Não temos boas lembranças das privatizações dos anos 90. Foi uma época de desemprego, arrocho salarial, aumento do custo de vida, crescimento da criminalidade e dos problemas urbanos. Um tempo de desesperança.
Dizia-se que as privatizações seriam a solução para todos os problemas e que os sacrifícios seriam compensados por ganhos futuros. Pura enganação. Na verdade, a era das privatizações trouxe apenas sacrifícios aos brasileiros. E nenhum ganho.
Para que as empresas a serem privatizadas fossem atrativas aos compradores, o governo do PSDB aumentou brutalmente as tarifas de telefone, luz, água e fixou preços absurdos para o pedágio, ao mesmo tempo em que vendia a Vale e a Companhia Siderúrgica Nacional a preço de banana.
Nunca é demais lembrar que na era das privatizações o Brasil quebrou três vezes; três vezes teve que sair de pires na mão, humilhando-se diante do mundo.
Em 2003, com a eleição de Lula, começou a recuperação. A recomposição do salário mínimo, os programas de inclusão e promoção social como o Bolsa Família, o aumento contínuo dos empregos com carteira assinada, a construção de casas populares, o forte apoio à agricultura familiar, a universalização e o fortalecimento da educação pública básica, a ampliação do acesso às universidades, a retomada da educação técnica criaram um novo ambiente e o país voltou a crescer.
Mas estaríamos muito melhores, não fossem as privatizações.
Primeiramente, as privatizações geraram desemprego em massa de técnicos qualificados, cuja educação custou muito aos brasileiros; provocaram a perda da soberania tecnológica; o crescimento das importações de máquinas e componentes, cuja produção interna não podia mais contar com a política de compra das estatais; remessas crescentes de lucros ao exterior; e aumento abusivo das tarifas de serviços públicos.
Posteriormente, as empresas privatizadas preferiram pagar dividendos a investir. Assim, foram responsáveis pelo apagão de 2001. O apagão teve como efeito colateral ser um dos principais cabos eleitorais de Lula em 2002.
Uma conseqüência menos conhecida das privatizações foi o baixo crescimento.
FHC privatizou o máximo que pôde com tanta pressa que parecia que sua vida dependia disso. Dizia-se que aquelas empresas não tinham valor na mão do governo.
De forma coordenada a mídia, o governo e empresários insistiam que passá-las ao setor privado, sob quaisquer condições, seria melhor do que estar com o poder público.
Assim, privatizou-se de qualquer jeito, a qualquer preço, sem a preocupação com as conseqüências. Muitas vezes, regulamentou-se o setor só depois que as empresas já haviam sido privatizadas.
No seu segundo mandato, FHC só apagou incêndios, em razão dos equívocos da privatização. Como quebrou o país três vezes, teve que se curvar ao FMI e seguir, como menino obediente, suas recomendações. Uma delas foi o regime de metas de inflação. Ora, não é possível crescer razoavelmente com o regime de metas. Se as tarifas estão subindo acima da inflação, vai ser necessário colocar o país em recessão para que a inflação do resto da economia fique abaixo da meta.
Lula mudou muita coisa, mas esse modelo de metas ele não conseguiu mudar. No entanto, temos que reconhecer seu o mérito em não continuar a política de privatizações.
Os reflexos negativos das privatizações tucanas estão aí.
Temos enfrentado graves problemas na economia em razão da elevada indexação inflacionária das tarifas de serviços públicos privatizados, do baixo investimento e da má qualidade dos serviços.
Os brasileiros sabem do que estamos falando, especialmente na telefonia. Quem usa os serviços de eletricidade, ferroviários, rodoviários e portuários dessas empresas privatizadas sabe muito bem que a “maravilha” de qualidade dos serviços privatizados, que tanto alardeiam na mídia e em certas Casas Civis, só existe nas fantasias dos especuladores.
Na maioria dos países, as empresas de serviços públicos privatizadas são conhecidas por subinvestimento, lucros exorbitantes, má qualidade do serviço, tarifas escorchantes, abuso de poder de mercado, captura do regulador e corrupção.
Falando apenas de macroeconomia: elas foram uma dos principais responsáveis pelo baixo crescimento de nosso país.
Reconhecemos os méritos de Lula e Dilma, mas desde 2003 o crescimento médio dos países subdesenvolvidos foi o dobro do nosso. Esse desempenho aquém do mediano e do potencial brasileiro se deveu em grande medida à elevadíssima fatia de infra-estrutura privatizada.
A explicação decorre da alta indexação das tarifas e da pressão para que elas crescessem acima da inflação. Isso fazia o Banco Central impor juros muito elevados para o resto da economia. Esses juros elevados deprimiam o consumo e o investimento.
Sabemos que os investimentos no governo Lula foram muito baixos. Além disso, as altas taxas de juros favoreceram uma acentuada valorização da taxa de câmbio, o que tem causado uma crescente desindustrialização e levado a economia de volta para o modelo agrário-exportador. Modelo esse que lutamos décadas para superar.
As altas tarifas, além de gerarem valorização do câmbio, geram por si só perda de competitividade, porque as tarifas da infra-estrutura brasileira estão, em média, entre as mais caras do mundo. Sofre o industrial, sofre o agricultor, sofre o trabalhador.
Além disso, as crescentes tarifas, ao contribuir para os juros altos, têm um impacto negativo na dívida pública. Para compensar esse impacto, o governo tem que manter uma ambiciosa meta de superávit primário. Muito maior do que a dos países falidos da Europa. Conseqüentemente, o governo tem que cortar o investimento público, que é o menor entre os países emergentes.
Assim, nosso baixo crescimento nos últimos 20 anos se deve, em grande, parte às privatizações.
Dessa forma, fiquei muito surpreso quando alguns “gênios” no governo Dilma, em quem votei, fiz campanha e apoio, redescobriu que a varinha mágica para todos os problemas é a privatização. Entre esses gênios, temos um que herdamos de FHC e foi responsável por um dos maiores desastres na infra-estrutura planetária: a privatização de nossas ferrovias.
Uma vez que o PT sempre criticou as privatizações, e a própria candidata Dilma rejeitou-as na campanha de 2010, era de se imaginar que haveria boa justificativa para essa mudança de opinião, para o retorno ao caminho da troika PSDB-DEM-PPS, a santíssima trindade do neoliberalismo pátrio.
Vamos então analisar esse recuo tardio, extemporâneo, despropositado às privatizações.
As justificativas são em parte antigas, em parte novas. As antigas são: (1) o Estado não tem como financiar os investimentos e (2) o Estado é sempre mais incompetente que o setor privado
Ironicamente, essas duas justificativas sempre foram corretamente criticadas pelo PT. Quando FHC as usou, ao menos era novidade. Na época, não havia provas tão contundentes dos efeitos deletérios da privatização da infra-estrutura.
Assim, ao aceitar as mesmas justicativas de FHC, sempre contestadas pelo PT, os fazedores de feitiços de setores do governo, especialmente os “sábios’ da Casa Civil, da Empresa de Planejamento e Logística e da Secretaria dos Portos, estão conscientes do retrocesso que promovem e inteirados das funestas consequências para o país e o povo brasileiro do que propõem.
Dizer que o Estado não tem como bancar os investimentos é fraudar, empulhar a verdade dos fatos.
No mundo, desde 2008, o Estado salvou todo o sistema privado de uma falência coletiva. E fez isso aumentando os investimentos públicos e sem inflação, apesar da grave crise econômica. O Estado tem uma capacidade de financiamento muito maior do que qualquer empresa privada.
O que seria o mundo sem o Estado, depois de crise global de 2008? Que o digam a GM, que o comprovem os bancos, que o confirmem as construtoras e as incorporadoras. Portanto, além de burro, o argumento da falta de dinheiro público para investimentos é desonesto.
O mais cínico nessa justificativa é que o próprio BNDES, com recursos públicos, vai financiar esses investimentos. Então como podem ter coragem de dizer que o Estado não tem dinheiro para realizar os investimentos?
O outro argumento dos privatistas é que o Estado é sempre mais incompetente que o setor privado. Sabemos que em mercados onde há bastante concorrência, as empresas privadas oferecem boa qualidade aos clientes para não serem ultrapassadas pelos concorrentes. Nesses casos, temos que defender a iniciativa privada. Mas, em monopólios e mercados sem muita concorrência, o que se vê é mais abusos do que eficiência por parte das empresas. Porque, antes da eficiência, buscam o lucro.
Que qualidade se vê nas empresas de serviços públicos privatizadas? Todo brasileiro sabe o martírio que é ter um celular ou banda larga no Brasil. Quando funcionam, sempre dão problemas. Resolvê-los pelo call center é um sofrimento que pode durar horas ou dias, caso se tenha tempo e paciência para acessar o serviço. Parece que certas empresas criam dificuldades para que o cidadão desista de reivindicar.
E não adianta esperar que os órgãos responsáveis coloquem ordem nessa anarquia. Não adianta recorrer ao Ministério respectivo ou às agencias reguladoras. Ah, as agências…que piada!
