(Veiculado pelo Correio da Cidadania a partir de 24/07/15)
por Paulo Metri – Conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania
Este senador apresentou o projeto de lei 131, que retira da Petrobrás a condição de operadora única do Pré-Sal e a obrigatoriedade desta deter no mínimo 30% de qualquer consórcio que arremate bloco nesta área. Ambas as determinações estão estabelecidas na lei 12.351, que rege os contratos de partilha. Em defesa de seu projeto, escreveu o artigo “O petróleo e as moedas imaginárias”, publicado em O Globo, em 23/7/15, no qual agride a lógica e o interesse nacional com algumas bordoadas.
A primeira delas, que todo tucano costuma citar, porque convence o desavisado, é a seguinte: “Entre 1997 e 2010, sob o regime de concessão introduzido no governo FHC, a produção da Petrobras cresceu 2,5 vezes, de 800 mil para 2 milhões de barris/dia. Desde 2010, quando foi aprovado o regime de partilha, o aumento foi de pífios 18%, apesar de a companhia ter recebido a maior capitalização da história e ter contraído uma dívida equivalente a cinco vezes a sua geração anual de caixa …”
Esta afirmação do senador faz-me lembrar da percepção que algumas tribos de índios brasileiros tinham, assim que chegaram os colonizadores, sobre o nascimento de um bebê. Eles não associavam o nascimento com o ato sexual ocorrido nove meses antes. Não admitiam a existência de um tempo razoável entre uma causa e o seu efeito. Como a busca pelo petróleo e, no caso de haver descoberta, a execução dos estudos para sua recuperação e a implantação do campo levam, em média, oito anos, o acréscimo da produção de 2,5 vezes, creditada pelo senador às concessões de FHC, é em grande parte consequência da fase anterior às concessões, a do monopólio estatal do petróleo.
Depois o senador, estranhamente, quer comparar o crescimento em um período de 13 anos com outro correspondente a cinco anos. Donde se conclui que, para ganhar a aceitação do leitor, vale tudo, até torcer para que ele esteja desatento. Por outro lado, os 18% do período de 2010 a 2015 não foram pífios como citado, se forem comparados com os resultados das petrolíferas privadas estrangeiras. Nenhuma atingiu este acréscimo supostamente pífio. A Exxon e a Shell tiveram decréscimo das suas produções. Além de tudo, a consequência dos contratos de partilha só poderá ser sentida a partir do início da produção de Libra, cujo leilão ocorreu em 2013.
O senador continua, com seu artigo, lançando argumentos incompreensíveis. Em respeito ao leitor, mostro meu entendimento. Ele diz: “É triste que o óleo do pré-sal continue adormecido por mais algumas eras geológicas, enquanto o desemprego e o subemprego avançam em ritmo galopante no Brasil.” Implícito está, nesta frase, que com a aprovação do seu projeto de lei o desemprego e o subemprego serão combatidos, o que não é verdade. Ele não explica que, com as empresas estrangeiras sendo as novas operadoras do Pré-Sal, possivelmente nenhuma ou poucas plataformas serão compradas no país, assim como todos os desenvolvimentos tecnológicos serão encomendados fora. Consequentemente, não existirá grande número de empregos sendo ofertado no país. Notar que, quando se fala em empregos de um setor, inclui-se toda a cadeia produtiva do mesmo.
Serra usa o raciocínio simples que, quanto mais atividade existir em um setor, mais ele estará empregando pessoas. Em primeiro lugar, a própria petrolífera emprega muito poucas pessoas. A grande geração de empregos está na cadeia produtiva do setor. As petrolíferas estrangeiras têm interesse de satisfazer fornecedores do exterior, porque eles pertencem aos mesmos grupos econômicos delas, ou oferecem preços mais baixos ou as petrolíferas têm confiança quanto à qualidade dos produtos e cumprimento de prazo dos seus tradicionais fornecedores. A verdade, dolorosa para Serra, é que quem compra no país é a Petrobrás.
Outra observação sobre o mesmo trecho anterior do Serra é que está implícito na sua afirmação que, quanto mais rápido for explorado o Pré-Sal, melhor será para a sociedade brasileira, o que certamente não é verdadeiro. Quem mais irá se beneficiar com uma rápida produção do Pré-Sal serão, em primeiro lugar, os países importadores de petróleo, pois o Brasil estará ajudando a baixar ainda mais o preço do barril.
Com as produções do óleo e gás de xisto, o inexplicável aumento da oferta de alguns países árabes e a entrada no mercado do petróleo iraniano, que estava contido por bloqueio econômico, o preço do barril que já está baixo tenderá a baixar mais. Com isso, pode até ocorrer que a receita do petróleo venha a diminuir, mesmo com o acréscimo do volume das exportações brasileiras. Em segundo lugar, as petrolíferas estrangeiras, que comporão os novos consórcios do Pré-Sal, irão se beneficiar também, porque terão petróleo barato garantido para abastecer suas refinarias no exterior por cerca de 25 anos.
