Há nesta Casa senadoras e senadores que são radicalmente contra qualquer tipo de regulação da mídia. A justificativa é sempre a mesma: a defesa da liberdade de imprensa.
Mas, respondam-me.
A propriedade cruzada de meios de comunicação, isto é, o fato de o mesmo grupo empresarial controlar jornais, revistas, rádios, televisões, internet não favorece a monopolização da informação e o consequente manejo de opinião?
Não terá sido por isso que países com instituições sólidas e uma longuíssima estabilidade democrática, como Estados Unidos e Inglaterra, proíbem a propriedade cruzada de meios de comunicação?
A inexistência de qualquer mecanismo que permita ao cidadão o direito de resposta, no caso de notícia mentirosa, injuriosa, ofensiva não significa uma grave ofensa à liberdade de informação e às liberdades individuais?
A unificação e centralização das programações, especialmente nas televisões e no rádio, impostas pelas emissoras que detém o monopólio dessas mídias, cerceando as manifestações culturais regionais, nesse Brasil tão imenso e diverso, não são, igualmente, formas de censura e discriminação e até mesmo preconceito?
A ideologização e partidarização das informações, e a autocensura, que tornam as notícias tendenciosas, cegas, enviesadas não são um gravíssimo atentado à liberdade de informação e ao direito do cidadão de conhecer a verdade dos fatos?
Os dois pesos e as duas medidas usados pelos veículos de comunicação das cinco famílias que monopolizam o setor, na campanha eleitoral deste ano, quer na campanha presidencial quer nas campanhas regionais, não são a prova mais barulhenta do propósito de manipular a opinião pública?
Os gráficos produzidos por observatórios de mídia independentes, durante as eleições presidenciais, avaliando os conteúdos veiculados pelas organizações Globo, Abril, Folha, Estadão, principalmente, não deixam a mais fugaz, fugidia dúvida da parcialidade da cobertura desses veículos.
Ninguém, nenhum jornalista, nenhum parlamentar, nenhum juiz, nenhum promotor, nenhum acadêmico, qualquer cidadão minimamente isento e honesto, confrontado com ao gráficos, deixará de atestar essa parcialidade.
Nada contra. Afinal o parti pris desses veículos é bem conhecido, o que os pressiona a assumir posições indisfarçadas.
O que não é honesto, o que soa cínico, zombeteiro, debochado e hipócrita são as profissões de fé de praticantes de um jornalismo isento, equilibrado e aquele truísmo todo.
Melhor fosse que assumissem limpidamente apoio às candidaturas conservadoras, pelas quais torcem e distorcem. Seria mais digno, mais decente, do que ficarem brandindo indevidamente a bandeira da liberdade de imprensa, cada vez que se aponte a sua nudez, as suas vergonhas expostas.
O caso da capa de “Veja”, a dois dias do segundo turno, é exemplar. E houve até estranhamento entre veículos da dita grande imprensa, com um acusando o outro de frouxo, pusilânime por não repercutir a intrujice.
Mas todos, de uma forma ou outra ecoaram a mentira.
Vejam só o que disse o procurador geral Janot sobre o episódio à Folha de S. Paulo: “Estava visível que queriam interferir no processo eleitoral. O advogado do Alberto Youssef operava para o PSDB do Paraná, foi indicado pelo [governador] Beto Richa para a coisa de saneamento [Conselho de administração da Sanepar], tinha vinculação com partido. O advogado começou a vazar coisa seletivamente. Eu alertei que isso deveria parar, porque a cláusula contratual diz que nem o Youssef nem o advogado podem falar. Se isso seguisse, eu não teria compromisso de homologar a delação”.
A Folha, que gostaria que a Globo fosse a fundo na divulgação da mentira de “Veja”, nem ficou corada ao reproduzir, semanas depois, as declarações do procurador. Já outros veículos, da sagrada e seleta família, não se deram à ocupação de repercutir a gravíssima acusação de Janot.
A prisão de empreiteiros, acusados de vínculos com os desvios na Petrobrás, deu azo a outras manifestações de parcialidade, de partidarismo de nossa mídia. Mesmo que o ex-ministro tenha negado fortemente, a grande família mediática vinculou um dos diretores da Petrobrás preso a José Dirceu.
E classificou o indigitado de “engenheiro mediano”, para desqualificar ainda mais o suposto padrinho.
Ao noticiar o montante da contribuição das empreiteiras às campanhas eleitorais, porque a bufunfa, o capilé envolvia outros partidos, além dos dois enlameados de sempre, o PT e o PMDB, a mídia não citou qualquer partido. Foi isenta.
