Qual o projeto de país definido pelo arcabouço? *Gilberto Maringoni* outraspalavras.net/mercadovsd… Leia com atenção!

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Discurso do Requião dizendo que é tarde mas dá tempo de enfrentar a crise e livrar o pais do neoliberalismo

As semanas que passaram foram pródigas, no plenário, nas comissões da Casa, neste Senado e na Câmara dos Deputados, e também, na mídia de repente despertada pra o problema, enfim os dias passados foram pródigos em discursos, estudos e advertências sobre a desindustrialização do Brasil. Confesso que me cutucou um dedo de satisfação ao ouvir pronunciamentos e ler sobre o assunto.. Afinal, o tema tem sido uma de minhas obsessões desde o primeiro discurso que fiz nesta casa, em fevereiro do ano passado. Na verdade, de mais tempo ainda. De muito mais longe vem o meu desassossego com a queda da produção industrial brasileira. Por exemplo, no dia 28 de outubro de 1998, ocupei esta mesma tribuna para avaliar o profundo impacto, o choque demolidor das reformas neoliberais, das chamadas desregulamentações econômicas, adotadas pelo PSDB, então no governo, sobre o parque industrial brasileiro. Se lesse aqui, nesta sessão, o discurso de 13 anos atrás, sem dizer que o fizera há 13 anos atrás, ninguém atentaria para a sua ancianidade, de tão atual. Que dizia naquele discurso ? Dizia que em meados da década de 80, o produto industrial brasileiro representava 44 por cento do PIB; e que, em 1999, caíra para 23 por cento. Dizia que o número de trabalhadores na indústria era, no final dos anos 90, trinta e quatro por cento menor que o contingente dos anos 80. E que na primeira metade dos anos 90, mais de 18 por cento dos trabalhadores industriais haviam perdido seus empregos. Por que? Dizia, em 1999, como se estivesse dizendo hoje: “A abertura afoita, realizada sob o argumento de que o excesso de proteção levava à ineficiência e de que era preciso modernizar o nosso parque industrial, tornando-o mais competitivo internacionalmente, provocou e continua provocando uma grande e generalizada quebradeira. Escancaradas as portas, fomos invadidos por toda sorte de bugigangas e pelos cartéis multinacionais que aqui se instalam, interessados apenas em conquistar o mercado nacional. A abertura, como instrumento de uma modernização que nos tornaria, em breve tempo, em uma potência econômica exportadora e geradora de superávites comerciais, revela-se um engodo. Estão aí as estatísticas mostrando que a maior parte dos investimentos estrangeiros se dirigiu ao setor de serviços ou a setores voltados ao mercado interno. (Quando não à especulação). Desindustrialização, desnacionalizações, falências, desemprego. À burguesia industrial brasileira restaram dois caminhos: a fusão ou a falência. A KPMG, uma das grandes empresas de consultoria internacional, aponta: mais de 75% dos capitais envolvidos em fusões e aquisições no Brasil, nos primeiros anos do Governo FHC, têm origem estrangeira. Anote-se que esse índice não passava de 14%, em 1992, quando se inicia o processo de abertura. O que aconteceu com o setor de autopeças é exemplar. A diminuição radical das tarifas, que chegaram ao absurdo dos 2%, fez com que um movimento combinado de absorções e falências eliminasse o empresariado nacional do setor. E eles não sobreviveram porque eram “atrasados”, incompetentes e incapazes de competir. Seria ofensivo ou fruto de profunda tolice assim classificar, por exemplo, a Metal Leve, a Cofap e a Freios Varga. Avançadíssimas e em pleno caminho da internacionalização, foram abatidas pela queda radical das tarifas, pelos juros altos e pela falta de incentivos governamentais”.  É o que eu dizia, naquele fim de outubro de 1999. E acrescentava que, só com a quebra do setor de auto-peças, foram de roldão cerca de 250 mil empregos industriais e 3.200 fábricas. E não eram quaisquer empregos. E sim empregos altamente especializados, o creme de la creme do setor metalúrgico nacional. Além disso, viu-se que uma das primeiras providências das empresas norte-americanas que abocanharam o nosso setor de auto-peças foi transferir para os Estados Unidos os fantásticos loboratórios de pesquisas dessas fábricas. Dizia também, naquele outubro, que a desindustrilização e a ociosidade do parque fabril brasileiro representavam de 250 bilhões de dólares parados, imobilizados. Duzentos e cinquenta bilhões de dólares em máquinas, em tecnologia, em pesquisas, em instalações, segundo cálculo de entidades representativas do setor. Reafirmava, por fim, que aquela crise não era obra do acaso, fortuita. Era resultado de uma política que pretendia fazer da dependência a alavanca de nosso desenvolvimento. A Teoria da Dependência combinada com a absoluta submissão ao Consenso de Washington, cegamente obediente aos mantras do neoliberalismo, hipnoticamente repetidos: privatização, diminuição do tamanho do Estado, desregulamentação, abertura econômica irrestrita, estabilização a qualquer preço. Controle dos salários e das aposentadorias, corte nos gastos públicos, quer dizer, na saúde, na educação, na segurança e na infraestrutura. Teoria da Dependência e Consenso de Washington, uma mistura deletéria, corruptora. Eram os princípios-guia que distinguiam e orientavam o governo de então. Treze anos depois daquele discurso, desta mesma tribuna olho o país e vejo, com tristeza e desalento, que os princípios-guia permanecem os mesmos. Evidentemente, avançamos. Alegro-me com os avanços. Vibrei com cada iniciativa do presidente Lula de estender a mão solidária, fraterna do Estado aos mais pobres, de retirá-los da longa, tortuosa, sufocante noite do desamparo, do desespero ou da secular abulia. Vi o rosto do povo revelar-se nas ruas centrais das cidades, nas lojas, nos shoppings, nos aeroportos, nas praias, no trânsito. O povo brasileiro tornou-se visível, para horror de uma elitezinha cada vez mais saudosa da senzala. Para escândalo de alguns jornalistas bem postados na grande mídia e alguns economistas, consultores e analistas que, como os personagens caricatos de Nelson Rodrigues, passaram a gritar: “Quanto custa isso? Quanto custa isso?”. O mantra da vez da oposição passou a ser “gastança”. Misturaram o tal escândalo das despesas pagas com cartões corporativos (diga-se, uma merreca) com os gastos com o Bolsa Família, com a saúde, com a educação, com moradias, com reajustes ao funcionalismo, e, ainda que modestos, aos aposentados, com infraestrutura, com os assentamentos rurais, com a pequena agricultura, e botaram tudo no mesmo saco da tal “gastança”. Claramente, um pio sequer, uma vírgula que fosse aos custos para o país, à produção e ao trabalho das políticas neoliberais; nada sobre a conta 250 bilhões de dólares da desindustrialização; nada sobre a especulação financeira, o rentistmo, o lucro dos bancos; nada sobre a primarização da economia, com o recuo do país ao estágio colonial de exportador de commodities. Nem um pio, nenhuma uma vírgula, tanto da oposição como da base do governo, porque se piassem e se metessem a botar vírgulas, estariam contrapondo-se aos princípios-guia da macroeconomia, os ditos e decantados fundamentos macroeconômicos. Quanto a isso, unanimidade. Quanto a isso, uma sólida frente unida que eu nunca vi rompida neste plenário. Vejo sim, com freqüência, os até comoventes esforços de alguns senadores e senadoras da base que tentam anular as críticas aos fundamentos neoliberais que embalam a política econômica do país desde os anos 90, com o desfilar apoteótico de números sobre o crescimento da classe média. Se, da parte da oposição, o mantra é a gastança, da parte da situação o mantra é a “nova classe média”. Cada um se engana com o prato de lentilhas que lhe convém. A verdade dos fatos é que o aferro, a obstinação, o afincamento, hoje, aos fundamentos neoliberais, aos princípios-guia do capitalismo financeiro, representa a renúncia, a abdicação de se construir o Brasil-Nação. Os teóricos da dependência fizeram escola, conquistaram discípulos, abduziram antigos e fervorosos militantes da soberania nacional, da Revolução Brasileira. Uma das conseqüências da crise financeira global que explodiu em 2008 foi a redescoberta de Marx, e de Keynes cujas recomendações protecionistas parecem ter clara inspiração no velho Karl. E hoje nada mais causa urticária, desarranjos mentais, colapsos nervosos e chiliques da monta que falar em protecionismo, em tarifas privilegiadas. Volto aqui às mesmas citações de Marx que fiz no discurso de outubro de 1999. Na primeira metade do século 19, observava ele: “O sistema protecionista é somente um meio para criar em um país a grande indústria. Por isso, vemos que naqueles países em que a burguesia começa a se impor como classe (…..) grandes esforços para implantar tarifas protetoras”. Em uma passagem, de O Capital, Marx reafirma: ” O sistema protecionistas foi um meio artificial de fabricar fabricantes (…) capitalizar os meios de produção (…) e abreviar o trânsito do antigo ao moderno regime de produção”. Já Engels, referindo-se ao processo de desenvolvimento norte-americano e a adoção de tarifas protecionistas para enfrentar a competição das indústrias inglesas, comenta: “Os norte-americanos preferem viajar