Divulgado no dia 22 de junho de 1890, O Manifesto do Primeiro Partido Socialista Operário do Brasil
Os artistas e operários desta cidade (Curitiba, Paraná) constituíram-se em Partido, à maneira de seus colegas da capital federal (Rio de Janeiro) e de outras importantes localidades do país (São Paulo, Porto Alegre). Já à entrada, os organizadores desse auspicioso acontecimento querem expor com sinceridade e clareza os intuitos e os compromissos do Partido, que nascido das classes até ontem segregadas da comunhão política, pela privação do voto, quer agora concorrer com sua atividade inteligente e sobretudo com a probidade pessoal e política para transformar as normas seguidas pelas minorias governantes e dar ao povo genuína representação dos seus direitos e interesses.
Não há a contestar que o primeiro dever dos homens que se propõem a intervir eficazmente na direção política do Estado é proceder à arregimentação e organização sistemática de suas forças e traçar os lineamentos de seu programa, que não deve ser puramente especulativo e abstrato, mas suscetível de realização imediata ou remota, e inspirar-se na possibilidade de ação individual e comum.
Representamos, pois, aos nossos confrades, aos membros da grande associação moral que tem até hoje exercido a cultura das artes e ofícios em toda a circunscrição da pátria paranaenses, a necessidade de unirem-se para a constituição regular do Partido, criando clubes, nomeando diretórios e aderindo as bases do programa adotado pelos seus irmãos desta cidade.
Em cada cidade, vila ou paróquia, cumpre aos mais dedicados e inteligentes dos nossos colegas convocar os membros da classe operária, e eleger uma comissão diretora segundo o plano que acharem mais conveniente e mais prático. Os grupos, assim constituídos, entrarão em imediata correspondência com o Club Central, que se obriga a subordinar as suas mais importantes resoluções, principalmente aquelas que afetarem o interesses comum de representação política, à deliberação coletiva dos grêmios locais por seus delegados e comissões.
É impossível a obtenção de resultados duráveis, sem essa organização coordenada das forças operárias. Aquelas mesmas organizações, que, na falta de um alvo patriótico, elaboravam inconscientemente o despotismo pelo predomínio incontrastável de alguns indivíduos, precisavam para o sucesso de seus planos, para o bom êxito das suas operações, concentrar-se sob uma direção única, e curvar-se às injunções inflexíveis da disciplina.
Ora, nós que empreendemos a política do povo pelo povo, até este momento impraticada, senão desconhecida no Estado, teremos que vencer as mais árduas dificuldades, porque a maioria dos nossos conterrâneos ou está viciada pelos usos estabelecidos, ou não chegou ainda à compreensão dos seus verdadeiros interesses, completamente separados daqueles que têm agora prevalecido no Governo.
Assim, é imprescindível a união, a coesão, o estreitamento dos laços de solidariedade entre os membros da classe, de modo que o partido novamente criado possa, em todas as conjunturas, manter a sua autonomia, defender-se contra a exploração das velhas facções e atrair pela seriedade e constância do seu procedimento, as simpatias e mesmo o apoio da massa popular.
Se o que queremos para nós é o que exatamente deve constituir a principal preocupação do maior número, nenhum empeço se oferece a confraternização da classe operária com outras classes igualmente pungidas pelo sentimento do bem público e refratárias à inspiração dos antigos partidos.
Os industriais e comerciantes têm conosco ligações e atividades estabelecidas por tradição e sofrimento comuns. Os orçamentos da ex-província, poupando a ociosidade abastada, carregavam duramente sobre o comércio e as indústrias produzindo, consequentemente, a crise, que se pode chamar da nudez e da fome, na porção menos afortunada do povo. Os impostos lançados sem discernimento sobre os gêneros de primeira necessidade, tornaram difícil e penosa a situação do proletariado paranaense, mas também paralisaram o comércio. Quando a honrada classe comercial soltou o brado da resistência contra as extorsõe4s do fisco, subservidas pela arbitrariedade do poder público, encontrou ao seu lado esses operários e artistas, que secundaram com seus braços e a sua coragem o movimento redentor.
