Nos termos do inciso I do art. 102 do Regimento Interno do Senado Federal, compete à CE opinar sobre proposições que versem, entre outros assuntos, a respeito de normas gerais sobre educação, instituições educativas, e diretrizes e bases da educação nacional. Dessa maneira, a apreciação do PLC nº 79, de 2011, respeita a competência regimentalmente atribuída a esta Comissão.
O objeto do PLC nº 79, de 2011, insere-se na competência legislativa do Congresso Nacional, prevista no art. 48 da Constituição Federal, e sua iniciativa pertence ao Presidente da República, nos termos do art. 61, § 1º, inciso II, alínea “e”, da Constituição Federal.
É deveras conhecida a novela da criação da EBSERH, tentada mediante a edição da Medida Provisória nº 520, de 2010, que perdeu eficácia por falta de deliberação do Senado Federal sobre o Projeto de Lei de Conversão nº 14, de 2011.
Sabe-se que a razão principal da criação da empresa reside na tentativa de solucionar as irregularidades da contratação de mais de 26 mil profissionais da saúde, por meio das fundações de apoio das universidades. A situação era conhecida há mais de cinco anos, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu pela ilegalidade das contratações e determinou que os desvios fossem corrigidos (Acórdão 1193/2006 –TC – Plenário, sessão de 19 de julho de 2006). Não faltou tempo para que o Poder Executivo tomasse as devidas providências para a realização de concursos públicos com o fim de selecionar os funcionários dos hospitais universitários.
A solução vislumbrada pelo Poder Executivo foi a criação de uma inusitada empresa, inicialmente por meio de medida provisória e, depois, diante da resistência parlamentar, mediante a proposição ora em exame. Muitos questionamentos sobre a juridicidade e constitucionalidade das normas que regem a EBSERH têm sido levantados. Decerto, cabe à CCJ decidir sobre a matéria. Todavia, em meio aos problemas de mérito educacional da iniciativa, não há como deixar de mencionar a precariedade de sua sustentação legal e constitucional, particularmente quando afeta diretamente a área da educação.
A Câmara dos Deputados ainda se esforçou para estabelecer algumas garantias com vista a assegurar o bom funcionamento da EBSERH. Assim, buscou afastar a hipótese de privatização dos hospitais universitários, mediante a exclusão da forma de sociedade anônima e a adoção do modelo de sociedade unipessoal, semelhante ao que foi estabelecido pela Lei nº 10.847, de 15 de março de 2004, quando da criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Para evitar que a privatização da EBSERH fosse promovida por meio de subsidiárias eventualmente criadas, acrescentou-se a expressa determinação de sua sujeição às normas aplicáveis à empresa, com exceção da composição de seus Conselhos de Administração e Consultivo. Também se buscou prevenir a prestação de serviços a instituições privadas, mediante a adequação do conceito de instituições congêneres às instituições federais de ensino. Outra medida cautelar da Câmara dos Deputados consistiu na destinação dos lucros eventualmente auferidos pela EBSERH à prestação de suas atividades-fim. Por fim, foi prevista a participação de representantes do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde e dos trabalhadores da nova empresa em seu Conselho de Administração, como membros natos
Apesar desse esforço, persistiram os problemas da proposição, tanto no que diz respeito ao mérito educacional quanto à sua situação jurídica. Assim, evidencia-se no projeto o desrespeito à autonomia universitária, inscrito no art. 207 da Constituição Federal. A autonomia administrativa das universidades é abertamente ferida pela transferência, para a EBSERH, dos serviços prestados pelos hospitais universitários, bem como de sua respectiva administração. Ademais, a criação da empresa não traz, na prática, qualquer garantia da manutenção do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, essenciais ao conceito de universidade.
A ambiguidade das normas que são criadas para reger a EBSERH não representa apenas o início de um imbróglio jurídico, mas evidencia, também, a certeza de sua inoperância e da criação de uma instituição que tende a ser marcada por desmandos administrativos.
No governo do Estado do Paraná vivenciamos o problema na gestão de pessoal constituído por empresas sustentadas por recursos públicos, mas com natureza jurídica privada. As disparidades salariais e a indústria das ações judiciais pleiteando aumentos de remuneração representavam um desafio à racionalidade e ao bem público. Com determinação, alteramos esse quadro, mediante a transformação dessas empresas em autarquias. No fim, saíram ganhando o conjunto dos funcionários desses órgãos e os contribuintes paranaenses.
