolas municipais, às quais se integrou a maioria das escolas privadas até então existentes. Hoje, apenas 3% dos alunos finlandeses de educação básica frequentam escolas privadas, a maioria de caráter confessional, que recebem recursos públicos e se caracterizam pela gratuidade do ensino. A implementação da reforma ocorreu ao longo da década seguinte, atingindo os diferentes municípios de maneira paulatina. Peça-chave na unificação da educação básica geral na Finlândia foi a construção de um novo currículo básico nacional, entre 1965 e 1970. Outro fator crucial foi o reconhecimento de que, para lograr um sistema educacional que atendesse bem a todos os alunos – independentemente de aptidões específicas, status socioeconômico ou origem familiar –, seria fundamental contar com um corpo docente altamente qualificado. Esse reconhecimento levou à alteração dos requisitos de formação para os aspirantes à profissão do magistério. A formação inicial docente passou a ser realizada nas universidades, e não em institutos de formação de professores, com a exigência da obtenção do título de mestre para os futuros docentes de todas as etapas da educação básica e do ensino secundário. Adicionalmente, durante o período de implementação da reforma, o país desenvolveu um programa de formação em serviço especial, de caráter compulsório e intensivo para os professores em exercício em todos os municípios. Outro efeito da reforma da educação básica foi o aumento da demanda pela educação secundária. Se, em 1970, apenas 30% dos finlandeses cursavam o ensino médio, essa proporção hoje chega a 90%. Em meados dos anos 1980, essa etapa foi reformulada, substituindo-se a estrutura acadêmica tradicional por um ensino modular de caráter mais flexível, com maior possibilidade de escolhas por parte dos alunos. Mais recentemente, o ensino médio finlandês foi novamente reformado, com o fortalecimento da educação profissional integrada e a criação de uma rede de instituições superiores politécnicas, acessível a partir do ensino médio profissionalizante, que, por sua vez, também passou a dar acesso ao ensino superior universitário. 4. Alguns diferenciais do sistema educacional finlandês 4.1 As escolas oferecem mais do que o ensino As instituições de educação básica finlandesas oferecem mais do que o ensino convencional. Elas abrangem a oferta de uma refeição quente por dia, assistência médica e odontológica, além de apoio psicológico para todos os alunos e suas famílias, independentemente de comprovação de carência. Há também previsão de transporte escolar, mas a maioria das escolas localiza-se perto da residência dos alunos. Os estabelecimentos de ensino são edifícios claros e acolhedores, com área de lazer externa (utilizada diariamente, independentemente do clima). O ambiente na escola caracteriza-se pelo respeito e pela cordialidade, sendo os professores chamados pelo primeiro nome. 4.2 Apoio às crianças com necessidades especiais O país adota uma política inclusiva, em que apenas 4% dos alunos frequentam escolas especiais. As turmas costumam ser pequenas, com no máximo 20 alunos. As escolas regulares contam com professores auxiliares dedicados aos alunos com necessidades especiais e dificuldades de aprendizagem, responsáveis por apoiar os professores de cada classe na identificação precoce desse público e por trabalhar individualmente com esses alunos, a fim de garantir seu sucesso escolar. Contam, também, com a presença de equipes multiprofissionais, compostas por psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, que acompanham de perto o desenvolvimento dos alunos e reúnem-se periodicamente com os pais e professores para discutir os encaminhamentos necessários para cada caso. 4.3 Autonomia docente e discente Nas seis primeiras séries, os alunos têm um único professor. Somente na 7a, 8a e 9a séries da educação básica é que as classes dividem-se entre professores especializados em diferentes disciplinas. Em ambos os casos, os docentes contam com significativa autonomia e liberdade de atuação. O currículo nacional vem sendo cada vez menos detalhado e funciona mais como uma orientação geral que deixa a cargo dos docentes a escolha sobre o que e como será ensinado, incluindo os livros e materiais didáticos a serem empregados. As avaliações de larga escala são amostrais e destinam-se apenas a fornecer informações sobre o funcionamento do sistema, sem a produção de rankings ou a introdução de bônus remuneratórios. No tocante aos alunos, o foco é na autoavaliação e na aprendizagem colaborativa e interdisciplinar. No ensino médio, cada aluno tem a prerrogativa de traçar seu próprio plano de estudos, dentro de uma estrutura modular que ultrapassa a concepção de séries anuais. Os alunos desenvolvem seu itinerário formativo nessa etapa a partir da escolha dos cursos que desejam frequentar a cada ano. 4.4 Qualificação docente A qualidade do corpo docente finlandês tem sido apontada como o principal determinante do sucesso escolar dos alunos daquele país. A profissão docente sempre foi uma opção profissional muito respeitada na Finlândia, mas foi só após as reformas dos anos 1970 que ela passou a ser significativamente mais disputada e com exigências mais elevadas de formação. Como já mencionado, a partir de então, a formação docente passou a ser feita pelas universidades, em nível de mestrado. Os aspirantes a professores são submetidos a rigorosos exames de admissão, que incluem não apenas numerosas provas dissertativas, mas também entrevistas e atividades práticas em que se avaliam as motivações e as habilidades de comunicação interpessoal dos candidatos. Os programas de formação docente para os professores do primário (séries 1-6) duram cinco anos e situam-se na área pedagógica, mas incluem a formação em pelo menos duas disciplinas escolares, no respectivo departamento da universidade (como matemática, língua e outras). Já os professores dos últimos anos da educação básica e do secundário concentram sua formação na disciplina que vão ministrar, mas têm que realizar grande parte dos estudos na faculdade de educação. Também é possível que um mestre em determinada disciplina, após concluir o mestrado, ingresse em um programa de um ano exclusivamente voltado para a formação como professor. Vale ressaltar que a formação docente é gratuita e os estudantes recebem uma bolsa de estudos para sua manutenção no decorrer dos estudos universitários. Segundo a OCDE, a formação docente na Finlândia tem quatro características distintivas: • Base em pesquisas (incluindo a exigência de apresentação de uma dissertação de mestrado e a utilização de dinâmicas de aprendizagem colaborativa voltada para a resolução de problemas concretos); • Ênfase na abordagem pedagógica dos conteúdos disciplinares (e não em teoria ou história geral da educação); • Treinamento para o diagnóstico e o acompanhamento de alunos com dificuldades de aprendizagem; • Forte componente prático (incluindo extensos cursos sobre a prática didática e pelo menos um ano de estágio docente em uma escola associada à universidade). A elevada qualidade docente é o que está por trás da grande autonomia concedida para a atuação desses profissionais e para a confiança depositada neles pela sociedade finlandesa. 4.5 Horas-aula Curiosamente, os alunos finlandeses ficam menos tempo na escola do que os estudantes da maioria dos outros países de desempenho elevado no Pisa. Como consequência, os professores finlandeses ministram menos horas-aula do que seus pares da OCDE. Um professor das séries 7- 9, por exemplo, costuma ministrar 600 horas de aula por ano, divididas em quatro aulas de 45 minutos por dia. Entretanto, a função docente exige muito mais do que ministrar aulas, e a docência é uma profissão de tempo integral na Finlândia. O desenvolvimento do currículo escolar e a condução de avaliações diagnósticas e formativas são tarefas cotidianas dos professores finlandeses, bem como outras atividades coletivas desenvolvidas pelo corpo técnico de cada estabelecimento de ensino. 5. Plano de Desenvolvimento da Educação e da Pesquisa na Finlândia para o período 2007-2012 O atual Plano de Desenvolvimento da Educação e da Pesquisa finlandês foi editado em dezembro de 2007 e vigorará até o final de 2012. O documento se estrutura da seguinte forma: • Mudanças no ambiente operacional: o Globalização; o Mudanças demográficas; o Mudanças no mundo do trabalho; o Mudanças no ambiente das crianças e adolescentes. Prioridades de desenvolvimento: o Oportunidades iguais de educação e formação; o Qualidade da educação; o Garantia de uma força de trabalho qualificada; o Desenvolvimento da educação superior; o Os docentes como um recurso; Desenvolvimento da educação e da pesquisa: o Nível de educação e conhecimento; o Acesso a uma mão de obra qualificada; o Eficiência, taxas de permanência e educação múltipla; o Desenvolvimento estrutural por nível de ensino; o Gestão e financiamento; o Pesquisa, desenvolvimento e inovação; o Internacionalização; o Imigração e multiculturalismo; o Conexões entre a educação, o trabalho e a promoção de uma educação empreendedora; o Certificados e avaliações; o Qualidade e avaliação; o Desenvolvimento da educação superior, tecnológica e da pesquisa em tecnologia; o Desenvolvimento docente; o Coesão social e cidadania ativa; o Assistência financeira aos estudantes; o Professores; o Evidências empíricas para a tomada de decisões; o Anexos: metas para a escolaridade da população em 2015 e 2020 e metas de novos alunos por área de formação em 2012. Como se pode depreender dessa estrutura, trata-se de uma abordagem que inclui não só metas específicas do setor educacional, mas