A complexidade da sociedade humana não permite grandes generalizações. Este erro redutor é uma das características de mentes escravizadas, seja pela pedagogia colonial seja pela sujeição acrítica a qualquer ideologia.
Reconhecendo esta diversidade, a evolução civilizatória nos coloca hoje, no início do século XXI, ao lado dos inegáveis avanços tecnológicos e materiais, as abissais distancias nas apropriações dos frutos do progresso.
Temos produção de alimento que daria para saciar plenamente toda população do planeta. De acordo com a previsão da OECD-FAO (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) para 2017, serão colhidas somente de cereais, 2,61 bilhões de toneladas. E há muito mais em produção de proteínas e carboidratos que se transforma em escárnio, verdadeiro menosprezo pelo humano, a notícia da fome, da morte pela desnutrição, advinda da incúria do poder.
O corajoso e íntegro Senador Requião vem, por pronunciamentos e pelas redes sociais, denunciando e desvendando a desconstrução do Brasil pelos golpistas de 2016. Como é correto, sua crítica, como Senador, se restringe às ocorrências em nosso País.
Mas aproveitarei o mote para algumas reflexões, com os caros leitores, sobre o processo civilizatório neste século.
Em recente homilia, o padre redentorista na Basílica de Aparecida, afirmou que a “abundância de peixes”, na oração jubilar pelos 300 anos da retirada das redes de pescadores da imagem negra de Nossa Senhora da Aparecida, era uma alegoria à fraternidade, à ampla família dos seres humanos que “anima e protege”.
Quão longe o viver desta homilia está a sociedade brasileira e todas as que, formadas pelo empoderamento do capital financeiro (a banca), têm degradadas suas condições civilizatórias desde 1990. E provocando êxodos, migrações, guerras, fome e morte pelo mundo. E não me venham, por favor, apontar uma ideologia ou um partido como o fator, ao qual se reduziria este verdadeiro projeto de extermínio, de aniquilamento das fronteiras nacionais e desta sociedade.
Creio que há uma aceitação bastante ampla do sociólogo Norbert Elias ser dos maiores estudiosos do processo civilizatório. Como aponta Leopoldo Waizbort, na Apresentação do “Dossiê Norbert Elias” (Edusp, SP, 2001, 2ª Edição), o fato de ser judeu, alemão e viver praticamente todo século XX, com as conquistas e os retrocessos civilizatórios ocorridos, possibilitou-lhe a formulação de um leque de temas e teorias sobre as transformações da sociedade humana.
O projeto da banca é um projeto de dominação global. Ele se diferencia dos imperialismos anteriores, mesmo colonizadores, pois não se importa com as administrações locais, aliás pretende que nem existam, que o mundo se transforme em enorme terra de ninguém, como nos primórdios da existência humana.
E por que? Porque na utopia da banca, a sociedade humana, como um todo, só existirá com um nirvana dos ricos e poderosos consumidores e os bantustões, de sulafricanos e namíbios, onde viverão os pobres da terra, os despossuídos produtores.
A consciência crítica deste projeto da banca levou o Senador Requião a comparar, em seu discurso na Assembleia Parlamentar Euro-latinoamericana, em San Salvador, em setembro/2017, nosso futuro com os clássicos romances, “aterradores e angustiantes”, “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, “1984”, de George Orwell, e “Nós”, de Eugene Zamiátin, aos quais acrescentaria o apavorante “A Nova Utopia”, de Jerome K. Jerôme.
Examinemos pois, sob os conceitos e argumentos de Norbert Elias, em especial, mas sem esquecer as contribuições de Max Weber e as esplêndidas análises de Jessé Souza, o nosso presente civilizatório e a questão dos nacionalismos, tão combatidos pela ideologia da banca.
Em minha opinião estamos passando por um retrocesso civilizatório.
Nem é um fato novo na história. Norberto Elias (Conocimento y Poder, La Piqueta, Madri, 1994) descrevendo a questão de gênero, na Roma antiga, menciona a posição subalterna da mulher (uma espécie de propriedade masculina) antes da expansão imperial. No auge da riqueza, para proteção das filhas da oligarquia aristocrática e administração das propriedades, as mulheres passaram a ter bens. Esta situação modificou sua condição social e mesmo “uma nova sensibilidade amorosa”, exemplificada pela relação do poeta Catulo com a aristocrática Clódia. No entanto, com a desagregação de Roma e a ascensão do cristianismo, vindo com os judeus que mantinham a mulher em condições submissas, volta a situação assimétrica dos gêneros, que perdurará por muitos séculos.
O mais recente passo atrás nacional é a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo sendo o Brasil um estado laico, de autorizar o ensino religioso nas escolas públicas. Não se trata de reconhecer um país que coloca a cruz de Cristo em tribunais e assembleias legislativas. Fosse apenas isso não mereceria decisão de alta corte, nem neste momento que lhe cabem julgamentos indispensáveis para tranquilidade ou intranquilidade jurídica brasileira. Para não chegar à modernidade e provocar desconfortos ideológicos fico em Immanuel Kant (1724-1804) e suas razões.