com bilhetes expressos, para chegar muito antes ao seu destino”. E chegaram. E mesmo na fase superior do capitalismo, com a formação das grandes estruturas monopolistas internacionais, como os trustes, os cartéis e os conglomerados financeiros, nas primeiras décadas do século 20, Lenin retoma as teses Marx e Engels, entendendo que, se a dependência externa, na fase pré-industrial, estimulava a formação do mercado interno, passava, em seguida, a bloquear o desenvolvimento industrial. Diante disso, Lenin defende os “movimentos nacionais de libertação”, propondo a aliança trabalhadores-burguesia para romper as amarras da dominação e da dependência, a fim de que os países submetidos abrissem seus próprios espaços em direção ao desenvolvimento. Lamentei em discurso aqui, outro dia, a prevalência do pragmatismo, do fisiologismo, do ecoomicismo, do determinismo e do capitulacionismo sobre a ideologia e a política, sobre as idéias e o debate de idéias. E mais uma vez deploro o silêncio da esquerda, sua fuga à confrontação de teses e, princicipalmenter, a sua recusa em debater e formular um programa para o país que ultrapasse horizontes etão limitados quanto o aumento do número de consumidores nas classes “C” e “D”. Disse lá atrás, relembrando o discurso de 1999, que os defensores da dependência, os condottieri da abertura afirmavam que a abertura era um instrumento de modernização que, em breve tempo tornaria o Brasil uma potêncuia exportadora. E mais: diziam que a “globalização”, isso é a absorção, a encampação, a incorporação da indústria de ponta brasileira, como a de auto-peças, aumentaria as exportações nacionais. Mentira, mentira, mentira. Em meu discurso de 1999, apontava a falácia, a falseta do dependentismo, demonstrando que com todas as reformas e desregulamentações, com todas as privatizações e a desenacionalização da economia, nossas exportações continuavam patinando e não representavam à época mais que nove por cento do PIB, enquanto a média mundial era de 20 por cento. E hoje, como estamos? Conquanto a mesma política que nos prometia um lugar entre os maiores exportadores do planeta continue a vigir, hoje as nossas exportações representam não mais que onze por cento do PIB. Assim foi o ano passado, asssim vai ser este ano, o ano que vem, o outro, o outro, e ainda mais um outro ano. Naquele discurso, como já deixei anotado em parágrafos anteriores, mostrara também o catastrófico recuo da participação do setor i ndustrial na formação do PIB. Em meados da década de 80, essa participção era de 44 por cento e caiu para 23 por cento nos últimso anos da década de 90. No entanto, senhoras e senhores senadores, o que já era uma desgraça ficou pior ainda: no ano passado, a participação da indústria no PIB foi de 14,6 por cento, o pior índice desde os anos 50, antes do programa de industrialização de Juscelino Kubistchek. Aprendi, ainda crinaça, no estudo da lógica, que uma premissa errada leva necessariamente a uma conclusão errada. A premissa errada são os princípios-guia do neoliberalismo que o governo se recusa a abandonar. E como esses fundamentos levam a economia brasileira ao desequilíbrio, a frequentes crises, lá vem os remendões com suas agulhas e linhas aplicando mais um retalho nessa colcha já tão costurada. Até onde a nossa economia suportará os remendos? Até quando será possível sobreviver com paliativos? Quando os retalhos sobrepostos são se esgarçarem? Aprecio os discursos na nossa presidente Dilma e de seu fiel escudeiro Guido Mantega. Especialmente quando a presidente sobre a sangria a que alguns países da Europa estão sendo submetidos. Aprecio. E nós? Os juros altos e o câmbio depreciado, por exemplo, são assim mantidos para alimentar quem, o quê, por que? Como diria o amigo Adriano Benayon, a tirania do capital leva-nos a uma sangria financeira interminável. E essa sangria não se estanca com aspirinas. Mas a base do governo nesta casa não quer ver e prefere viaar o rosto para outro lado e cantar a expansão da classe média, mesmo quer essa classe média que já representa 46 por cento do consumo nacional compromete, em média 40 por cento do que ganha, um endividamento suicida. Senhoras e senhores senadores. Até quando vamos continuar fugindo do que importa? Até quando vamos recusar debater? Até quando? Reconheço que avançamos em algumas frentes. E é por isso mesmo que insurjo, que critico. Porque esses avanços, a cada dia que passa, vêm-se ameaçados porque em vez de intervenções substantivas na economia, em vez reformas estruturais, em vez de virarmos mesa do cassino neoliberal, acrescentamos remendos sobre remendos.