É assim, selecionando os fatos e a verdade dos fatos que organizações Globo, Abril, Folha e Estadão, com seus fortes parceiros regionais no Sul, em Minas, no Norte e no Nordeste moldam a opinião pública.
Os clássicos mapas, partindo o país em vermelho e azul, como se o Norte, o Nordeste, Minas e Rio houvessem votado em peso em Dilma e o restante do país houvesse votado cem por cento em Aécio estimularam o ódio, o preconceito, o separatismo, o racismo e uivos fascistas. E vociferações de um lacerdismo serôdio, adjetivo tão fora de moda que uso em homenagem aos eternos vigilantes, sempre à espreita de um golpe que os redima do fracasso das urnas.
A desclassificação especialmente dos nordestinos, diminuindo-lhes o peso do voto, um ensaio patético de reinstituição do voto censitário, tem o mesmo sentido da campanha conservadora que pretendia anular a vitória de Juscelino Kubitschek, em 1955. Campanha, vê-se, a que aderiu a nossa mídia isenta, democrática e patriótica, sempre a serviço do Brasil.
Naquela eleição, Juscelino teve três milhões e setenta e sete mil votos; Juarez Távora, dois milhões e seiscentos mil votos. A diferença entre os dois foi de quatrocentos e sessenta mil votos.
Foi essa diferença que animou Carlos Lacerda e a UDN a lançar a cruzada pela anulação da vitória de JK. Os udenistas argumentavam que os quase 500 mil votos que derrotaram Juarez Távora foram dados pelos comunistas, e como o Partido Comunista Brasileiro fora colocado na ilegalidade, os votos dos comunistas deveriam ser também cassados.
Mas como eles chegaram a esse cálculo se o voto era secreto? Com o distinguir os votos dos comunistas de outros votantes?
Elementar, diziam os udenistas. Nas eleições presidenciais de 1945, dez anos antes, quando o PCB era legal, o candidato dos comunistas, o gaúcho Yedo Fiuza, tivera 569 mil votos.
Ora, dez anos depois, era de se crer que todos os quase 500 mil votos que deram a vitória a Juscelino eram votos comunistas, já que Prestes orientara o voto em JK. Tão simples assim, diziam os golpistas democráticos.
Da mesma forma, hoje, 59 anos depois, com os seus mapas dicotômicos e desonestos, de um primarismo monstruoso, a mídia e os conservadores colocam em xeque, questionam a legitimidade da reeleição da presidente Dilma, por causa dos votos dos nordestinos, dos mais pobres, dos menos instruídos.
Já que o Brasil desenvolvido e mais instruído teria votado majoritariamente em Aécio, como disseram por aí e por aqui também, a reeleição não valeu. Aliás, nem isso é verdadeiro, uma vez que Dilma teve mais votos no Sul e no Sudeste que no Norte e no Nordeste. Logo, a mapa dicotômico da mídia é uma fraude.
Temos, assim, agora , a reprodução farsesca da tentativa de golpe udeno-lacerdista de seis décadas passadas.
De um lado, a mídia ecoa fortemente toda manifestação de inconformidade com a reeleição da presidente. Basta que duas pessoas se reúnam para exibir cartazes pedindo o impedimento da presidente, para que essa massiva demonstração ganhe as cabeças dos noticiários.
Ao mesmo tempo, exige que a presidente escolha “nomes do mercado” para a Fazenda e o Banco Central.
Perderam a eleição, a mídia e a oposição perderam a eleição, mas cobram que a vencedora adote programa do derrotado. E nem ficam constrangidos com tamanha desfaçatez. Afinal, julgam-se domos do país, reservas morais da nacionalidade.
A regulação da mídia é imprescindível para a preservação, a consolidação e o avanço da democracia. Porque a grande mídia empresarial é intrinsecamente golpista, geneticamente antidemocrática, arraigadamente elitista.
A regulação da mídia é condição inescusável para se garantir a soberania nacional.
Porque os grupos que monopolizam a mídia são entreguistas e, historicamente, se opõem aos interesses nacionais, servindo de cabeça de ponte para o avanço imperial sobre a nossa economia, sobre os nossos recursos naturais, sobre as nossas riquezas, sobre o mercado interno, sobre as nossas relações externas.
Os mais velhos devem se lembrar que, segundo a mídia, o Brasil não tinha petróleo.
Agora mesmo, em voz casada os setores mais dependentes e integrados aos interesses multinacionais de nossa burguesia industrial, financeira e agrária, a mídia ergue as bandeiras anti-Mercosul, anti-Brics, pró-acordos bilaterais com os Estados Unidos e União Européia, pela ressurreição da Alca, da Teoria da Dependência, da Doutrina Truman, sabe-se lá que passo atrás mais.
