Consultoria Legislativa
NOTA INFORMATIVA Nº 99, DE 2013
Relativa à STC nº 2013-00226, do Senador ROBERTOREQUIÃO, que solicita a análise de eventuais meios para a impugnação de decreto legislativo que manteve veto aposto fora do prazo.
O Senador ROBERTO REQUIÃO solicita a esta Consultoria a análise sobre quais os meios judiciais cabíveis para a impugnação de decreto legislativo da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEPR) que manteve o veto do Governador do Estado ao Projeto de Lei nº 127, de 2010, apesar da intempestividade da oposição do Executivo.
Inicialmente, cabe relatar brevemente o caso em questão, para, depois, apontar os fundamentos jurídicos e os meios cabíveis para uma possível impugnação do ato da ALEPR.
1.
RELATO DO CASO
O solicitante – então Governador do Estado do Paraná – encaminhou à ALEPR a Mensagem nº 025/10, relativa ao anteprojeto de lei que criava a Ferrovia da Integração do Sul(Ferrosul). No Legislativo, o projeto recebeu o número 127/10 e restou aprovado em 9 de junho de 2010.
Encaminhado ao Executivo no mesmo dia, o Projeto foi vetado pelo novo ocupantes da Governadoria, em 6 de julho. Os motivos da discordância foram encaminhados, na mesma data, por meio do Ofício OF/CTL/CC nº 127/2010.
A ALEPR, contudo, não apreciou o veto, nem determinou a promulgação da Lei. Por conta disso, o Secretário-Chefe da Casa Civil remeteu novo ofício (OF-CEE/CC nº 2076/10), em 3 de setembro de 2010, reconhecendo a aposição do veto fora do prazo, mas alegando que, diante do descumprimento do prazo para o Legislativo determinar a promulgação da Lei (em virtude da ocorrência da sanção tácita), deveria ser convocada sessão para conhecer as razões do veto e sobre elas deliberar.
A Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa recomendou a apreciação do veto, que “foi aposto tempestivamente, respeitando o prazo legal” (Parecer nº 041/10, de 13 de setembro de 2011).
Por fim, na sessão de 30 de novembro de 2011, a ALEPR apreciou o veto, mantendo-o.
2.
ANÁLISE JURÍDICA DO ATO DA ALEPR
De acordo com a Constituição Federal (CF), o prazo para o Presidente da República sancionar ou vetar projetos de lei é comum: quinze dias úteis (art. 66, §§ 1º e 3º). Decorrido o prazo sem manifestação, verifica-se a sançãotácita.
A Constituição do Estado do Paraná(CEPR) não se distanciou desse regramento (nem poderia fazê-lo, já que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, as normas básicas de processo legislativo são de observância obrigatória pelos Estados-membros), como se colhe dos §§ 1º e 3º do art. 71.
Dessa forma, o veto intempestivo é ineficaz, uma vez que, com o decurso dos quinze dias úteis, contados do recebimento do projeto, já houve a integração no plano da existência, transformando o mero projeto em uma verdadeiralei – que deverá, então, ser promulgada e publicada.
Assim, diante de mensagem de veto encaminhada fora do prazo constitucional, a ALEPR deveria ter desconsiderado o ato do Executivo, declarando a ocorrência de sanção tácita e determinando a promulgação da lei pelo Governador (CF, art. 66, § 5º; CEPR, art. 71, § 5º).
Obviamente, a eventual demora do Legislativo em devolver a lei que sofreu veto intempestivo (isto é, que foi tacitamente sancionado) não tem o condão de convalidar o ato aposto fora do prazo pelo Executivo. Em primeiro lugar, porque uma conduta ilícita não compensa a outra. Em segundo plano, porque não há prazo constitucional para a Assembleia determinar ao Governador que promulgue a lei (o que há é o prazo para que, uma vez comunicado, este providencie a promulgação). E, mais importante, porque, com o decurso do prazo, ocorre a sanção tácita de forma automática: o ato da Assembleia de rejeitar o veto intempestivo é meramente declaratório, confirmatório.
Conclui-se, portanto, ser ilícito e inconstitucional o ato da ALEPR que deliberou sobre o veto intempestivo – ainda mais por ter mantido o ato do Executivo.
3.