É que nós sabíamos ser nossa a causa propugnada pelo comércio; e aquele operário que derramou seu sangue na surpresa noturna maquinada pelo governo, foi o primeiro mártir da ideia que deve reunir num mesmo esforço todos os filhos da democracia.
Também os militares, que vibraram golpe decisivo sobre os privilégios odiosos do antigo regime, que dissolveram um Senado oligárquico, e proclamaram a igualdade política dos brasileiros, são a vanguarda gloriosa do Exército democrático, impelido à conquista de outros e não menos nobres ideais.
Não falamos dos lavradores, dos cultores do solo, porque estão em nossas fileiras e para eles se voltam nossos cuidados fraternais. Não se pode admitir, não se deve tolerar o sistema pernicioso, que perpetua o sofrimento e a miséria de uma classe numerosa, despojada da terra em benefício de um direito nominal e estéril, incompatível com a grandeza e a prosperidade do Estado.
A propriedade é, para nós, sagrada, mas este título não merece a detenção arbitrária do solo nas mãos dos indolentes, sob a jurisdição da preguiça. Proprietário é aquele que coloca a posse de seus bens, dos seus tesouros, à diligência e ao trabalho. Ora, a distribuição caprichosa, discricionária da terra pelos conquistadores não pode constituir barreira inexpugnável para impedir a ascensão da massa trabalhadora à independência e à abastança.
Ela é uma injustiça no presente, como foi uma usurpação no passado. A fatalidade histórica deve converter-se em direito para achar guarida na consciência honesta. Estados conservadores, como a Inglaterra e a Áustria, admitem a expropriação de latifúndios em proveito da cultura e não põem sob a égide das leis a propriedade territorial que permanece desaproveitada.
Os nossos compatriotas, que exercem a atividade agrícola em condições acanhadas e precárias ou que jazem na indolência por falta de terrenos apropriados à sua cultura, devem reclamar dos poderes públicos medidas protetoras do direito natural sacrificado indevidamente ao monopólio de uma minoria ociosa.
Até hoje, tinha-se como corretivo do pauperismo, infelizmente naturalizado nas terras brasileiras pela legislação do privilégio, a caridade dos ricos, a filantropia dos bons corações. É tempo de obter das leis, dos processos da política, espaço largo e franco para a organização da solidariedade econômica, para o regime social da cooperação.
Já o filósofo alemão Eduardo von Hartmann entreviu que o fim do futuro deve ser tornar inútil a beneficência privada e as obras voluntárias da caridade e substituí-las pela organização definitiva da solidariedade social sob as suas formas mais variadas.
Também a civilização industrial, que uma certa filosofia descobre envolta na penumbra do futuro, tem como base fundamental aquela necessidade que o gênio de Goethe lobrigou na urdidura moral da nossa época. Doravante, diz ele, aquele que não se volta à prática de uma arte ou ofício achar-se-á mal. O saber não é mais um recurso no turbilhão dos negócios humanos: antes que se tenha tomado conhecimento de tudo, escapa-se a si mesmo. É obedecendo a essa orientação prática, utilitária, que nós pedimos para os nossos filhosa cultura das faculdades físicas e morais, ou aquilo que Talleyrand chamava a arte mais ou menos aperfeiçoada de pôr os homens no máximo de seu valor, tanto para eles, como para os seus semelhantes.
Assim, queremos para as novas gerações uma EDUCAÇÃO INTEGRAL E POSITIVA.
O imortal tribuno da Revolução Francesa, Mirabeau, dizia, com o ímpeto da sua eloquência, mas também com admirável critério: “Os povos livres vivem e movem-se. É de mister que eles aprendam a servir-se das forças de que recobraram o uso. A ciência da liberdade não é tão simples como pode parecer ao primeiro golpe de vista; o seu estudo exige reflexões; a sua prática, precauções anteriores; a sua conservação máxima medidas, regras invioláveis e mais severas que os caprichos mesmos do déspota.” Esta ciência é intimamente ligada a todos os grandes trabalhos do espirito e a perfeição de todos os ramos da moral.