Na “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” vemos passar a ideia teísta da vontade de Deus, dos teólogos medievais, onde ética e moralidade eram indispensáveis para salvação do homem, depois a versão contratualista de Hobbes (1588-1679), que trata do contrato no qual a sociedade elege o Estado para as normas de sua convivência, e as paixões de David Hume (1711-1776) às quais a razão se subordina. Kant afirma que agimos de forma moral porque nós mesmos, agentes racionais, os estabelecemos livremente. O STF procura retroceder o entendimento comportamental aos tempos anteriores ao século XV, favorecendo assim uma disciplina e acomodamento, fora dos homens e da razão, que mais facilmente reagirá contra as mudanças necessárias à evolução civilizatória no Brasil.
Discorramos sobre a questão do nacionalismo dentro da ótica civilizatória e do interesse do capital financeiro internacional, a banca.
O suplemento de fim de semana do jornal Valor (29/09/2017), pertencente ao sistema de comunicação de massa de O Globo, em artigo de Helena Celestino, transcreve frase de Philippe Desforges, do Instituto de Relações Internacionais da França: “o nacionalismo está de volta e isto é terrível”.
Ao longo da matéria “Merkel e Macron, um casamento por interesse”, o nacionalismo é associado à extrema direita, ao populismo, ao racismo, ao retrocesso, ao terrorismo, à xenofobia e ao comunismo (sic). Nada sei sobre a jornalista que assina a matéria, mas o jornal é reconhecido defensor dos interesses da banca.
O nacionalismo vem incomodando o internacionalismo da banca, mas, incrivelmente, sofre ataques à esquerda e à direita. À direita pela associação do caráter nacional ao estatismo, à esquerda pela pressão das formações sociais, associadas à violência.
Nenhuma destas críticas se sustenta na perspectiva histórica ou sociológica. Coloque-se, por exemplo, a palavra “cultura” e, certamente, caro leitor, encontrará oposições igualmente sem consistência e reflexos políticos e administrativos. Norbert Elias toma cultura no plural, aproximando-se da ótica antropológica, de evidente caráter nacional, sinônimo de “ser”.
Conceitos como sociedade e identidade são definidos a partir da “existência de fronteiras territoriais”, pois contém ideais de homogeneidade e de equilíbrio de um mundo “que se representa pacificado, integrado e dividido em fronteiras bem delimitadas”.
Por que então o medo do nacionalismo?
Porque na gênese dos Estados Nacionais, o mundo social se “politiza”, as relações dentro das nações – intra-estatais – encontram seus termos de pacificação e o mesmo ocorre com a “diplomatização” nas relações interestatais.
A banca, como vimos, quer um mundo apenas dividido entre pobres produtores e ricos consumidores, tendo como óbvia distinção a apropriação monetária. Na citada obra de Jerome K. Jerôme (1891), todos falavam inglês e, se escrita hoje, poderiam estar utilizando “bitcoins”.
O golpe de 2016 trouxe a regressão civilizatória que faz surgir a violência, pois a ausência da política nacional, pacificadora, impede a acomodação dos interesses. É uma violência maior do que a urbana, tão midiatizada, em favor de uma violência institucional ainda maior. Pois a retirada de direitos humanos, a transferência de recursos das áreas sociais para a área financeira, o pagamento de juros sobrepondo ao pagamento de salários, sem qualquer dúvida são atos de violência ainda mais amplos e maiores do que qualquer marginal possa cometer.
Voltemos a Elias, pois como vimos no referido artigo do Valor, esta questão do empoderamento da banca não é uma jabuticaba; é um confronto civilizatório.
A concepção da política como a “boa sociedade”, homogênea e consensual, não significa a ausência de conflitos como vemos ocorrer na Escócia e na Catalunha, para ficarmos em ocidentais e recentes exemplos.
Mas a fragmentação dos Estados Nacionais é uma das faces desta camaleônica banca. E a constatamos na atual Ucrânia que, sendo uma criação da banca, tem neonazistas em seu “governo nacional”. Assim não nos surpreende que o movimento de independência catalã seja financiado, como se noticia, por George Soros. Norbert Elias refere-se à “violentização” da vida social como sendo um dos “processos de descivilização” (v.g. Jonathan Fletcher, Violence and Civilization. An Introduction to the Work of Norbert Elias, Cambridge, 1997).
Sem a ingenuidade de crer nem em “pensamento único” nem em milagres dos “estatisticamente majoritários”, vejo com preocupação, principalmente para nossos pósteros, a permanência colonial, acirrada pelo retrocesso civilizatório, pela ação desta banca internacional, concentradora, excludente.
Por isso destaco as manifestações nacionalistas do Senador Roberto Requião. Creio que todos brasileiros, deixando de lado ressentimentos passados e fundamentalismos presentes devem se unir na defesa da Nação, do Estado Nacional Brasileiro, como forma de preservarmos a existência, nossa e de nossos filhos. Nacionalismo é base para a cidadania.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado