por Celso Vicenzi,
Florianopolis, 11 de abril 16
Há uma histeria nacional em torno do tema da corrupção. Em todas as esquinas, nas ruas, nas praças, nos bares, nos clubes, nas residências, onde quer que se junte um grupo de amigos para conversar, na maioria dos casos, a corrupção será apontada como o maior problema do Brasil. Mas no automatismo em que vive a sociedade midiática, ninguém parou um segundo para perguntar: mas quem elegeu a corrupção como o “grande problema” e por quê?
Na linguagem popular, diz-se que “o inferno está cheio de bem intencionados”. Poderíamos dizer, ao contrário, que o céu prometido pelos que apontam a corrupção como a maior desgraça está cheio de mal intencionados. Seguindo na seara dos ditados populares, há outro que se presta para o que se pretende demonstrar: “Quem vê árvore pode não ver a floresta”. O que se esconde é muito maior do que se vê.
Que peso pode ter para solucionar os problemas do Brasil, que tem um PIB de R$ 5,52 trilhões, um desvio de somente (comparado) de R$ 67 bilhões? Sim, este é o valor estimado do custo anual médio da corrupção no país em 2013. E a fonte não é de esquerda. Quem afirma é o diretor-titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, José Ricardo Roriz. Ou seja, gente que é do ramo e que não teria por que subestimar o tamanho desse “veneno”.
Em contrapartida, o não menos idôneo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), calcula que o Brasil deixa de arrecadar aos cofres da União, por ano, cerca de R$ 500 bilhões – dinheiro que daria para fazer 18 Copas do Mundo de Futebol. Conclusão: A sonegação de impostos é sete vezes mais prejudicial ao país – e a seu povo! – do que a corrupção. E, no entanto, raras são as reportagens da mídia sobre esse enorme problema.
Em linhas gerais, pode-se facilmente deduzir que “problema” é aquilo que a mídia aponta como “problema”. E que milhões de brasileiros e brasileiras sem acesso a outras fontes de informação – ou porque desconhecem ou não se interessam – repete sem um mínimo de reflexão.
A sonegação, que é um infortúnio muito maior do que a corrupção, no entanto, é ainda muito menos grave do que o verdadeiro problema da sociedade brasileira: a enorme concentração de renda. Apesar de todas as dificuldades, o Brasil está entre as 10 maiores economias do planeta e, entretanto, também figura entre os 10 países com as maiores desigualdades sociais.
Que peso tem a corrupção nessa cruel estatística? Quase nenhum. Salvo se identificarmos, também na corrupção, o seu uso político para manter no poder a casta mais rica da sociedade. Donde também se pode concluir que a corrupção interessa e é patrocinada, principalmente, pelos setores mais ricos para impor uma cultura de dominação educacional, midiática, legislativa, judiciária e de assalto ao poder executivo, para fazer prevalecer os interesses de uma minoria em detrimento da maior parcela da população.
Dados do Atlas da Exclusão Social no Brasil, com base em declarações de Imposto de Renda Pessoa Física, assinalam que os 50% mais pobres detinham, em 2012, ínfimos 2% da renda nacional. Entre a outra metade dos brasileiros, apenas 13% ficavam com 87,4% da renda e os outros 36,9% com 10,6% do total. E isso é o que as pessoas declaram. Há que se levar em conta que o Brasil é o quarto país com o maior volume de dinheiro escondido em paraísos fiscais.
Quando se concentra ainda mais o foco, o que se vê é uma injustiça ainda maior: 5 mil famílias se apropriam no Brasil de 40% do fluxo de renda e detêm 42% do patrimônio brasileiro. É essa minúscula parcela da população quem comanda, por todos os meios, infiltrada nos Três Poderes e em toda a máquina burocrática do Executivo, do Legislativo e do Judiciário – seja no âmbito municipal, estadual ou federal – a agenda da economia, da política, da polícia, da justiça e da mídia.
Para que os brasileiros e brasileiras não pensem naquilo que é realmente um grande entrave ao desenvolvimento e à distribuição de renda, apela-se para uma agenda midiática que oscila entre o entretenimento entorpecedor e o noticiário manipulador dos fatos, sempre a esconder o que precisaria ser revelado. As exceções só confirmam a regra.
É por isso que temos hoje um país quase paralisado, à beira de um golpe de Estado, planejado e executado pelos donos do capital internacional, em parceria com o patronato brasileiro e apoiados na mídia, no Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal, para citar os principais atores.
Graças à Globo – principal ponta de lança da mídia –, às principais emissoras de tevê e rádio, jornalões e grandes revistas semanais, tem sido possível praticar um estelionato jornalístico que se concentra, quase exclusivamente, a atacar Dilma, Lula e o PT. Para essa mídia e seus apoiadores, pouco importa que investigados em tudo que foi possível, não tenham encontrado nada relevante contra Lula e Dilma que pudesse dar início a um processo criminal.
Enquanto isso, dos 65 deputados que compõem a comissão do impeachment, 40 tiveram seus nomes ligados à Lava-Jato. Que importa se entre os que irão votar o impeachment, 57 parlamentares sejam réus no STF, não é mesmo? Que importância a mídia dá a isso? Desses 57 parlamentares, de 16 partidos, apenas um é do PT, enquanto 12 réus são do PMDB (a via alternativa do golpe!), 7 do PDT, 6 do PSD e por aí segue.
