Qual o projeto de país definido pelo arcabouço? *Gilberto Maringoni* outraspalavras.net/mercadovsd… Leia com atenção!

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Discurso do Senador Requoão sobre relações Brasil-Portugal

Falar das relações Brasil-Portugal, sem que se refira a um acontecimento de 309 anos atrás, que teve influência decisiva na vida de nossos povos, seria uma transgressão à História. Ainda mais nas circunstâncias em que se enredam os nossos países.
Neste próximo dia 27 de dezembro, registra-se o tricentésimo nono aniversário da assinatura do Tratado de Methuen, o Tratado dos Panos e Vinhos, que os reinos de Portugal e da Inglaterra assinaram, em Lisboa, em 1703.
Com apenas três artigos, trata-se, segundo historiadores portugueses, entre eles Joaquim Veríssimo Serrão, autor de uma vasta obra sobre a história lusa, trata-se do texto mais sucinto dos anais da diplomacia européia.
Lacônico, avaro nos artigos e nas letras, mas de efeitos devastadores sobre a economia portuguesa e sobre o futuro de sua então colônia, o Brasil. Consequências que amargamos, de um e de outro lado do Atlântico até hoje, especialmente hoje.
Que diz o acordo que acabou levando o nome do negociador inglês, o embaixador John Methuen?
De sua parte, o rei de Portugal promete “admitir para sempre, daqui em diante” , na metrópole e colônias, com exclusividade, os tecidos ingleses.
Já a sua “Sagrada e Real Majestade Britânica (…) será obrigada para sempre, daqui em diante, de admitir na Grã Bretanha os vinhos de produto de Portugal (…)”.
No entanto, como os produtos industrializados ingleses, não apenas os panos do tratado, tinham demanda e preços superiores aos dos vinhos, em breve tempo Portugal passou a acumular enorme déficit nessa relação.
Foi nesse toco que amarramos o cavalo do atraso.
Com mercado cativo e consumo certo para os vinhos, a produção portuguesa da bebida expandiu-se enormemente, atravancando ou mesmo impedindo o desenvolvimento de outras atividades econômicas. O que fazia aumentar ainda mais o desequilíbrio da balança.
Aí que entra em cena o ouro brasileiro. O déficit português é coberto pelo metal extraído na colônia, que vai, sem escalas, irrigar o tesouro inglês e prover de recursos o desenvolvimento britânico e a consequente revolução industrial.
Diz Veríssimo Serrão, dizem estudiosos portugueses e brasileiros, que toda reação ao Tratado de Methuen era contida pela aristocracia lusa. Até mesmo o poderosíssimo Marques de Pombal, na segunda metade do século 18, não conseguiu ir muito longe na tentativa de quebrar essa resistência.
E o século inaugurado pelo tratado, encerra-se com o esgotamento das minas brasileiras. E temos, então, de um lado, Portugal quebrado, industrialmente pouco desenvolvido, produção agrícola limitada; doutra face, o Brasil empobrecido, com todas as atividades industriais proibidas para proteger o produto inglês e, tirante a monocultura açucareira, uma pobre e insignificante agricultura de subsistência.
Se o Tratado de Methuen não durou para sempre como prometiam a rainha Ana da Inglaterra e D. Pedro II de Portugal, ele vigorou o tempo suficiente para comprometer o nosso futuro.
Estão aí, até hoje, fincadas profundamente, as raízes de nossa desventura.
Em contraposição, quando a Inglaterra tenta impor aos Estados Unidos essa mesma relação de dependência, de subordinação, vemos o primeiro secretário do Tesouro norte-americano, Alexander Hamilton, propor e fazer aprovar no Congresso o “Tratado das Manufaturas”, pedra fundamental do desenvolvimento daquele país.
A Companhia das Índias, que tinha entre os seus funcionários Adam Smith, certamente o mais importante teórico do liberalismo econômico, também queria transformar os Estados Unidos em simples produtor de matérias-primas e consumidor de produtos industrializados ingleses. Como fora feito com Portugal e suas colônias.
Ah, sim. Para arrematar esse século perdido, o século 18, inauguramos o século 19 com a abertura dos portos…. para os produtos industrializados da Inglaterra, é claro.
O Tratado de Methuen, por suas implicações perniciosas, deletérias é o avô de todos os tratados bilaterais que amarram, travam e manietam o desenvolvimento dos países não industrializados ou pouco industrializados.