Ora, senhores, é de uma boa educação pública somente que devereis esperar esse complemento de regeneração que fundará a felicidade do povo sobre suas virtudes, e suas virtudes sobre suas luzes.
Da boa organização da justiça depende a efetividade dos direitos, a segurança dos bens e a conservação da liberdade. Mas podemos dizer, com Bergasse, que o poder será mal organizado se os juízes não responderem pelos seus atos. Se há homens, diz esse jurisconsulto que, no exercício de seu ministério, importa cercar o mais possível da opinião, isto é, da censura da gente sã, são os magistrados: quanto maior for o seu poder, mais deve ter ao seu lado o primeiro de todos os poderes, aquele que não se corrompe nunca, o poder terrível da opinião. Fazemos votos para que o Estado organize uma magistratura eletiva e temporária; mas, antes de tudo, trabalharemos para que a justiça seja gratuita e ministrada sob a forma de JUÍZO ARBITRAL OBRIGATÓRIO.
Esta fórmula exclui absolutamente as chicanas e delongas, as rapinas e manobras criminosas usadas no fórum. Todos os processos e causas terão solução rápida e definitiva, sem que se precise recorrer aos bons ofícios da advocacia mercenária.
O advogado exercerá função pública retribuída e terá a seu cargo o exame e a fiscalização dos atos judiciais para promover a responsabilidade dos juízes prevaricadores.
Uma boa constituição do imposto deve levar com urgência algumas considerações. Ao poder Legislativo coube, é verdade, a tarefa de votar as receitas; mas como dissimular o caráter arbitrário desses orçamentos, tornados armas de arremesso contra as classes produtoras?
Muito se tem falado e escrito sobre o sistema adotado para a decretação do imposto. Ele refletia o estádio de desigualdade resultante do abatimento das classes industriosas, e da predominância viciosa das oligarquias locais.
Os antigos partidos políticos não se diversificaram pelo modo de encarar a perequação das taxas orçamentais: eles chegaram a juntar-se, formar um só corpo, uma mesma unidade para abolir o importo territorial, criado mediante a enérgica intervenção de um presidente da ex-província. Também, desde então, ao comércio e à parte menos abastada da população coube o encargo insuportável, que ainda infelizmente perdura.
Além da reforma profunda que se faz necessária nesse ramo da pública administração, -o qual lembra a opinião da condestável de Bourbon sobre a conveniência de sobrecarregar os vilões, para que eles não se tornem insolentes- convém não esquecer um dos processos formais hoje recomendado pelos economistas práticos, a ESPECIALIZAÇÃO DO IMPOSTO.
Não há conveniência no votar em globo as taxas do orçamento.
A cada serviço deve ser afetada a quota de imposição: de modo que os contribuintes vejam quando esta é excessiva, e possam fiscalizar a respectiva aplicação. Determinados os serviços, e a retribuição que lhes deve ser eferente, tem-se facilitado a intervenção do juízo público na distribuição e aplicação da renda.
Os atenienses, dizia Pierre Leroux, na sua Enciclopédia Nova, tributários de Creta, enviavam a cada ano um certo número de virgens ao terrível Minotauro; no meio de nós, as classes pobres pagam o mesmo tributo. Donde saem, eu vo-lo pergunto essas desgraçadas mulheres que reproduzem, nas sociedades modernas, depois de dezoito séculos de cristianismo, o que a escravidão e a licença do paganismo tiveram de mais terrível e mais impuro?
Elas saem das fileiras do povo, é um tributo que o povo paga por si só.
A situação, que aí ficou esboçada, traz-nos à memória outras não menos tristonhas e dolorosas.