Já os novos argumentos de alguns gestores a favor da privatização baseiam-se em uma suposta “sabotagem” contra os investimentos públicos.
Eufemisticamente, não usam essa palavra, mas podemos interpretar que é isso que querem dizer. Não sei se essa é uma boa justificativa para as privatizações, mas ao menos é um argumento novo. Vamos analisá-lo.
Essa tal “sabotagem” seria praticado principalmente pelos órgãos ambientais, lentos demais para tomar decisões e liberar as obras. Dizem que o TCU e o Ministério Público criam muitos entraves. Pode ser que a legislação ambiental tenha mesmo problemas, pois boa parte vem da era FHC, que não morria de amores pelo investimento público.
Contudo, se é verdade, caberia ao governo propor projetos de lei que disciplinassem e tornassem mais ágil a gestão desses órgãos. Se o governo não sugere mudanças, como responsabilizar esses órgãos pelo atraso das obras?
Se há “sabotagem”, boa parte tem origem no próprio executivo. Quantos financiamentos o BNDES concedeu na primeira década do século XXI à Infraero, Eletrobrás e aos portos públicos? Até a construção das represas do Rio Madeira, foi muito pouco.
Mesmo hoje, os financiamentos do BNDES às estatais (excluindo a Petrobrás) continuam muito abaixo do que recebem seus concorrentes privados. Concorrentes privados, sublinhe-se, geralmente com receitas, capacidade de crédito, patrimônios e garantias inferiores aos dessas estatais.
O poder executivo, desde os anos 90, não deu força para o BNDES financiar essas estatais, ao menos até a crise de 2008.
Ora, sem investimentos, essas empresas não podem atender a demanda. E com isso cria-se uma boa justificativa para privatizá-las. O chamado “cáos aéreo” foi causado por falta de financiamento à Infraero. Mas, esses novos concessionários dos aeroportos estão tomando financiamentos bilionários no BNDES. Isso explica muita coisa.
Outra possível “auto-sabotagem” foi a política de extinção dos quadros de engenharia em decorrência das privatizações e dos programas de demissão voluntária nas estatais, que acabou atingindo os quadros mais experientes e, portanto, de maior capacidade técnica.
É possível dizer que uma parte dos atrasos, superfaturamento e aditivos de preços nas obras públicas decorre da má qualidade dos projetos de engenharia.
No passado, o Brasil tinha excelentes equipes de engenharia nas estatais, que estudavam e especificavam bem as obras. Essas equipes tinham como fiscalizar a obra, do planejamento até a entrega. E assim, as empreiteiras tinham maior dificuldade em pedir aditivos, atrasar e aumentar os custos das obras.
Essas ótimas equipes de engenharia estavam nas estatais, como na Rede Ferroviária Nacional, Telebrás, Embratel, Portobrás e, até mais recentemente na Eletrobrás. Dos anos 90 para cá, essas equipes foram dispensadas, aposentaram-se ou foram “privatizadas” . E o Estado, os cofres públicos, o povo brasileiro pagam o amargo preço da morosidade, dos preços altos, dos aditivos, da corrupção. As portas para os Cachoeiras estão escancarados.
Assim podemos dizer que a Casa Civil propõe a privatização como remédio para o próprio mal que ela criou. A Casa Civil quer apagar incêndio com gasolina.
Sou testemunha e defensor das boas idéias, da coragem e do grande esforço pelo bem do Brasil que muitos ministérios estão empreendendo no governo Dilma. Cito em especial os Ministérios da Educação, da Saúde, da Cultura do Desenvolvimento Social, da Fazenda, da Indústria e Comércio, da Ciência e Tecnologia, da Agricultura.
Mas não posso abrir mão do meu papel de parlamentar aliado e fazer uma crítica construtiva. As políticas nas áreas de comunicação, telecomunicação, e infra-estrutura de transporte são um claro retrocesso, que nos faz lembrar aqueles períodos de trevas que vivemos até a eleição de Lula.
Presidente Dilma, abra os olhos. Essa política de entregar tudo tem um preço alto. Não podemos contar nem com a gratidão daqueles que se beneficiarem das privatizações. Lembremos-nos do nosso povo e de nossos mestres, cujos livros você e eu lemos no passado.
Não existe caminho mágico para os problemas da gestão do Estado e do Desenvolvimento, especialmente se esse caminho for a privatização, a entrega e a concessão aos mais poderosos.
À frase popularizada por Milton Friedman, “não há almoço grátis”, tão do gosto dos liberais, podemos acrescentar outra: não privatização gratuita, quem paga a conta é o povo, é o país, é o nosso desenvolvimento econômico.