A regulação da mídia é vital como a água à terra, como o oxigênio à vida. Porque a mídia monopolista é parte integrante de nossas elites econômicas, políticas, sociais, culturais.
E as nossas elites fracassaram miseravelmente na construção de um país desenvolvido, pacífico, culto, justo e solidário.
Porque a mídia monopolista é conivente, quando não cúmplice, com o preconceito, o racismo, a discriminação, a violência contra os trabalhadores, contra os negros, os pardos, os pobres, contra os índios.
Porque a mídia monopolista é indiferente, quando não conluiada com a violência que abate, anualmente, mais de cem mil brasileiros, vítimas da repressão policial, da insegurança urbana e rural, do tráfico de drogas e do crime organizado.
Dos acidentes de trabalho, dos atropelamentos no trânsito.
Porque as policias brasileiras estão entre as mais letais do mundo, e a mídia empresarial e monopolista estimula e afiança essa violência à medida que não a investiga, não a denuncia e não a combata. E, com frequência, a enalteça, contribuindo para apertar o gatilho dos executores.
A regulação da mídia é urgente e obrigatória porque a mídia monopolista e empresarial colabora e associa-se com a política de concentração de rendas que faz do Brasil um dos países mais desiguais e injustos do Planeta Terra.
Porque o imposto sobre fortunas, corriqueiro nos países mais desenvolvidos, tem da parte da mídia uma oposição fundamentalista e até mesmo rancorosa. Porque a inexistência desse imposto favorece ainda mais a concentração de rendas e o acúmulo de fortunas fantásticas, e relaciona alguns detentores de concessões públicas de televisão e rádio, como os irmãos Marinho, entre os bilionários mundiais.
A regulação da mídia é uma medida sanitária, de emergência pública.
Porque a mídia é omissa em relação à sonegação e às fraudes fiscais –quando não a pratica– e acoberta que os super-ricos brasileiros têm a quarta maior fortuna do mundo em paraísos fiscais. São mais de um trilhão de reais, cerca um terço de nosso PIB, esse mesmo PIB cuja anemia nos últimos anos a mídia, a oposição e a nossa indignada burguesia tanto tem criticado.
O país campeão em concentração de rendas, onde se alarga cada vez mais a distância entre ricos e pobres, é o país que está no G4 das maiores fortunas depositadas em paraísos fiscais.
A regulação da mídia é uma medida anticorrupção, porque as denúncias de corrupção que a mídia monopolista faz são seletivas, parciais, incompletas, dirigidas. Ou não é corrupção as manobras de que a mídia e os bancos se utilizam para sonegar impostos, fraudar o fisco, não pagar imposto sobre a renda ou pagar menos imposto de renda que os assalariados?
Tão ciosa em escarafunchar as fichas sujas de pequenos e médios delinquentes políticos, a mídia não se ocupa em escarafunchar a origem e a propriedade desse mais de um trilhão de reais refugiados em paraísos fiscais. Difícil investigar? Não. Incômodo? Certamente.
À moda norte-americana, alguns veículos passaram a divulgar o tal do “impostômetro”, uma medição presumida de quanto o Estado arrecada. Mas nenhum espaço para a medição, também suposta, da sonegação. E já que adotamos a moda ianque, deveríamos também adotar a rigorosíssima a legislação norte-americana contra a sonegação.
A regulação da mídia é um ato de defesa do trabalho, do emprego e do salário.
Porque a mídia monopolista defende, com radicalismo cada vez maior, o ponto de vista do mercado, do capital financeiro, da elite econômica que prega a adoção de medidas contracionistas que levarão ao desemprego, ao arrocho salarial, ao corte de gastos sociais, à diminuição dos investimentos em saúde, educação, segurança e infraestrutura.
A fúria com que a mídia monopolista reagiu à decisão do governo de reduzir os gastos com juros da dívida pública, redimensionando essa excrescência liberal chamada de superávit primário, é reveladora de seu compromisso com o capital financeiro, com os rentistas, e não com os brasileiros.
Senhores e senhores senadores, a mídia monopolista é a quinta coluna dos interesses antinacionais, antidemocráticos, antipopulares.
Regular a mídia é salvar o país do atraso, da pobreza, da violência, da desindustrialização, da dependência da exportação de produtos primários, do sangramento da remessa de lucros para o exterior, do esgotamento de seus recursos naturais, da destruição do Estado que zele pelo bem-estar social. Porque a mídia monopolista não está a serviço do Brasil.