A orfandade representa o maior contingente dado às misérias sociais. As crianças, privadas da proteção dos seus genitores, e mesmo aquelas que são equiparadas aos órfãos, por provirem de um comércio ilegítimo, são recolhidas, a cada passo, por almas caridosas que as reduzem à escravidão. Nada aprendem, e crescem como alguns vegetais, no seio do lodaçal, sob os miasmas da depravação moral. Dessa classe desgraçada saem as prostitutas e os escravos, destinados substituir os que escapram ao domínio senhorial.
Orfar um menino é freasse que vemos sempre repetida pelos nossos conterrâneos, e que traduz uma sujeição indigna, um comércio imoral. Houve já, entre nós, quem vibrasse o látego da exprobração pública sobre a infâmia praticada por grande número de indivíduos que veem no órfão desemparado, ou arrancado brutalmente aos braços maternos, o sucedâneo das vítimas do cativeiro.
O mal, porém, espraia-se, o infortúnio prolonga-se, a injustiça perpetua-se, sem que nós, muito ocupados com os nossos interesses, corramos em proteção dos órfãos desvalidos, dos nossos irmãos escravizados.
No seu Jornal de Instrução Social, ponderava Sieyés: “A lei social não foi feita para enfraquecer o fraco e fortificar o forte; pelo contrário, ela trata de pôr o fraco ao abrigo das empresas do forte, e, amparando com a sua autoridade tutelar a integralidade dos cidadãos, ela assegura a todos a plenitude de sus direitos. ”
Não é, desgraçadamente, essa a linfa que mana do rochedo de nossas leis e dos nossos costumes. O Paraná nem tem instituições protetoras da infância desamparada, parecendo que somos um povo sem coração.
Não é, felizmente, assim: mas urge que proclamemos a urgência de serem criados ORFANATOS, ASILOS INDUSTRIAIS E AGRÍCOLAS, INSTITUTOS DE ARTES E OFÍCIOS, CRECHES. E todos os estabelecimentos que forneçam alimento e educação às crianças miseráveis.
Na infância sofre o proletário todos os rigores da penúria e nenhuma instituição social assegura-lhe a educação, e protege-o contra a cobiça dos desalmados. Na virilidade, não dispõe de instrumento de crédito, para enfrentar as crises do trabalho e estabelecer a sua própria atividade. Na velhice, nas enfermidades, só resta-lhe o consolo de morrer ignorado, quando não lega à esposa e aos filhos menores as torturas da miséria. Tais circunstâncias denunciam a insuficiência da nossa ferramenta econômica, e a imprevidência a que habituamos, quando podíamos ter BANCOS POPULARES, COOPERATIVAS, INSTITUIÇÕES DE PREVIDÊNCIA
O serviço dos seguros, diz um escritor contemporâneo, tornar-se-á a função por excelência do Estado, o emblema da proteção coletiva sobre o indivíduo, proteção que não se manifestará mais senão por benefícios e que escudará a liberdade. É certo que tal serviço, completando a organização do trabalho e do escambo, acabará de extirpar da sociedade a hedionda miséria, e tirará toda razão de ser às grandes fortunas, às grandes acumulações de capitais, que sempre têm por origem o desejo louvável de se porem os indivíduos, por si e por suas famílias, ao abrigo dos acidentes imprevistos e da pobreza extrema.
Não se pode pôr em dúvida a influência do trabalho, quer sobre a moral dos indivíduos, quer relativamente ao destino das nações. Não somente os trabalhos manuais tendem ao aperfeiçoamento físico e intelectual, como apresenta a grande vantagem moral, apontada por C. Marcel, de formar um laço de simpatia entre o homem rico e o proletário, lembrando a ambos que o labor é uma condição da vida humana.
Trabalha! dizia Focílides, tu deves pagar a vida pelos teus trabalhos.
O preguiçoso rouba a sociedade.
