Como presidente da Representação Brasileira no Parlasul, estive nessas últimas semanas no México, no Perú e em Cádiz, Espanha, lá para uma reunião da Eurolat, a assembleía parlamentar latino-americano com o Parlamento Europeu. Esses encontros reafirmaram-me duas convicções: Primeira certeza: isoladamente, solitariamente não vamos a lugar algum. Paulo, o apóstolo, a quem talvez o cristianismo deva sua invenção, dizia que fora da Igreja não haveria salvação. Da mesma forma, é possível estabelecer que fora da unidade –e da simbiose- latino-americana não há salvação. Não há redenção do subdesenvolvimento, da dependência, do atraso, fora da unidade latino-americana. A premissa é tão antiga que repeti-la talvez soe óbvio, pedante, tedioso. A indispensabilidade da União Latino Americana é uma dessas verdades que de tanto serem reafirmadas parecem embotar os nossos sentidos. O nosso cérebro e a nossa alma –toda hora alvejados por uma mídia servil aos interesses imperiais e sempre pronta a revalidar a nossa inferioridade- tornam-se insensíveis e se moldam ao entreguismo. Todo sentimento de latinoamericanidade é tratado com deboche, como manifestação atrasada, jurássica. Moderno, avançado, proclamam os nossos liberais e seus meios de comunicação, moderno e avançado é resignar-se ao papel de produtores de commodities e consumidores de produtos importados. Moderno é ser dependente. Modernos são os acordos bilaterais. Moderno é o presidente da Vale, Murilo Ferreira, que, ontem, em palestra para acionistas, em Nova Iorque, concentrou toda a apresentação nas relações da empresa com a China, deixando claro que a Vale vai condensar os investimentos na extração e exportação de minério de ferro para aquele país. Como se vê, nesta moderna economia brasileira, os fabricantes de parafuso não estão com nada; os catadores de minérios e grãos é que reinam no pedaço. No dia seis, quinta-feira, é a vez dos acionistas europeus ouvirem, em Londres, os grandes planos da Vale para continuar extraindo e exportando minérios, já que o pau-brasil está praticamente extinto. E a nossa gloriosa mídia, e os nossos inefáveis analistas econômicos noticiam e comentam coisas como essa sem qualquer observação crítica, como se vender minério de ferro fosse um atividade diversa de vender sucata, latinhas de alumínio ou papel usado. A sofisticação da palavra hoje usada -commodities—não muda a substância da operação. Produto primário é produto primário. E não me venham dizer que a Vale é uma empresa privada e que ela venda o que quiser vender. Não é bem assim. E já que Murilo Ferreira vai estar dia seis em Londres, sugiro que ele estenda a visita até Lisboa e que seja comissionado representante de produtores brasileiros de soja, carne, milho, açúcar e minérios em geral, e de nosso governo, para comemorar, no dia 27, o tricentésimo nono aniversário da assinatura do Tratado de Methuen, o Tratado dos Panos e Vinhos, assinado entre Portugal, de que então fazíamos parte, e a Inglaterra. Talvez o Tratado de Methuen desponte na memória apenas como um daqueles pontos cacetes da prova de História do Brasil, em nossa meninice ou, agora, nos vestibulares. O Tratado, em três sucintos artigos, amarra a dependência de Portugal, em consequência de sua colônia brasileira, aos produtos industrializados ingleses. De sua parte, a Inglaterra compromete-se, “para sempre daqui em diante”, a absorver os vinhos portugueses. Com um mercado cativo, os portugueses lançaram-se à produção de vinho com o mesmo empenho com que hoje produzimos soja, carne, milho, açúcar e minério de ferro. Como a demanda portuguesa (e das colônias) por tecidos e outros produtos industrializados ingleses era bem maior que a demanda de seu vinho, há um forte déficit na relação, que é coberto pelo ouro brasileiro. Importador de produtos industrializados e fornecedor de commodities, Portugal ( e suas colônias) fincam raízes profundas no atraso. O Tratado de Methuen é o pai e o modelo dos tratados bilaterais assinados entre países centrais e os do sul do mundo. Daí a minha primeira convicção: apenas a União Latino-Americana romperá os tantos tratados de Methuen, escritos ou não escritos. Vou aqui repetir pela ducentésima vez uma informação da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas, a Abimaq: na década de 80, a produção industrial brasileira era superior à produção industrial da China, da Coréia do Sul, da Tailândia e da Malásia, somadas. Hoje, não produzimos quinze por cento do que esses países produzem. É o fantasma de John Methuen assombrando os nossos sonhos de independência e de desenvolvimento. A segunda conviccção é esta: se fôssemos recriar hoje o grito da Independência, o brado forte deveria ser Ruptura ou Morte. Se, como dizia o apóstolo, a velha crença estiolara-se, caducara e fora devorada por suas próprias contradições, as nossas insituições, igualmente, não têm mais nada a oferecer para a plena libertação latino-americana. Mas quem não se impacienta com o arrastar, com as delongas desse tempo latino-americano? Esse encantamento de Macondo, essa malemolência mucunaímica? As classes dominantes, especialmente aqueles setores vinculados aos interesses imperiais, não hesitam em romper, em quebrar a tal normalidade democrática, em pulverizar leis e instituições, em depor e assassinar presidentes, em fechar o Congresso, dissolver partidos, cassar mandatos, impor a censura. Quando os seus interesses são ameaçados, a ruptura para eles é uma necessidade vital. E nós, bem nós, mesmo quando nos agitamos e sacudimos a pasmaceira, o fazemos dentro da moldura institucional, respeitando os contratos, atentos aos limites do quadrado. A quadratura do quadrado tem sido o nosso espaço de movimentação. Quer dizer: pensamos, raciocinamos, projetamos e agimos dentro das instituições. Mas o que são as instituições que governam cada um de nossos países? Cui prodest? Cui Bono? A quem interessam? A quem beneficiam? Certamente não à maioria de nossos povos. Logo não são democráticas. Certamente não servem, ao progresso da civilização, à libertação do homem da exploração e da miséria. Logo não são humanitárias. Sim, eu sei. Há quem me aparteie gritando que avançamos. E lá vem aquela estatística toda sobre os milhões resgatados da fronteira da miséria, e aquela platitude sobre “ nova classe média”. Avançamos, mas sejamos realistas e sinceros: esses avanços não resistirão ao aguçamento da crise, como o modelo do Estado do Bem,-Estar Social não resistiu à globalização e à financeirização da economia mundial. Sim, também reconheço que avançamos. Mas desde quando iluminar, com uma luz ainda débil, os cantos escuros dessa miséria tão antiga significa o descortino, a aurora de um novo tempo? Acredito que a nossa ambição seja maior. Porque a melhoria da vida dos mais pobres não é uma revolução, não é uma transformação. Mesmo porque, do outro lado da praça, reinam impávidos os tais pressupostos, os tais fundamentos da política econômica, os mesmos rigorosamente os mesmos, ditados, escritos e chancelados pelo grande capital, pelo capital financeiro inteernacional, pelos rentistas a que são sacrificados hoje os povos da terra. Pergunta-se, então: se as concepções e os interesses que guiam a política econômica permanecem os mesmos, irrepreensivelmente os mesmos, o que mudou? Pergunta-se: alguns afagos nos pobres, depois de cinco séculos de apartheid social, e depois de século meio de abolição da escravatura, são mudanças? Se, para os dominantes a ruptura é um a necessidade vital, toda vez que seus interesses correm riscos, para nós, o povo, a ruptura também é uma questão de vida ou morte. Ruptura. Esta é a palavra, esta é a idéia que gostaria de introduzir em nossas discussões. Da mesma forma que sem unidade não há salvação para a América Latina, sem ruptura não há saída, não há caminho em direção ao desenvolvimento e ao bem-estar de nossos povos. Na verdade, o que eu queria dizer mesmo é que sem revolução não há salvação. Não estou concitando ninguém ao levante, a pegar em armas. A direita, os conservadores, pródigos em mistificações, buscam sempre associar a proposta de revolução à luta armada, à violência, estigmatizando a idéia de transformação, de mudança estrutural da sociedade. Experiências aqui mesmo na América Latina, experiências na Europa exemplificam que é possível atingir um grau avançado de ruptura, lançando bases para a construção de uma nova sociedade. Utopia? Sonhar é melhor que o inútil, estéril e esgotante trabalho de deitar remendos em um tecido que já se deteriora e apenas não se desfaz em mil pedaços porque não agimos; ou porque o sustentamos com a nossa omissão. Ousemos um passo à frente. Sim, vamos debater a integração latino-americana. Sim, vamos debater a crise. Mas não deixemos de abrir espaços para discutir a revolução, a radicalização de nossas propostas, um avanço além da quadratura da moldura. É legítimo! A revolução é legítima! Até quando vamos ler, pensar e decidir segundo os interesses dos dominantes, segundo os interesses da grande mídia, acuados por ela, chantageados por ela, aterrorizados por ela? Se eles consideram legítimo, de direito fazer desabar sobre os trabalhadores e a classe média o preço da crise, mais legítimo ainda é a reação a essas imposições. Ruptura, revolução, subversão das instituições, instituições que apenas servem para apertar ainda mais os grilhões da dominação. O resto, bem o resto é diversão.