Caríssimo Presidente Lula,
Ficamos chocados com a sua afirmação de que estaria a favor de transformar empresas estatais, como a Caixa Econômica Federal, hoje totalmente controlada pelo Estado, em empresa de economia mista sob controle parcial privado. Também nos surpreendeu sua concordância com o Governo atual na estratégia de privatização da Eletrobrás, a qual, junto com a Petrobrás, é o eixo da independência energética brasileira.
Supomos que esteja sendo mal aconselhado na área econômica. Não há nenhum sentido em privatizar a Caixa, mesmo que parcialmente. É uma empresa que rende dividendos expressivos para a área assistencial do Governo, há mais de um século, e desempenha papel estratégico no desenvolvimento social do país. Privatizá-la significa efetivamente doar uma parte dela a particulares sem qualquer justificativa econômica ou moral.
No caso da Eletrobrás, estamos diante de um dos maiores riscos estratégicos para a economia brasileira, na medida em que um sistema energético integrado e bem articulado ficará sob a ameaça de injustificável desintegração. Além disso, é uma empresa monopolista em várias funções, não fazendo qualquer sentido que seja entregue ao setor privado com seu apetite por lucro e com o descaso na operação, conforme se viu recentemente em Rondônia.
Mais assustador ainda do que o que assinalam essas indicações privatistas – neste caso, tendo em vista o que propõe o próprio programa do PT recém-lançado – é o que ali se expressa como um compromisso com o equilíbrio macroeconômico. Isso é puro conservadorismo. É um compromisso, sim, com a recessão, pois uma economia que não tem desequilíbrios macroeconômicos, sobretudo a partir de recessão, jamais retomará o crescimento econômico.
Observe os Estados Unidos, o Japão, a União Europeia, a Inglaterra – ninguém faz mais equilíbrio orçamentário no mundo, pois sabe que se trata de um suicídio econômico e social. Equilíbrio macroeconômico é manter a demanda no nível da oferta, o que, num quadro de recessão, impede o investimento público deficitário, chave do keynesianismo. Os governos neoliberais inventaram, além disso, o absurdo do teto orçamentário, tão contraditório que o próprio Governo quer agora se livrar dele, sob protesto de economistas ortodoxos e conservadores. (Entretanto, enquanto subsistir o governo Bolsonaro, não somos contra o teto de gastos, pois sem teto ele teria carta branca para gastar.) Para o combate à covid, sim, é importante furar o teto de gastos; outros gastos deveriam ser vistos caso a caso.
Essas observações acentuam nosso alinhamento com a essência de seu projeto político. Contudo, não podemos estar de acordo com as questões políticas levantadas acima. Fazemos isso por lealdade ao próprio país. Pretendemos nos juntar a milhões de brasileiros que veem no senhor um projeto de mudança para o país. Estamos certos que a orientação macroeconômica do futuro governo que vier a chefiar repita a espetacular performance de 2010, quando saímos de uma depressão para um crescimento de 7,4%, graças, sobretudo, a investimento deficitário.
Grande abraço, Roberto Requião, advogado e político; José Carlos de Assis, economista.
Curitiba/Rio, 3 de abril de 2021