também diagnósticos abrangentes da situação social e da realidade econômica do país, bem como visões estratégicas sobre a qualificação da população finlandesa em face das exigências do mundo do trabalho e da competitividade internacional. Apresentamos, a seguir, algumas metas quantitativas de destaque no plano finlandês: • Elevar o percentual da população de 25 a 34 anos com formação em nível secundário para 92,5% em 2015 e 95% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 64 anos com formação em nível secundário para 85% em 2015 e 90% em 2020; • Elevar o percentual da população de 20 a 24 anos que toma parte nos exames de admissão para a educação superior ou tecnológica para 52% em 2015 e 53% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 34 anos que toma parte nos exames de admissão à educação superior ou tecnológica para 49% em 2015 e 52% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 64 anos que toma parte nos exames de admissão à educação superior ou tecnológica para 41% em 2015 e 45% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 34 anos com formação em nível superior para 38,5% em 2015 e 42% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 64 anos com formação em nível superior para 25% em 2015 e 30% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 34 anos com formação em nível superior ou profissional para 83,5% em 2015 e 88% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 64 anos com formação em nível superior ou profissional para 77% em 2015 e 81% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 34 anos com formação em nível de pós-graduação para 0,8% em 2015 e 1% em 2020; • Elevar o percentual da população de 35 a 39 anos com formação em nível de pós-graduação para 1,4% em 2015 e 1,7% em 2020; • Elevar o percentual da população de 25 a 64 anos com formação em nível de pós-graduação para 1,2% em 2015 e 1,5% em 2020; • Elevar o percentual de investimento público e privado em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para 4% do produto interno bruto (PIB) durante a duração do plano; • Elevar para 20% o percentual de doutores entre os pesquisadores em atividade no país. Além dessas, ao longo do plano, são apresentadas inúmeras metas de caráter qualitativo e de gestão, relacionadas a cada capítulo e seção do documento. Transparece, em todas elas, a noção de que a educação tem papel de destaque na Finlândia e de que o país pretende assegurar uma posição vantajosa para seus cidadãos na sociedade global do conhecimento. 6. Considerações finais Como em todos os sistemas educacionais de alto desempenho, o sucesso da Finlândia está associado a diversos fatores políticos, sociais, econômicos e culturais, além da estrutura da educação escolar propriamente dita. Nesse sentido, as diferenças entre o Brasil e a Finlândia nunca podem ser perdidas de vista em qualquer tentativa de comparação. De todo modo, o fator que sobressai nas análises do sucesso educacional daquele país é a qualidade excepcional do seu corpo docente. A Finlândia logrou transformar a carreira do magistério em uma das mais concorridas e desejadas pelos jovens. Somam-se a isso os rigorosos processos seletivos que fazem com que só os jovens mais talentosos sejam recrutados para a atividade docente. A remuneração dos profissionais docentes é importante, mas é preciso dizer que os professores finlandeses não são os profissionais mais bem-remunerados naquele país. Mesmo em perspectiva comparada, estudos apontam que a média salarial dos docentes na Finlândia situa-se um pouco abaixo da média da OCDE, em termos de percentual do PIB per capita, e significativamente abaixo de países como a Coréia, Cingapura ou Alemanha. As estratégias de recrutamento, a formação inicial e o prestígio social parecem ser os elementos-chave da valorização docente na Finlândia. E o fator humano, consubstanciado na qualidade dos professores, parece ser o principal fator associado aos bons resultados de aprendizagem dos alunos finlandeses. Referências AUGUSTE, Byron; KIHN, Paul; MILLER, Matt. Closing the talent gap: attracting and retaining top-third graduates to careers in teaching. An international and market research-based perspective. McKinsey & Company, 2010. ORGANIZATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. Finland: slow and steady reform for consistently high results. In: Strong performers and successful reformers in education: lessons from PISA for the United States. OCDE, 2010. MINISTRY OF EDUCATION. Education and research: 2007-2012 Development Plan. Disponível em http://www.minedu.fi/export/sites/default/OPM/Julkaisut/2008/liitteet/opm 11.pdf EMBAIXADA DA FINLÂNDIA. Info Finlândia. Disponível em http://www.finlandia.org.br/public/default.aspx? nodeid=36443&contentlan=17&culture=pt-BR Consultoria Legislativa, 15 de julho de 2011.