Quem ganha em um tratado que opõe países produtores de matérias-primas, de commodities, e as avançadíssimas economias industriais e seus pantagruélicos conglomerados financeiros?
Pois é, enquanto ao Estados Unidos têm o Tratado das Manufaturas e inicia um formidável processo de industrialização, nós temos o Tratado de Methuen a nos prender ao subdesenvolvimento.
Mas, irmãos umbilicais nessa crônica de desacertos, irmãos umbilicais nos esforços, hoje, para desatar os nós que nos impedem de dar o salto do desenvolvimento, que essa irmandade pode fazer para conquistar um futuro melhor?
A primeira tarefa é nossa, dos brasileiros. Isoladamente, solitariamente, o Brasil seria de pouca valia para os portugueses. O Brasil agiganta-se com o gigantismo latino-americano.
Nesses dois últimos anos, como presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, depois de tantas reuniões, debates, conferências e seminários, aqui no continente e na Europa, firmou-se me uma convicção: fora da unidade e da simbiose latino-americana não há salvação para o Brasil, para a Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela e outros países do continente.
Fora da unidade latino-americana não haverá redenção da dependência, do atraso, do subdesenvolvimento.
Não vamos nos libertar de mazelas tão seculares, fora da unidade latino-americana. Ou temos força, energia, coragem de nos unirmos em um forte e coeso bloco ou jogaremos eternamente um papel subalterno nas relações internacionais.
Não há saída para os nossos países, não há saída para os sonhos de nossos povos de uma vida segura, próspera e feliz, sem a união latino-americana.
E o fulcro da unidade latino-americana é o Mercosul. Com a entrada da Venezuela, o Mercosul passa a somar um PIB de três trilhões e 320 milhões de dólares; alcança uma população de 275 milhões de pessoas e um território correspondente a 72 por cento da América Latina, o que significa três vezes a área da União Européia.
Esse é o esplêndido ponto de partida para união continental. União que ainda anda aos soluços, aos trancos barrancos. De repente, um aceno para um suposto bem negócio bilateral, é uma pedra no caminho da integração.
É com esse mercado, que amealha mais de 83 por cento do PIB do continente sul-americano, que Portugal deveria se entender e se integrar. E o Brasil pode ser a porta de entrada para essa integração, como Portugal pode ser uma das pontes para a completude de nossos interesses comerciais, e do bloco do Mercosul, na União Européia.
Uma integração, diga-se, que seja a antítese dos pressupostos do Tratado de Methuen; que se contraponha a qualquer veleidade imperial; e à toda pretensão de se obter vantagens da eventual situação de dificuldades e da fragilidade de uma e outra parte.
Outra convicção, outra certeza que minhas atividades como presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul consolidou é a de que o neoliberalismo e suas receitas anti-crise são um atraso de vida e merecem de todos nós, brasileiros e portugueses, uma solene banana.
As recomendações austeridade da troika, companheiros portugueses, são, antes de tudo, uma ofensa ao ser humano, à civilização humana. É um crime de lesa-humanidade cortar salários e direitos trabalhistas, demitir, reduzir aposentadorias, amputar investimentos em saúde, educação, habitação e mais, para preservar os ganhos dos rentistas e a saúde dos bancos, todos metidos até o fundo da alma na ciranda financeira que levou o mundo a débâcle de 2008. É um crime de lesa-humanidade.
Se, portugueses e brasileiros, queremos um futuro para os nossos países e para os nossos povos, um futuro que não seja mais pobreza, mais doenças, mais infelicidade e depressão; um futuro que não seja uma sobrevivência miserável; um futuro que não seja a dependência ao capital financeira internacional e às suas táticas e práticas terroristas, criminosas; se queremos um futuro de solidariedade, de amor e prosperidade para todos, não nos resta outro gesto do que gritar “laços fora” para o modelo econômico que nos escraviza.
Laços fora, ruptura. Coragem e decisão de se buscar um novo caminho.
Do contrário, bem do contrário, daqui a três séculos estaremos ainda lamentando e amargando os efeitos do Tratado de Methuen. Desindustrializados, empobrecidos, dependentes.
Laços fora, companheiros portugueses, companheiros brasileiros. Esta a outra integração que proponho: a integração política, a luta política contra um modelo econômico que já não tem mais nada ao oferecer à humanidade