Paulo Moreira Leite
Sem obrigação de prestar contas pelo que divulgam, os meios de comunicação atiram primeiro para perguntar depois
Aprovado por unanimidade no Senado, o projeto de Roberto Requião, que garante o direito de resposta no prazo de até 7 dias, vai ajudar a melhorar o jornalismo e os jornalistas brasileiros.
Vamos combinar que se vive hoje num universo de impunidade e tiro livre em direção a honra de qualquer cidadão, em especial homens públicos que são antipatizados e mesmo perseguidos pelos meios de comunicação.
Sem nenhum controle legal, nenhuma obrigação de prestar contas por aquilo que divulgam, os meios de comunicação atiram primeiro para perguntar depois. Às vezes, nem perguntam. Ou perguntam e ignoram explicações que não lhes convém.
Isso acontece porque, em nome de um direito indispensável, a liberdade de expressão, criou-se um ambiente de impunidade absoluta. Uma imprensa que adora falar em pizza quando se trata dos crimes dos outros, conta com a lentidão da justiça para jamais se dar ao trabalho de conferir aquilo que vai publicar. Se há muitas reclamações que não tem cabimento e apenas refletem uma dificuldade histórica de autoridades em conviver com a liberdade de imprensa, o oposto também é verdadeiro.
Não acho que erros e desvios acontecem porque os cursos de jornalismo são piores que a média de nossos cursos universitários. Não é um problema de formação profissional mas um problema de força política.
Com um poder institucional imenso, os meios de comunicação foram capazes de derrubar qualquer defesa da sociedade contra seus erros, desvios e abusos. Acabaram com uma lei de imprensa que, mesmo elaborada no período da ditadura militar, trazia garantias, ainda que mínimas, para o cidadão defender-se de uma mentira.
Naquele tempo, não custa lembrar, era a ditadura que temia a imprensa. Hoje, é a própria sociedade que muitas vezes tem motivos para tentar se defender dela. Ninguém é proibido de publicar nada. Mas, caso fique comprovado – em 7 dias – que se publicou uma mentira, será possível fazer a correção. Eu acho ótimo.
Em quatro décadas de profissão, cometi meus erros, é bom admitir. No início eu tinha uma resistência enorme para publicar qualquer correção, inventava desculpas e explicações que nem sempre faziam sentido. Com o passar dos anos, aprendi que admitir a falta era a única atitude honesta a ser tomada. Não é agradável. Todo erro é lamentável e poucos têm uma explicação fácil de ser compreendida. Mas a vítima não pode ser punida uma segunda vez por nossas falhas, vamos combinar.
Os meios de comunicação brasileiros já foram mais abertos a crítica e debate sobre suas carências. Hoje, com as mãos livres, diminuíram as proteções oferecidas aos cidadãos. As seções de “erramos” perderam importância, tornaram-se inacessíveis ou simplesmente foram suprimidas. Temerosos de serem punidos internamente, muitos profissionais constroem alegações e desculpas vergonhosas em vez de admitir sua responsabilidade.
Na prática, muitas reportagens sequer ouvem o “outro lado” antes de publicar uma acusação. As vezes, a única chance da vítima de um erro é publicar sua versão na seção de cartas – onde tem o direito de contestar o que foi publicado, mas os editores raramente admitem a própria falha. Em alguns casos, nem a carta é publicada.
Em países onde há uma imprensa plural, que compete de verdade pelo mercado, falhas clamorosas de um veículo costumam ser apontadas pelos concorrentes. O Guardian foi responsável por uma série de reportagens que ajudou a desmascarar os jornais de Murdoch. Isso raras vezes ocorre no Brasil. Irmanados e solidários, nossos jornais, revistas e emissoras de rádio e TV raramente divulgam reportagens críticas em relação aos vizinhos. Evitam criticar para não serem criticados, também.
Nesta situação, as oportunidades para a publicação de notícias falsas, matérias forjadas ou simples plantações sem base na realidade se tornaram abundantes e convidativas.
Com o direito de resposta, é de se imaginar que os profissionais sejam estimulados a retornar aos padrões clássicos da profissão, já que a credibilidade de qualquer veículo é sempre atingida quando ele é obrigado a mostrar uma versão que havia escondido.
Caso os direitos de resposta sejam acolhidos com a frequência que se mostrarem necessários, o que só é possível com juízes que não se intimidam diante da mídia, é muito provável que, antes de publicar uma notícia, os jornais e jornalistas irão atrás da outra parte, atravessando a fronteira que separa o jornalismo da pistolagem. Podem prestar mais atenção aos argumentos alheios e garantir, com espaço conveniente, o direito de cada um dar sua versão. Pelo menos em se tratando de publicações onde existe boa fé, será possível alcançar um padrão menos selvagem e mais civilizado.
Isso é bom para o jornalismo e para o sistema democrático.
Governo sem imprenssa ou imprennsa sem governo. Mas Lei nao se pode ter! O valor da noticia é o cidadao que dá , nao o governante.
Diferentes maneiras de contar a mesma história:
JORNAL NACIONAL:
(William Bonner): “Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem…”.
(Fátima Bernardes): “… mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia”.
PROGRAMA DA HEBE:
“… que gracinha, gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?”
CIDADE ALERTA:
(Datena): “… onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as autoridades? A menina ia para a casa da avozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva… Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não.”
REVISTA VEJA:
Lula sabia das intenções do lobo.
REVISTA CLÁUDIA:
Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.
REVISTA NOVA:
Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama.
FOLHA DE S. PAULO:
Legenda da foto: “Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador”.
Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.
O ESTADO DE S. PAULO:
Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.
O GLOBO:
Petrobrás apóia ONG do lenhador ligado ao PT que matou um lobo pra salvar menor de idade carente
ZERO HORA:
Avó de Chapeuzinho nasceu no RS.
O POVO:
Sangue e tragédia na casa da vovó.
EXTRA:
Promoção do mês: junte 20 selos, mais R$19,90 e troque por uma capa vermelha igual à da Chapeuzinho!
REVISTA CARAS: (Ensaio fotográfico com Chapeuzinho na semana seguinte). Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: “Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa”
PLAYBOY: (Ensaio fotográfico no mês seguinte)
Veja o que só o lobo viu.
REVISTA ISTO É:
Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.
SUPER INTERESSANTE:
Lobo mau! mito ou verdade?
DISCOVERY CHANNEL – CAÇA MITOS:
Vamos determinar se é possível uma pessoa ser engolida viva e sobreviver.
CAPRICHO
Teste: Seu par ideal é lobo ou lenhador?