A privatização da BR-040 promovida pelo governo, ao apagar das luzes de 2013, não poderia deixar, como ademais é praxe nas suas ações, de nos reservar alguma surpresa. O Planalto vem festejando e a imprensa em geral aplaudindo, o fato de a empresa INVEPAR ter arrematado o lote da BR-040, com deságio de 61,13% em relação ao teto estabelecido pelo leilão como preço máximo. Desta forma, conforme divulgado, os motoristas terão que pagar R$3,22 reais em cada uma das 11 praças de pedágio previstas, enquanto que o teto máximo estabelecido pelo governo era de 8,59 reais. Conforme os termos previstos no edital, também segundo está divulgado, a INVEPAR terá cinco anos para duplicar a extensão de 936,8 km, ao custo de investimento que ensejará o desencaixe de vários bilhões de reais.
Segundo informa a imprensa, que acompanhou os trâmites do leilão, houve disputa entre os diversos grupos interessados na conquista deste que, no entendimento geral, seria um dos melhores negócios existentes no setor de privatização das rodovias federais. Assim, segundo divulgado, os descontos teriam sido ofertados, no leilão, mediante lances que variaram de 4,99% a 44,63% de desconto sobre o teto, aqui excluído, naturalmente, o lance vencedor, que alcançou, como já dito, 61,13% .
Esta situação nos leva a alguma indagações de ordem prática. Não se pretende, aqui, elucubrar mediante a articulação de nenhum raciocínio exótico, complicado, e sequer contido em alguma maquinação mental de natureza sinistra.
Tratam-se, as preocupações a seguir narradas, de meras constatações que o óbvio estampa de forma singela como, aliás, deve ser tudo aquilo que é óbvio: apenas óbvio e nada mais. Assim, vejamos:
De que forma se presume que o governo chegou ao valor financeiro do teto máximo do leilão? Ora, presume-se que chegou, por ser óbvio, olhem o óbvio aqui de novo, ao levantamento, nos projetos das obras e serviços a serem executados, de todos os quantitativos dos mesmos constantes. De posse desses quantitativos, o governo buscou orçar a execução dessas obras e serviços, mediante a coleta dos preços correntes no mercado da construção pesada, particularmente no mercado das obras rodoviárias contratadas pelo próprio governo e em execução. Assim, as referências de preço estariam ao alcance da mão. No mais, conhecendo o custo das obras e serviços, cabia ao governo promover o estudo adequado no tocante à questão do prazo de execução, custos financeiros, tráfego de veículos com o valor do respectivo pedágio adotado e os seus devidos incrementos ao longo de cada ano, enfim, contas, apenas contas, que fazem parte do cotidiano de empreendimentos dessa natureza que, tanto o governo, quanto as empresas interessadas, têm, do mesmo, pleno conhecimento. Mas, o que realmente importa é que, uma vez encontrado o número final daquele que deveria ser o teto máximo do leilão, já estaria computado, nesse valor, o famoso BDI, que se trata da taxa de retorno, ou do lucro, embutido no negócio. Assim, o governo deveria chegar a um valor de teto que tornasse o negócio atrativo para os eventuais interessados, mas, que, também, não violentasse os princípios mais elementares da gestão pública e mantivesse o “campo de batalha”, o “ambiente de briga”, o intervalo de descontos ofertados pelos interessados, em espaço compatível com percentuais que, no mínimo, se aproximassem não apenas uns dos outros, mas também do teto máximo propriamente dito.
Ora, e porque isto é óbvio? É óbvio porque a metodologia, as fórmulas de cálculo, as composições de preços adotadas por todos os interessados, inclusive pelo governo, são praticamente as mesmas. O que pode variar é o valor do BDI, ou seja, da taxa de retorno, que o governo pode cravar como aceitável. Assim, se, por exemplo, um viaduto tem o seu custo orçado em 10 milhões de reais, mas o governo está disposto a pagar por ele o preço final ( custo acrescido do lucro ) de 20 milhões, então existe uma distorção clara. E, quando existe a distorção, o mercado, ou seja, os interessados, podem se comportar de duas formas: ou eles se acertam e cravam, na disputa, o seu preço encostado nos 20 milhões aceitos pelo governo e depois se fartam, entre si, distribuindo o sobrepreço, ou, então, não se entendem, ou, melhor, se desentendem, e partem para a “briga”, na linguagem adotada pelas empresas do setor da construção pesada. Enfim, quando há briga, segundo o segmento, deixam-se na mesa alguns milhões, que poderiam adornar o jogo de interesses que tão mal tem feito ao país.
Mas, deixando de lado meras elucrubrações, verdade é que a licitação somente pode ser considerada idônea, quando o preço orçado e aceito pelo ente licitante está dentro dos parâmetros de mercado e comporta disputa entre os interessados, que se enfrentam mediante a oferta de números não muito distantes do preço orçado. Raramente, principalmente quando as empresas que se enfrentam na licitação têm porte equivalente, alguma delas possui vantagem competitiva lícita que lhe permita ofertar preço radicalmente abaixo daquele orçado e aceito pelo licitante.
Outra possibilidade ocorreria em estando aquele segmento do mercado rigorosamente mapeado, onde as empresas tradicionalmente voltadas para determinado segmento, estariam acordadas em distribuição prévia dos grandes negócios, em cuja distribuição estariam devidamente contempladas, seja por entendimento e até por sorteio acordado entre elas, e ficariam, nessa eventualidade, apenas no aguardo, na fila, da sua vez de abocanhar esta ou aquela licitação, seja por leilão ou por qualquer outra forma de concorrência pública.
