Nos dias que passaram, sofri um dos mais impiedosos massacres de que foi alvo um político na mídia nacional. Nunca apanhei tanto. Nunca vi a minha vida tão revirada. Desencavaram coisas que eu próprio, suposto autor, desconhecia. E no meio dessa saravaida, pelo menos um consolo: ninguém disse que eu era ladrão. Chamaram-me de tudo, acusaram-me de coisas e loisas mas não de meter a mão em dinheiro público.
Hoje, quero falar dos tantos processos que respondo, das tantas ações indenizatórias que já paguei e daquelas que estão em andamento. Por quê? Porque tenho o péssimo hábito de não usar de eufemismo, de chamar as coisas pelo nome. Pau é pau, pedra é pedra. E ladrão é ladrão, especialmente os assaltantes do erário.
Vou, assim, relatar porque sou um dos senadores que mais acumula processos.
Vamos à verdade dos fatos.
No dia 23 de março de 2003, o programa “Fantástico”, da Rede Globo, divulgou cenas do que poderíamos classificar como assalto à boca do caixa.
A emissora reproduzia imagens, captadas no dia 12 de dezembro de 2002, por câmaras de segurança de uma agência do Banco do Brasil, em Curitiba, mostrando o então mais conhecido doleiro e lavador de dinheiro sujo do Brasil, Beto Youssef, o procurador de uma empresa falida e um funcionário da Companhia Paranaense de Energia, a Copel, sacando 40 milhões de reais da conta da estatal.
Era a consecução de um golpe contra os cofres do governo estadual. Um golpe ousado, a provar com que desfaçatez assaltava-se o dinheiro público em meu estado.
A história é a que conto a seguir.
No último trimestre de 2002, quando eu já era o governador eleito, e ainda não empossado, do Paraná o então secretário da Fazenda do Estado e ao mesmo tempo presidente da Copel, Ingo Hubert perpetrou aquilo que jornais locais, a Folha de S. Paulo e a Rede Globo chamaram de “mutreta”, “negociata”, “golpe”, “fraude”.
Foi assim: uma empresa falida, de nome Olvepar, havia requerido à Receita Estadual, órgão vinculado à Secretaria da Fazenda, o reconhecimento de créditos tributários. O síndico da massa falida afirmava que a Olvepar era credora de tributos estaduais. A Receita negou o pedido, dizendo que tais créditos, definitivamente, inexistiam.
No entanto, o secretário da Fazenda, Ingo Hubert, avocou o processo, desprezou o parecer da Receita e reconheceu os créditos. E como ele era também presidente da Copel, ordenou à estatal que comprasse os créditos tributários que ele, como secretário da Fazenda, reconhecera.
Quer dizer, bateu o escanteio e fez o gol. Um gol contra o erário. Uma fraude de cento e seis milhões de reais.
As imagens exibidas naquele domingo à noite, dia 23 de março, pela Globo, mostravam o doleiro Beto Youssef , o tesoureiro da Copel e o procurador da Olvepar sacando no caixa de uma agência do Banco do Brasil o produto da contrafação.
Em três parcelas, Youssef retirou 40 milhões da conta da Copel e, em uma operação clássica de seu estilo, o conhecido doleiro pulverizou a quantia em contas de microempresários do Rio de Janeiro, fazendo a bufunfa desaparecer.
O Ministério Público desvendou a fraude, abriu processo contra os envolvidos e Ingo Hubert só não foi preso porque escapou pelos fundos de sua casa.
Pois bem, diante disso tudo e por causa de mais uma fraude contra a Copel, essa de 16 milhões e 800 mil reais, também envolvendo Ingo Hubert, eu o chamei pelo nome que se dá a quem se apropria do alheio.
No entanto, senhoras e senhores senadores, como ele não havia sido julgado ainda –e até hoje não foi- processou-me e fui condenado a pagar a ele uma indenização, por danos morais, de 25 mil reais. O desvio de mais de 106 milhões de reais não foi julgado, mas eu, o denunciante, sim.
Daí, refaço uma recomendação. Se por acaso, andando pelas ruas, flagrarem um larápio furtando a bolsa de uma senhora, não grite “pega ladrão”, porque o indigitado ainda não foi julgado pelo ato e ele pode processá-los pela acusação.
Outro caso.
Fazendo um balanço das tantas irregularidades que encontrara ao assumir o Governo, notei que uma determinada obra rodoviária fora paga duas vezes pelo Departamento Estadual de Rodagem, o DER. Valor, dez milhões de reais. Chamei o empreiteiro e ele me confessou que não vira a cor do dinheiro, que recebera e repassara a quantia à frente, para o pagamento de dívidas de campanha eleitoral.
Detalhe: o departamento jurídico do DER negara parecer favorável ao pagamento da obra. Ainda assim o então chefe do DER, José Richa Filho, irmão do atual governador do Paraná e agora seu secretário de Obras, fez o pagamento.
Esse caso também não foi julgado, mas eu tive que pagar 40 mil reais de indenização ao senhor Euclides Scalco, que era o tesoureiro da campanha do candidato para quem os dez milhões teriam sido desviados. Ele se sentiu ofendido pela denúncia, processou-me e fui condenado.
Quer dizer, mais uma vez o denunciante foi punido e os denunciados não foram julgados.
Mais um caso.
No ano 2000, a CPI do Narcotráfico da Câmara Federal acusou o então delegado-geral da Polícia Civil do Paraná, João Keppes Noronha, de envolvimento com o narcotráfico. Para não ser preso, ele fugiu.
Quando assumi o Governo, em 2003, disse que iria extirpar a banda podre da Polícia e citei o caso do delegado Noronha e de outro delegado, Guaraci Joarez de Abreu.
Como eles não tinham sido julgados, processaram-me e tive que pagar uma indenização, para os dois, de 38 mil reais.
Essas algumas indenizações que já paguei.
Na verdade há outra, já mais antiga e bem mais salgada. Uma indenização de cem mil reais para um juiz eleitoral, porque eu me insurgi, com certa veemência, digamos, contra uma decisão dele. Pergunto: quem aqui já não fez o mesmo diante de decisões controversas de Justiça Eleitoral?
Há três outras condenações que estão suspensas, à espera que sejam julgadas as apelações.
Primeira, o senhor José Cid Campelo Filho, ex-secretário de Estado do governo que me antecedeu, pede uma indenização de 25 mil reais. Ele foi preso por determinação do Ministério Público, acusado de estar envolvido, com Ingo Hubert, naquele golpe de 16 milhões e 800 mil reais, a que já referi.
Em uma reunião com prefeitos, ao saber da prisão de Campelo Filho, comentei que passava a entender o significado da expressão “cadeia produtiva”. Ele se ofendeu e me processou.
Segunda, mais uma vez o senhor Campelo Filho, agora acompanhado de outro ex-secretário de Jaime Lerner, o senhor Giovani Gionedis, quer que os compense. Eles disseram que eu nomeava parentes para o governo, respondi que o governo anterior, de que eles fizeram parte, nomeava ladrões.
Não gostaram da resposta e querem ser remunerados.
Terceira, o deputado estadual Edson Praczik quer 80 mil reais de indeniza&cced
il;ão porque eu disse em uma entrevista que ele pedira um “mensalinho” para apoiar o meu Governo. Foram os então secretário de Comunicação e o líder do Governo na Assembléia do Paraná que me contaram. Repeti o que disseram e lá veio mais uma condenação.
Há ainda algumas outras ações em andamento, com pedidos de ressarcimento.
A senhora Cila Shulmam que ser indenizada porque era ela que coordenava a campanha para onde teriam ido os dez milhões de reais desviados do DER.
O senhor Carlos Alberto Richa, o Beto Richa, hoje governador do Paraná, quer ser compensado porque era o candidato que teria sido beneficiado pelo desvio.
O senhor José Richa Filho, à época do desvio diretor do DER e quem liberou o pagamento dos dez milhões de reais, quer ser ressarcido porque se sentiu atingido pela denúncia.
E assim se acumulam as ações.
Sempre o mesmo enredo. Denuncio a falcatrua, a denuncia não é julgada, mas o denunciado vai à justiça, pede e ganha reparação financeira. Os tais danos morais são ressarcidos, mas os danos aos cofres públicos permanecem impunes.
O pior de tudo é como essas indenizações por dano moral são noticiadas. Elas são noticiadas como se fossem a absolvição dos ladrões.
O denunciado ganha uma ação de ressarcimento e sai por aí comemorando como se sua honra tivesse sido lavada, como se a minha denúncia fosse improcedente. E, desgraçadamente, a mídia não contribui com uma vírgula para restabelecer a verdade dos fatos, e age como se o bandido houvesse sido declarado inocente.
Isso é terrível. Isso dói muito.
Senhora e senhores senadores.
Não vou parar de chamar ladrões pelo nome. Se parar com as denúncias, não tem sentido continuar na política. Essas ações são, na verdade, tentativas de me intimidar, de me acuar, de me calar. Não apenas a mim. A este Senado, ao Parlamento. Às senhoras e aos senhores. Aos jornalistas sérios, honestos. A Justiça é lenta. Lentíssima.
E enquanto a Justiça não se pronuncia, ficamos limitados, tolhidos, manietados para denunciar.
Por fim, mais uma vez, gostaria de gravar na memória de todos, especialmente na memória dessa imprensa ligeira, rápida no gatilho, sempre pronta para um assassinato de reputação: nada devo à Justiça a não ser os ditos crimes que minha língua nem sempre bem comportada, vez e outra perpetra.
E processam-me. E tentam seqüestrar a minha honra, a minha credibilidade e o meu patrimônio.
Que seja, não vou me calar mesmo.
O silêncio, a omissão, a falta de reação, a fuga do confronto seria como renunciar à própria vida.
Seria a morte de minha fé, de minha imensa fé, no homem e na sua capacidade de construir um mundo justo, igual, bom para todos.
Seria a minha morte de minha fé em valores como honestidade, seriedade, amor ao povo, dedicação à causa pública, brasilidade, nacionalismo.
Não renuncio à vida, logo não renuncio à luta, por mais insidiosos, covardes, desleais, arrogantes que sejam os ataques que se interponham ao meio caminho.