Tão severo pensamento foi expresso por Louis Blanc, quando fulminou este anátema: Aquele que não trabalha é um ladrão!
Para compreender o influxo do trabalho sobre as nações, basta comparar a Espanha do século 17 com o pequeno reino da Holanda, enriquecido de pujantes colônias.
A escravidão, que abastardou o caráter de nossa raça, manifestou os seus maléficos efeitos principalmente pelo horror da população livre ao trabalho manual.
Daí a decadência, o declínio rápido e assustador da raça nativa e a supremacia moral que vão conquistando sobre os nossos compatriotas os estrangeiros imigrantes.
Uma política, de curto fôlego e braços paralíticos, acharia remédio contra o fenômeno acusado, no fechamento dos nossos portos à entrada dos europeus. Mas nós veríamos que essa terapêutica insensata não levaria a nada. Para tentarmos a concorrência com os estrangeiros, precisamos enrijar os músculos e a fibra moral da nossa nacionalidade. De uma bem ponderada organização de trabalho, é que depende essencialmente, senão a superioridade, pelo menos o equilíbrio entre faculdades e aptidões que não se distanciam pela vigorescência. O contato social com os alemães, italianos, e polacos advertiu-nos, por certo, da insuficiência dos nossos processos industriais, da imperfeição dos nossos instrumentos de trabalho. Disputamos o idioma oficial, e nisto temos razão; mas é preciso notar que a linguagem, o traço por excelência característico da personalidade, é um dom, que se deteriora ou se perde, quando nos despojamos de outros atributos que nos permitem reagir sobre o mundo exterior. O povo que pode impor a sua língua, é precisamente o mais ricamente dotado pela natureza, o mais capaz pelos seus esforços de conquistar o primeiro plano no cenário das épocas.
Se não evitarmos os delíquios e as síncopes do cérebro e dos músculos seremos condenados à vergonha de recorrermos a línguas peregrinas para emitir as nossas ideias e sentimentos.
Conta-se que os fidalgos arruinados da Polônia punham-se ao serviço dos grandes, preenchendo sem escrúpulo os ofícios domésticos menos honoríficos; mas eles não sacrificavam, em caso algum, a distinção de apanharem bastonadas deitados sobre uma almofada. Aqueles brasileiros que na adoção oficial do seu idioma veem o melhor título de superioridade sobre os estrangeiros, bem podem ser equiparados aos gentis-homens empobrecidos da Polônia.
Que fazer contra o mal que denunciamos? Atrair pela educação, doméstica e oficial, as novas gerações aos labores da oficina. Criar o ensino técnico profissional, animando honrando, recompensando todas as atividades úteis, fomentando os progressos da agricultura e da indústria, por todos os meios, com sacrifício embora de tudo mais. Nobilitando a classe operária, pela admissão dos seus membros mais capazes, aos cargos eletivos, pela sua participação à responsabilidade do governo. Cá em baixo, nas camadas ínfimas, borbulham as fervências da civilização nova, da política salvadora da nossa raça, do futuro brasileiro.
Que aos meios substantivos, dependentes da educação, da transformação dos hábitos se juntem os acessórios entre os quais se compreendem EXPOSIÇÕES INDUSTRIAIS E ARTÍSTICAS, EXPOSIÕES AGRÍCOLAS, PERMANENTES, PRÊMIOS PARA O TRABALHO.
Não podemos prescindir do processo remuneratório, de um bom sistema de recompensas para aliciar ovos recrutas que venham consolidar as falanges das artes manuais, do comércio, da agricultura e da indústria. Também a legislação penal deve ser profundamente modificada, no sentido de aproveitar, pela escola e pela oficina, os menores delinquentes. Os estabelecimentos da Bélgica, da Holanda e da Alemanha, que se destinam à moralização das crianças maculadas pelo delito, não acharam ainda imitação e talvez sejam desconhecidos em nosso país.