POSSÍVEIS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DO ATO DA ALEPR
Primeiramente, afasta-se a possibilidade de a própria ALEPR editar novo decreto legislativo desfazendo os efeitos da manutenção do veto. Isso porque incide, no caso, o princípio da preclusão, que impede a reabertura de fases processuais já superadas. Nesse sentido, inclusive, há decisão do STF (Pleno, ADI nº 1254/RJ, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 17.03.2000).
Resta, então, a possibilidade de impugnação judicial do ato, por meio de instrumentos do controle difuso e/ou concentrado de constitucionalidade.
Em sede de controle difuso, como se tratava o projeto de norma de efeitos concretos com a finalidade de melhorar a malha ferroviária regional, entendemos ser possível a qualquer cidadão brasileiro ajuizar ação popular, para anular ato lesivo à moralidade administrativa e ao patrimônio de empresa de que o Estado do Paraná participa (CF, art. 5º, LXXIII).
Ressalve-se, contudo, que a ação popular, como instrumento do controle difuso de constitucionalidade, deve ter por objeto a anulação do ato lesivo (decreto legislativo que manteve o veto): a questão de inconstitucionalidade deve surgir de forma incidental, não no pedido, mas na causa de pedir.Nesse sentido, já decidiu o STF, ao julgar a Reclamação (Rcl) nº 664/RJ (Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 21.06.2002). Nesse caso, a ação deveria ser proposta em um juízo de primeira instância da Justiça Estadual do Paraná.
Outro caminho seria o ajuizamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade, para impugnar diretamente o decreto legislativo no STF. Resta, porém, analisar qual seria a ação de controle concentrado cabível.
De acordo com a Constituição Federal, é cabível ADI para impugnar a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. O ato de manutenção do veto pela ALEPR obviamente não é lei, nem pode ser classificado como ato normativo, uma vez que não possui conteúdo geral ou abstrato. Dessa forma, entendemos não ser cabível ajuizar ADI.
Existe, porém, a possibilidade de se questionar a constitucionalidade do ato da ALEPR por meio de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (CF, art. 102, § 1º). De acordo com o art. 1º da Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, a arguição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
No caso em questão, o preceito fundamental lesado seria o § 1º do art. 66 da CF, que estabelece o prazo de quinze dias úteis para o exercício do poder de veto. E o ato do Poder Público que descumpre esse preceito fundamental é justamente a manutenção do veto intempestivo pela ALEPR.
É possível, aliás, questionar judicialmente ambos os atos do Poder Público: o veto em si, por ter sido aposto de forma intempestiva, e o decreto legislativo da ALEPR que acatou o ato do Executivo praticado a destempo.
Ademais, não há outro meio igualmente eficaz para sanar essa lesão ao preceito do art. 66, § 1º, da CF, o que preenche o requisito da subsidiariedade contido no § 1º do art. 4º da Lei nº 9.882, de 1999.
Ressalve-se, contudo, que, no julgamento da ADPF nº 1 (STF, Pleno, Relator Ministro Néri da Silveira, DJ de 07.11.2003), a Corte entendeu que não cabe ADPF contra o veto, devidamente fundamentado, pendente de deliberação política do Poder Legislativo – que pode, sempre, mantê-lo ou recusá-lo. Porém, ao apreciar monocraticamente a ADPF nº 45, o Ministro Celso de Mello (DJ de 04.05.2004) defendeu o cabimento dessa ação contra veto presidencial que concretamente viole a Constituição.
De qualquer forma, a ADPF tratava de veto ainda não apreciado pelo Legislativo, situação bastante diversa da que ora se analisa. Ademais, importante corrente doutrinária sustenta o cabimento de ADPF contra o próprio ato do veto, ou contra o ato do Legislativo que indevidamente o acata.
4.
CONCLUSÃO
Em resumo, portanto, consideramos ser cabível questionar judicialmente o ato da ALEPR, seja pela via do controle difuso – por meio, por exemplo, de ação popular –, seja pelo caminho do controle concentrado de constitucionalidade (nesse caso, mediante ADPF).
Permanecemos à disposição do Senador ROBERTO REQUIÃO para quaisquer esclarecimentos que julgar necessários.
Consultoria Legislativa, 14 de fevereiro de 2013.
João Trindade Cavalcante Filho
Consultor Legislativo
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