Roberto Requião
• Decididamente, o Brasil está sendo assolado por um surto epidêmico de burocratite, ao pretexto, por primeiro, de dar implemento aos preceitos de partilha do Icms nas operações interestaduais com consumidores finais de bens e serviços (Emenda Constitucional 87-2015). Antes, o Icms das vendas a consumidores finais residentes em outro Estado (circunstância em que o imposto era calculado com alíquota interna em vigor no território de origem) ficava, por inteiro, no erário de localização do remetente-vendedor. Todas as operações de mercancia concretizadas em um mês eram declaradas ao fisco, apurava-se, por soma algébrica de créditos por compras e débitos por vendas, o Icms devido e, então, efetuado o recolhimento.
• Todavia, as Federadas transferiram para os contribuintes vendedores de tais utilidades o dever de recolher, operação a operação, a diferença entre a alíquota interestadual (7% para os Estados do Norte e Nordeste e 12% para os do Sul e Sudeste) e a interna (por via de regra, 18%) do Icms partilhável entre Estado de origem e de destino. (Em 2016, 60% da dita diferença é atribuída ao Estado de origem e 40% ao de destino, percentuais que se alteram ano a ano até 2019 – quando a integralidade da diferença caberá ao Estado de destino). Isto evidencia a sofisticada e cruel vocação dos gestores públicosparacomplicar suas relações com os contribuintes.
• Ora, no processo de discussão, construção e aprovação da aludida EC foram realizadas inúmeras simulações sobre perdas e ganhos de cada uma das Federadas em se adotando o novel critério de distribuição do produto de arrecadação do Icms nos negócios jurídicos interestaduais com consumidores finais. Por evidente, tais simulações foram viáveis com fulcro no banco de dados disponível nas administrações fazendárias das Federadas, erigido com as informações já prestadas pelos contribuintes ao emitirem as Notas Fiscais Eletrônicas indiciadoras de vendas a consumidores finais.
• Pois bem. Hoje os contribuintes de Icms, regra geral, concretizam operações mercantis e, ao término de um período considerado (normalmente, mês de ocorrência dos fatos geradores), apuram em conta gráfica o quantum devido de Icms. Providência óbvia e natural seria a de atribuir a esses mesmos contribuintes o dever de declarar e recolher (abrindo-se campo específico para tal mister na Guia de Informação e Apuração –GIAIcms e na Guia de Recolhimento) o Icms dimensionado como partilhável entre origem e destino nas operações interestaduais com consumidores finais. A propósito, a utilização das mencionadas guias são de uso comum e corriqueiro desde a implantação do Icm, advindo com a Emenda Constitucional 18-1965.
• Indo adiante: às Federadas competiria formar Câmara de Compensação entre direitos a receber e obrigações a remeter de valores de Icms partilháveis reciprocamente, sem aborrecimentos tão deletérios aos contribuintes, no sentido de cada qual, como averbado, proceder o pagamento do Icms ao Estado de destino, operação a operação com consumidores finais.
• É de sabença que o novo sistema de partilha tinha por escopo apanhar especialmente as vendas realizadas no modelo de comércio eletrônico (e-commerce). Mais uma vez, vê-se que a Administração Pública que promove a gestão do sistema tributário brasileiro demonstra sua incapacidade de amoldar-se a mudanças no ambiente econômico decorridas da evolução tecnológica ou, de outro ângulo, torna patente seu instinto de desconstruir e fazer derruir todos os esforços dos empreendedores em incorporar ganhos de produtividade para conduzir mais eficazmente seus negócios.
• Por derradeiro, não se pode deixar de mencionar a engenhosidade do fisco na criação de mais uma “jabuticaba” para os contribuintes. O Convênio Icms 92-2015 (no Paraná, Decreto 3242, de 23 de dezembro de 2015) elencou uma pletora de dígitos, que compõem o assim denominado “Código Especificador da Substituição Tributária – CEST”, todos eles pululando, lado a lado, com os já seculares e universais códigos da Nomenclatura Comum de Mercadorias – Sistema Harmonizado (NCM-SH).
• Sabe-se que os Estados (inclusive o Paraná) desfiguraram o Icms como criado originalmente, baseado no modelo europeu de tributação (imposto sobre o valor agregado), estendendo um regime de exceção (a substituição tributária, onde todo o imposto é pago na fonte sobre preços presumidos de varejo) para enorme gama de mercadorias, tudo para anular o sistema do Simples Nacional, que revolucionou a tributação brasileira com a instituição de mecanismos de proteção da pequena e microempresa.
• Tudo assim, a leitura que os cidadãos e os contribuintes fazem em relação a tanta burocracia é a de que existe uma abissal dicotomia entre o discurso e a ação de nossa Administração Pública. Enquanto agentes públicos há (não olvidando, de logo, o exemplo mais emblemático – porém remoto – das providências de desburocratização engendradas pelo saudoso Ministro Hélio Beltrão) que se empenham para simplificar a vida dos cidadãos e das empresas, as saúvas (Monteiro Lobato) vão carcomendo, pela via da reburocratização, as conquistas obtidas nesta seara. Enfim, citando Guilherme Afif Domingos, “fizeram (os Estados) uma loucura.”
(Em 20 de janeiro de 2016.)