Quanto à legislação civil, muito há que polir, que remodelar. O capítulo das sucessões deve ser modificado conforme o voto da escola racionalista. Há longos anos, diz Stuart Mills, Bentham e outras autoridades imponentes reuniram-se nesta opinião que se não existissem herdeiros na linha descendente ou ascendente, a propriedade, em caso de intestato, deveria pertencer ao Estado.
Relativamente aos graus mais afastados de parentesco colateral, este ponto quase que não pode ser contestado. Poucas pessoas sustentarão que haja alguma razão sólida para que as economias de um avarento sem filho, vão, pela morte deste, enriquecer um parente afastado, que nunca o viu, que talvez ignorasse a existência de um tal parentesco até o dia em que lhe adveio o proveito inesperado, ao qual tem tanto direito como qualquer estranho. Mas a razão aduzida neste caso aplica-se igualmente a todos os colaterais, mesmo no grão mais próximo. Os colaterais não têm direito algum real, exceto na hipótese em que o podem ter indivíduos, não parentes: e nos dois casos, quando há direitos a maneira conveniente de recompensar é deixar um legado. ”
Se eu devesse formular, acrescentar o exímio economista, um código de leis conforme ao que me parece melhor em si mesmo, sem tomar em consideração opiniões e sentimentos atuais, preferiria limitar, não a quantidade do que cada indivíduo poderia legar, mas aquela que seria permitido a cada um de adquirir, por legado ou por herança. A pessoa teria o poder de dispor por testamento de todos os seus bens; mas não de dissipá-los para enriquecer um ou alguns indivíduos além de certo maximum que seria fixado na proporção suficiente para oferecer os meios de viver numa independência confortável.
As desigualdades de fortuna que nascem de uma desigualdade de indústria, economia, de perseverança, de talento, e mesmo numa certa medida, de ocasiões favoráveis, são inseparáveis do princípio da propriedade privada, e se aceitamos o princípio, devemos sofrer as consequências; mas não vejo nada de censurável no fato de fixar um limite ao que um indivíduo pode adquirir graças ao simples favor dos seu semelhantes, sem ter feito emprego algum das suas faculdades; e em pedir que este indivíduo, se deseja aumentar a fortuna, trabalhe para este fim.”
Pode-se objetar contra a doutrina exposta por Stuart-Mill, a possibilidade da fraude. Mas basta considerar o que acontece com a partilha obrigatória, para crer na eficácia da limitação proposta. Seria útil semelhante providência, desde que a opinião pública desse-lhe completo assentimento, promovendo-lhe a fiel execução. Evitaríamos o espetáculo dessas fortunas colossais, escandalosas, que irritam as massas indigentes, e facilitam a corrupção dos pobres.
O Estado poderia dar boa aplicação às sobras dessa riqueza acumulada, custeando serviços de utilidade reconhecida e geral.
Relata Lyell, na sua Viagem a América, as magnificências da liberalidade particular em proveito de estabelecimentos nacionais. “Não existe, diz o sábio citado, lei obrigatória para a igual repartição dos bens, na Nova Inglaterra, nem aqui se admite o direito de substituição ou de primogenitura. As pessoas ricas sentem-se livre de dividir a sua fortuna entre os parentes e o estado.
Ali é impossível fundar uma família, e os pais têm muitas vezes a felicidade de ver todos os seus filhos bem providos e numa posição independente muito tempo antes da sua morte. Eu vi uma lista de legados e doações, feitos durante estes trinta últimos anos em proveito de instituições religiosas, beneficentes e literárias, no único estado de Massachussets: eles não se elevavam a menos de 6 milhões de dólares, isto é, mais de um milhão esterlino. ”
Parece que podemos incluir no nosso programa as seguintes reformas:
ABOLIÇÃO DO DIREITO DE SUCESSÃO NA LINHA COLATERAL
LIMITAÇÃO DAS QUOTAS HEREDITÁRIAS PARA O CASO DAS GRANDES FORTUNAS
Deixamos de parte os conceitos que podíamos formular sobre a administração pública. Os governos sob pena de se tornarem nulos para o progresso social, devem abandonar o terreno escabroso da política, e medirem a sua ação, a sua iniciativa, pelas necessidades permanentes da sociedade.