Mas, no caso presente, como interpretar uma empresa ganhar leilão oferecendo desconto de 61,13% sobre o teto, enquanto as suas co-irmãs, que também participaram da licitação, apresentaram descontos muito menores? Teriam estas empresas, no leilão, ignorado o teto máximo adotado pelo ente licitante, por ser o mesmo demasiadamente exagerado, e estabelecido uma faixa de disputa considerando teto muito inferior? Ou, mesmo estando acordadas, para uma disputa de mentirinha, se assustaram com o valor do teto e tementes por comparações com os contratos de concessões em vigor, optaram por puxar o preço para baixo e evitar futuros contratempos?
Se voltarmos no tempo e buscarmos a lembrança do Decreto-lei 2.300/86, quando o mesmo regia as licitações públicas, antes do advento da Lei 8.666/93, vamos encontrar a figura do preço-base, que tanta alegria trouxe ao segmento das grandes empresas da construção pesada. Naquela época o preço-base, estabelecido pelo órgão, admitia propostas em percentual acima ou abaixo do mesmo. Quando os empreiteiros não se entendiam, todos ofertavam preço exatamente no percentual admitido pelo licitante abaixo do preço- base, e a questão era decidida pela nota técnica, mediante todos os sortilégios conhecidos. Quando ocorria o acerto entre os interessados, o vencedor previamente escolhido entre os mesmos ofertava o seu preço ligeiramente abaixo do limite superior aceito pelo licitante, considerado o preço-base, e esta gordura era distribuída entre aqueles que, ou fizeram a devida “cobertura” para legitimar o processo, ou, então, simplesmente se afastaram sem gerar ruídos ou criar dificuldades.
Enfim, tudo é possível. Mas, salta aos olhos o desconto de 61,13 % sobre o valor orçado pelo governo, que somente o MPF, mediante criteriosa análise de todas as propostas e, principalmente, do processo interno, da administração, que deu origem ao certame, poderá esclarecer.
Esta situação, que por si só apresenta contornos de inegável suspeição, parece estar conectada a uma outra questão, não menos intrigante. Quem é afinal essa INVEPAR?
Uma rápida busca na Internet, inclusive no site ostentado pela própria empresa, revelou informações no mínimo preocupantes. O capital da empresa, em 2012, não chegava a 110 milhões de reais e, naquele ano, a INVEPAR deu prejuízo de 24 milhões de reais. Afora isto, mediante o fato de a INVEPAR administrar rodovias, operar o Metrô do Rio de Janeiro e administrar o Terminal do Aeroporto de São Paulo, a empresa parece ter esgotado a sua capacidade de endividamento, haja vista os enormes compromissos financeiros até agora assumidos. Aliás, vale lembrar, por oportuno, que do site da empresa, na Internet, consta declaração do atual presidente da INVEPAR, Senhor Gustavo Rocha, na qual ele se alegra pelo fato de a empresa ter atingido, em 2012, receita bruta consolidada de 2,2 bilhões de reais e obtido no mesmo ano o lucro líquido de 24 milhões de reais. Resta acrescentar que nos exercícios anteriores a 2012 a INVEPAR primou pelo prejuízo financeiro.
O ilustre Presidente da INVEPAR que nos perdoe, mas esse lucrinho pífio não vai ser de grande valia ao enfrentamento dos compromissos de bilhões de reais que a empresa assumiu no tocante à concessão da BR-040.
Ademais, a INVEPAR, que tem como acionistas a empreiteira OAS e os fundos PREVI, FUNCEF e PETROS, por si só está a merecer as atenções do Ministério Público Federal, porque:
Não foi possível, através das informações contidas no site da empresa, na Internet, verificar os percentuais de participação acionária de cada sócio. Contudo, florescem, na mesma Internet, dados no sentido de que a OAS tem apenas 10% das ações da empresa, enquanto que as demais estão distribuídas em 50% para a PREVI, 20% para a FUNCEF e 20% para a PETROS.
Esta informação parece proceder, porquanto o “Acordo de Acionistas” da INVEPAR reza que “o Fundo renunciará, em favor da OAS, ao exercício do direito de preferência à subscrição exclusivamente até que a OAS passe a deter 50% do capital social total votante da INVEPAR”.
Ora, este “favor” não deveria se adequar à razoabilidade da gestão de empresas constituídas mediante recursos originários do bolso de funcionários de estatais, porque haveria uma benesse, um presente, para uma empresa privada, que teria todo o tempo do mundo, para se tornar “meeira” de organização que tende a se transformar em uma das maiores do país. E, pior, reza o “Acordo de Acionistas” da INVEPAR, que “caso a INVEPAR venha a obter a outorga de alguma concessão, a sociedade de propósito específico que vier a ser constituída contratará a OAS, ou as sociedades integrantes do grupo OAS, para a execução das obras e serviços de engenharia”.
Está aqui o pulo do gato, que me perdoem a expressão cotidiana. Mas, o que está óbvio, olha o óbvio aqui de novo, é que a OAS vai se tornar dona de 50% das ações da INVEPAR mediante os recursos que vier amealhar trabalhando para a própria INVEPAR. Assim fica tudo muito fácil.
Enfim, por derradeiro, há muita coisa obscura neste leilão da BR-040. Aliás, as coisas não apenas estão obscuras, como estão cheirando mal. Assim, não me resta alternativa senão requerer à MESA do Senado da República que encaminhe estas reflexões, sob a forma de denúncia de graves indícios de irregularidades, ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério Público Federal, até porque se tudo der errado, mediante esse desconto inusitado, quem vai pagar a conta são os fundos de pensão.