O golpe que se quer perpetrar na democracia brasileira foi minuciosamente articulado, desde o surgimento do Mensalão e que, por não alcançar os resultados esperados, repete-se agora com a Operação Lava-Jato. A mídia consolidou majoritariamente na opinião pública, a ideia de que “nunca se roubou tanto no país” e nenhum partido “é tão corrupto quanto o PT”, embora uma rápida olhada nos fatos e números desminta a tese.
No entanto, como atualmente a mídia possui raras vozes dissonantes, há um massacre diário nos telejornais e até mesmo em programas de entretenimento, para caracterizar o momento atual como “insuportável”. Ou como publicam, repetindo o mesmo bordão do golpe de 64: “Basta!”
Mas ao examinar o que foi o Mensalão, percebe-se o quanto se enganou a população brasileira. Na hipótese mais otimista, causou um prejuízo aos cofres públicos de R$ 101 milhões. E o Mensalão, que ficou conhecido como “do PT”, teve 25 condenados, mas somente quatro pertenciam ao Partido dos Trabalhadores. Os corruptos do PP, PTB, PL e PMDB – entre outros condenados – não foram fustigados incessantemente pela mídia.
Isso sem entrar no mérito de como foi o julgamento, com o então ministro Barbosa, hoje envolvido em escândalo do Panamá Paper’s, dando show midiático diário e se projetando muito mais como um acusador do que um juiz de quem se espera um mínimo de serenidade e isenção para o julgamento. Acossados pela mídia e pela opinião pública, os ministros do STF tiveram que recorrer a casuísmos, como a teoria do domínio do fato, o que permitiu à ministra Rosa Weber a frase que se tornaria célebre: “Não tenho prova cabal contra (José) Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”.
E como se explica o “ex-maior escândalo”, porque agora já dizem “antes da Lava-Jato” , quando apenas num único caso de corrupção regional, o do Tremsalão tucano, em São Paulo, estima-se que os desvios possam chegar a R$ 2 bilhões? Que mídia é essa que não sabe fazer contas? E o que dizer do escândalo do Banestado, em fins do governo FHC, que alcançou R$ 520 bilhões e todos foram inocentados? Sim, houve 97 condenações, mas a maioria obteve sentenças de prestação de serviços à comunidade e os líderes do esquema foram beneficiados pela prescrição dos crimes. E quem era o juiz naquele caso? Sim, ele, o super herói do combate à corrupção, Sergio Moro! Quantos brasileiros foram informados disso?
No escândalo de Furnas, que seis delatores já apontaram Aécio Neves (PSDB) como um dos beneficiários (e com um terço da grana!), há 176 nomes envolvidos – nenhum do PT. E no escândalo da Zelotes, que envolve grandes empresas como HSBC, Gerdau, Bradesco, RBS etc o valor da corrupção pode alcançar R$ 19 bilhões. E ainda tem o escândalo mais recente, do Panamá Paper’s, este de proporções internacionais, mas que já se conhecem 57 brasileiros envolvidos, nenhum deles do PT. Mas tem do PMDB, PSDB, PDT, PP, PSB, PSD e PTB. E, claro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em mais uma falcatrua, para vergonha do Judiciário brasileiro, que o mantém solto e influindo perigosamente nos destinos do país.
Como podem escândalos muito maiores serem “escondidos” pela mídia enquanto fazem uma perseguição obstinada contra Lula, Dilma e o PT? A resposta é simples: o objetivo não é e nunca foi o combate à corrupção, que serviu apenas de fachada para o que sempre se buscou, desde o início – um golpe de estado, a prisão de Lula e a destruição do PT.
Na geopolítica internacional, interessa muito aos Estados Unidos quebrar o apoio do governo brasileiro aos BRICs, que confrontam a hegemonia norte-americana, ao mesmo tempo em que um governo mais afinado com o sucessor de Obama abriria as portas às empresas norte-americanas. Só o pré-sal, estima-se, vale R$ 14 trilhões, o que garantiria 280 anos do orçamento para a saúde ou 825 anos do orçamento para a educação. É o futuro do Brasil negociado pela elite brasileira que aposta tudo em um golpe, por mais insensato e sem motivos, ao contrário do que quer fazer crer o bombardeio da mídia. A trama também interessa aos principais donos do capital nacional, que querem aumentar suas margens de lucro comprando empresas estatais a preço de banana, espoliando a Constituição e retirando direitos sociais e trabalhistas, além de pôr as mãos novamente no comando do Executivo Federal.
Essa elite econômica conta com o apoio ideológico e em muitos casos alienado de grande parte da classe média, que embora minoritária em relação ao conjunto da população, têm comparecido em massa às manifestações da direita, com discursos racistas, preconceituosos e discriminatórios. Porque aspira ascender socialmente e não suporta ver diminuir a distância que a separa dos mais pobres. O ódio é tão presente nessas manifestações que raros são os que apontam uma alternativa. A maioria se conforme em “mudar isso que está aí”, custe o que custar, seja lá pelo que for. Afinal, quem aceita Cunha e Bolsonaro – para citar apenas dois – aprova qualquer coisa mesmo.
Mas tudo se revela a mais pura insensatez, visto que 61% dos brasileiros, segundo o Datafolha, apoiam o impeachment de Dilma, e 58% também apoiam o impeachment de Temer. Ou seja, a derrubada de Dilma não tem nenhuma lógica. E não resolve nenhum problema. Muito menos o da corrupção, pretexto do golpe e que é uma cortina de fumaça para pôr novamente no poder, sem voto, os responsáveis por essa histórica e vergonhosa concentração da renda – esta, sim, uma prioridade a ser combatida.
Fonte: http://celsovicenzi.com.br/2016/04/a-corrupcao-nao-e-o-maior-problema-do-brasil