No caso em análise, temos a criação de uma instituição de natureza empresarial. A exposição de motivos que acompanhou a mensagem presidencial refere-se à implantação de “um modelo de gestão administrativa, orçamentária e financeira baseado em resultados e em efetivo controle de gastos”. Dessa forma, continua a mensagem, o projeto proporia “nova modelagem jurídico-institucional para as atividades e os serviços públicos de assistência médico-hospitalar e ambulatorial executados pelos hospitais das universidades públicas federais, com o objetivo de viabilizar um modelo de gestão mais ágil, eficiente e compatível com as competências executivas desses hospitais”. Assim, A EBSERH obterá receita pela prestação dos serviços. A ela fica assegurado “o ressarcimento das despesas com o atendimento de consumidores e respectivos dependentes de planos privados de assistência à saúde, na forma estabelecida pelo art. 32 da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, observados os valores de referência estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar”.
Essa faceta empresarial, no entanto, é pura fachada. Ela, na verdade, abre as portas para levar os hospitais universitários a aprofundar sua caótica política de pessoal. Estranhamente, essa nova empresa será sustentada por recursos oriundos de dotações consignadas no orçamento da União, como expressamente afirma o projeto. Que empresa é essa que depende de recursos orçamentários da União para sobreviver?
O projeto dispensa a licitação para a contratação da EBSERH pela administração pública com o fim de realizar atividades relacionadas ao seu objeto social. Ora, não se está aqui admitindo situações especiais, previstas em lei, na qual o gestor público pode optar pela dispensa de licitação. Estabelece-se no caso um tratamento privilegiado para uma empresa pública, como se, diante da perspectiva de uma gestão ineficiente e de sua incapacidade de concorrer com outras empresas que atuam na mesma área, ela precisasse de uma proteção legal. Na ausência do ambiente concorrencial, aumenta consideravelmente a probabilidade de a empresa pública passar a privilegiar parte de seu corpo de funcionários ou determinados fornecedores, sem a necessária contrapartida de produtividade e da qualidade dos serviços oferecidos à população.
Além disso, embora, adequadamente, o projeto determine que o lucro líquido seja reinvestido nos fins sociais da instituição, confere-se um amplo campo de aplicação para esse reinvestimento. Assim, por exemplo, nada impede que o lucro seja aplicado na concessão de privilégios remunerativos para parte dos funcionários ou em luxos dos mais diversos tipos para seus diretores e conselheiros.
Para viabilizar sua implantação, a EBSERH é autorizada a contratar, mediante processo seletivo simplificado, pessoal técnico e administrativo por tempo determinado. Esses contratos temporários de emprego somente poderão ser celebrados durante os dois anos subsequentes à constituição da EBSERH. Eles poderão, ainda, ser prorrogados uma única vez, desde que a soma dos dois períodos não ultrapasse cinco anos. Ora, essa prorrogação abre espaço para a continuidade da situação que se procura resolver. Nada obsta que essa extensa temporalidade de cinco anos acabe por ser objeto de sucessivas prorrogações legais.
Por fim, curiosamente, o projeto autoriza os Estados a criar empresas públicas de serviços hospitalares, nos moldes da EBSERH. Ora, além do potencial estímulo à reprodução de instituições que tantos riscos trazem à gestão da saúde pública, a União não tem competência para conceder essa autorização, dada a autonomia dos entes federados de organizarem sua administração, observados os parâmetros inscritos no texto constitucional.
Quanto às mudanças no Código Penal, ainda que válidas no mérito, elas, no bojo do projeto, não respeitam as determinações do art. 7º, I e II, da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, segundo a quais “excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto” e “a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão”.
Em suma, o PLC nº 79, de 2001, cria um simulacro de empresa para sanar a inoperância do Governo Federal em resolver um problema por ele próprio criado. Assim, o que busca a proposição é promover uma mudança na natureza jurídica dos hospitais universitários, atropelando a autonomia das universidades, para conferir legalidade à mesma situação de precariedade na gestão de pessoal, certamente dando azo ao favoritismo e ao desperdício de recursos públicos.
Desse modo, nossa posição, quanto ao mérito educacional, é pelo não acolhimento do projeto.
III – VOTO
Em face do exposto, o voto é pela REJEIÇÃO do Projeto de Lei da Câmara nº 79, de 2011.
Sala das Comissões,
, Presidente
, Relator
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