O ritmo de produção do Pré-Sal, ótimo para a sociedade brasileira, que Serra nunca fala, precisa:
1) deixar uma reserva estratégica para o abastecimento futuro do país;
2) nunca realizar exploração predatória e não abrir mão das exigências de segurança, mesmo que diminuam a rentabilidade (nunca fazer como a Chevron fez em Frade);
3) só produzir excedentes a serem exportados em épocas de alto valor do barril;
4) só produzir quando um planejamento de suprimento local recomendar, de forma que o setor possa contribuir ao máximo para o desenvolvimento nacional.
Estes objetivos de produção do Pré-Sal com compromisso social vetam a possibilidade de exploração rápida da área, como deseja Serra. Ele frisa que há necessidade de “atrair investimentos para o pré-sal”. Está certo, desde que os investidores aceitem cumprir os requisitos de produção citados acima.
O senador criou um índice, que não serve para nada, exceto permitir-lhe criticar a Petrobras, que é “a dívida por barril produzido”. O que é comumente usado é “a dívida por barril de reserva”. Neste caso, se o índice for menor que o preço internacional do barril, pode-se concluir que a empresa consegue pagar suas dívidas. Possivelmente, os assessores de Serra já devem ter lhe mostrado que a Petrobrás consegue pagar suas dívidas, por isso o índice não foi usado.
Porém, temos três pontos em que o Serra fala verdades e não posso deixar de transmitir minhas preocupações. O primeiro é: “Essa empresa (a Pré-Sal Petróleo S/A, que tem presença obrigatória em todos os consórcios) deve, entre outras atribuições: ‘avaliar, técnica e economicamente, os planos de exploração e monitorar e auditar a execução de projetos de exploração e dos custos e investimentos relacionados aos contratos de partilha de produção’. Alguém acha isso pouco?”
Não seria pouco, Serra, se a presidente Dilma não tivesse nomeado para a direção desta empresa técnicos oriundos de empresas estrangeiras, que, a meu ver, só poderiam ser nomeados depois de um período de moratória. Assim, tenho dúvida com relação à isenção que esta empresa trabalhará. Notar que não há julgamento da integridade dos membros da diretoria. Há julgamento, sim, do processo de escolha de profissionais utilizado. Creio que esta não foi uma boa iniciativa de governança.
O outro ponto vem logo a seguir: “Lembre então do peso da ANP – Agência Nacional do Petróleo, que permanece intacto (no projeto dele)”. A ANP, realmente, teria um peso grande, se as pessoas nomeadas para sua direção não tivessem sido “aprovadas pelo mercado”. A presidente Dilma e o presidente Lula têm satisfeito o mercado nestas escolhas e têm tido pouca visão estratégica. Portanto, este é outro órgão com o qual não se pode contar. Aliás, Serra não faria estas citações se soubesse que os órgãos iriam agir em benefício da sociedade brasileira.
O terceiro ponto é sobre a nova diretoria da Petrobrás: “À atual diretoria (da Petrobrás) não restou senão promover imensos cortes nos investimentos e reduzir em 1/3 a meta de produção para 2020!” Mais uma vez, o presidente Bendine e a diretoria da empresa foram escolhidos para “satisfazer o mercado”. Divirjo frontalmente do programa de desinvestimentos proposto. Aliás, por isso, Serra trata esta diretoria com compreensão.
A crítica de Serra à fala do ministro Janine Ribeiro se baseia na suposição de que a Petrobras nunca irá sair da crise em que se encontra. E dá como solução escancarar o Pré-Sal para as petrolíferas estrangeiras. Sua proposta traz à minha mente a inscrição contida no portal do inferno, segundo a descrição de Dante em A Divina Comédia: “Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança…”
As petrolíferas estrangeiras podem, sim, contribuir para o desenvolvimento nacional, mas precisam ser fiscalizadas, porque, por iniciativa própria, elas visarão unicamente a maximização dos seus lucros. E, para serem fiscalizadas, é necessário que a sociedade brasileira seja bem informada, esteja consciente, politizada e exija tal fiscalização, o que não ocorrerá em curto prazo.
O senador continuou seu artigo, com mais argumentos julgados imprecisos. Irei cansar o leitor se for me contrapor a todos eles. Por isso, paro por aqui. Resta às pessoas socialmente comprometidas, nacionalistas, que tenham tido acesso às informações sobre o dano gigantesco que o projeto Serra acarreta, divulgar esta preocupação e buscar interferir, da melhor forma, para que o projeto entreguista não seja aprovado.
Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br