Política e administração são ideias que se chocam e colidem, apesar da conciliação aparente que historicamente as aproxima. Mas, a mesma política partidária, embora entronizada no governo, não seria um mal irremediável, se a probidade, se o mais severo escrúpulo corrigisse as demasias da ambição pessoal, sempre pronta a esgrimir as armas do terror e da corrupção. Pensamos que já seria uma grande fortuna, achar quem poupasse os dinheiros públicos, e recuasse diante dos desperdícios como o personagem do poema grego em face dos Lostrigões.
Para aqueles que se habituaram a viver constantemente à sesta, e bebem a alegria pela taça das contribuições públicas, o melhor dos administradores é aquele que mais prodigaliza, que imita o agrônomo celeste, borrifando a natureza.
Não esqueçamos a observação de Montesquieu sobre os imperadores romanos: “Os piores imperadores romanos foram aqueles que mais deram: por exemplo, Calígula, Claudio, Nero, Othão, Vitellio, Commodo, Heliogábalo e Caracala. Os melhores como Augusto, Vespasiano, Antônio, Marco Aurélio e Pertinax foram econômicos.”
No momento, em que nos expandíamos sobre a virtude da economia, soubemos que fora decretada pelo governo provisório a nova Constituição do Brasil. Este fato transcendente nos enche de jubilo mas leva-nos a refletir sobre a situação geral e política da nossa pátria. Dentre em breve começará o duelo, o prélio cruento das ambições, das vaidades insufladas pela esperança de sucesso.
O povo vai escolher os seus representantes ao Congresso Nacional: mas não se cogita ainda da organização política do Estado que entra em melindroso período. Os antigos partidos dispersaram-se; sinal é que não representavam senão a eternidade da tolice humana. Os homens que regiam as velhas agremiações, hoje desbaratadas, recolheram-se ao silêncio durante a fase da ditadura, não por medo mas para evitar amargos dissabores. Amanhã, porém, virão alegar os seus serviços à liberdade, ao direito dos cidadãos, eles, que vergaram ao tufão destruidor da instituição monárquica.
Qual será, diante das urnas, a atitude das classes laboriosas, sem pré despreza-las, sempre jungidas ao poste do servilismo? Aos artistas e operários, esse refugo do mercado do império resta a consolação de haver nascido no momento da morte universal…
Pela primeira vez no meio de nós ouviu-se a voz do proletário, isto é, daquele que não era nada, e aspira SER ALGUMA COISA.
Sairemos vitoriosos da luta? Galgaremos as alturas, nós que sempre vivemos na planície, longe do sol do privilegio monárquico? Não é grande infortúnio perder a batalha quando se tem a consciência do próprio valor. Mais desgraçada é a sorte daquele que não luta, porque não tem coragem, que se deixa esmagar, porque não possui a alma livre, e perdeu os foros de cidadão.
Aos artistas e operários paranaenses,
SAUDE E FRATERNIDADE
Curitiba, 22 de junho de 1890
O Relator da comissão
Justiniano de Mello e Silva
A COMISSÃO
Agostinho Leandro – Presidente
João Chrispim – Secretário
Giacomo Giordano
Carlos Gaertner
Domingos Gravine
José Jorge
Rodolpho Walvi
Bento Braga
Antonio Schneider
Miguel Berlaque
José Alexandre Marques
João Evangelista da Costa
Domingos Frizola
Pedro Falcci
Raphael Contador
João Leandro R. da Costa
João Alvim d’Oliveira
Gabriel Chorriol
Vicente F. de Araujo
Gustavo Mensing
Carlos Leinig
Nobre Senador, gostaria de receber um exemplar. Sou professora e será de grande valia para mim. Grande abraço.
Elaine Rizzuti
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