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PPPs Portuguesas e um alerta ao Governo Dilma

No próximo mês, segundo se prevê, deve acontecer o leilão do trem-bala, que pretende ligar Campinas ao Rio de Janeiro. Depois de sucessivos adiamentos, a nossa mui ilustre e afamada Agência Nacional de Transportes Terrestres promete o leilão.
Mas enquanto o nosso trem não vem, convido as senhoras e senhores senadores para um olhar do outro lado do Atlântico. Portugal. Uma das heranças do falecido Partido Socialista, ideologicamente expirante, legada à vitoriosa aliança direitista, são exatamente as Parcerias Público Privada, as nossas tão conhecidas PPPs, lá também como o mesmo nome e com os mesmos problemas.

Portugal fez PPPs para tudo. Para construir hospitais, estradas, pontes, ferrovias e, como aqui, para construir linhas de trem de alta velocidade. Agora, mergulhado em crise, o governo português pode espetar as contas das parcerias no lombo do contribuinte.
Afinal, Parceria Público-Privada é assim mesmo. O governo faz todas as concessões sonhadas pelos capitalistas que detestam riscos, e se o empreendimento der chabú, a conta é da viúva, quer dizer, do povo.
Eis o exemplo lusitano.
A PPP portuguesa para a construção de um Trem de Grande Velocidade, TGV, entre Lisboa e Madri, por causa da crise, corre o risco de ficar pela metade, já que foi construído apenas um dos trechos previstos.

 

Tem-se, então, meio trem, como critica a oposição de esquerda daquele país. Meio trem, mas um conta inteira para os contribuintes, já que os parceiros privados não levarão um centavo de euro de prejuízo para casa.
Quando Portugal adotou o arranjo das PPPs, dizia-se em Lisboa, como se diz hoje em Brasília: o risco é todo dos empresários.
Lorota, peta, conto da carochinha, como se diz lá e entendemos perfeitamente aqui. Como há dinheiro público nos empreendimentos, qualquer desastre o Estado, quer dizer nós, os contribuintes, pagamos o pato.

 

 

 

A esquerda portuguesa (por favor, não vamos confundi-la com o Partido Socialista, que este já fez a transição para a direita liberal) calcula que as despesas acumuladas com as PPPs vão chegar a 48 bilhões de euros. Até 2050, cada português vai ter que desembolsar quatro mil e quinhentos euros para financiar as Parcerias Público-Privadas.
Ou muito mais do que isso, já que uma das características das PPPs lusitanas como de resto das nossas e as de outros países que adotam o sistema, é a incógnita do preço final do contrato. O preço final é um sempre um mistério, um enigma, é o xis a ser perscrutado.
Vejam, como exemplo, o nosso trem-bala. Há quem assegure que o preço da traquitana chegará a 50 bilhões de reais, um valor bem acima dos 30 bilhões que hoje se divulga.

Como informa a esquerda portuguesa, não há uma única PPP naquele país que não tenha sido renegociada. Vire e mexe, isso e aquilo, coisa e loisa e fazem-se os tais reequilíbrios econômico-financeiros.
Na verdade essa é uma das marcas da doutrina neoliberal. Os contratos obedecem ao princípio do pacta sunt servanda. Não podem ser tocados, não podem ser revistos. Não podem ser emendados, mesmo que contenham graves atentados contra o interesse público. A não ser que seja para aumentar o preço originalmente acertado. Aí pode mexer no contrato.
Outra semelhança notável entre as PPPs de lá com as da banda de cá são os governantes público-privados.

 

Ouçam o que diz o dirigente do Bloco de Esquerda de Portugal, Jorge Costa. Ouçam e me digam se o caso não soa tão familiar.
Diz ele: “ A história das parcerias público-privadas é a de uma profunda promiscuidade entre governos e conselhos de administração destes grupos econômicos. Em ambos os lados desta promiscuidade, encontramos muitas vezes os mesmos protagonistas.”
E mais: “Os concedentes e parceiros públicos de ontem são os concessionários e parceiros privados de hoje. Entre os ministros e secretários de Estado dos setores estratégicos, vamos encontrar expoentes dos parceiros privados do Estado”.

 

São os governantes público-privados, com o dizem os portugueses.
Desta tribuna, já biografei um desses expoentes da governança público-privada, o senhor Bernardo Figueiredo, diretor-geral da Agência Nacional de Transporte Terrestre, a ANTT, o fiador de nosso trem-bala.
Em 1994, ele era chefe de gabinete do presidente da Rede Ferroviária Federal, e participou dos estudos para privatizar a ferrovia. No ano seguinte, ele está do outro lado do balcão, na presidência de uma empresa beneficiada pela privatização. Mais um ano e ei-lo no Conselho de Administração da ALL, arrematadora de toda a malha ferroviária do sul do país.

 

 

Entre 1999 e 2003, Bernardo Figueiredo ocupa a direção executiva da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, a ANTF, que reúne os concessionários ferroviários privados e cuja função é defender os interesses destes junto ao Governo.
Em 2004, ele volta para o serviço público, assume a diretoria da Valec, empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes. Lá, elabora um plano de revitalização das ferrovias baseado em Parcerias Público-Privadas.
Em 2008, completa esse interessante périplo entre o público e o privado assumindo o posto de hoje, diretor na ANTT. Um dia presidente da associação que reúne as empresas privadas do setor ferroviário, a ANTF.

Noutro dia, diretor da agência pública responsável pela fiscalização do setor privado, a ANTT.
ANTT…. ANTF….de tão semelhantes as siglas devem confundir o senhor Bernardo Figueiredo. Será que ele onde está hoje?
Pois bem, senhoras e senhores senadores, é ele que conduz o projeto do trem-bala.
Outro homem público-privado também em evidência nesses dias é o senhor Henrique Meirelles. O nosso banqueiro que gosta de trocar confidências com diplomatas norte-americanos é agora Autoridade Pública Olímpica. E pelo que a Câmara aprovou –e espero que esta Casa rejeite– poderá ser uma delícia presidir essa farra público-privada, porque teremos até licitação secreta. Meu Deus!.

É bem verdade que perdemos um bem aquinhoado ministro público-privado recentemente. Mas a sua condição continua bem representada no Governo.
Por fim, acrescentaria mais uma característica das Parcerias Público-Privadas de Portugal que se assemelha às nossas, que se duplica nesta Terra de Santa Cruz . Os preços das obras. Normalmente, quase que como regra, os preços das PPPs são superiores aos preços de mercado. Às vezes, dobram.
Por que? Por causa dos riscos, dizem os cínicos. Que riscos se o Tesouro, isto é, os contribuintes, garantem o parceiro privado contra todo risco?

 

Senhoras e senhores, são as preocupações sobre o trem-bala, sobre as
PPPs que me inquietam, me enchem de dúvidas e me angustiam. O exemplo português, que trouxe aqui, reforça o meu desconsolo com o que também acontece em meu país.
Por outro lado, vejo semelhança no distanciamento do Partido Socialista português de seus princípios fundadores com o distanciamento de parte da esquerda brasileira de seus compromissos históricos.
Não adianta se consolar dizendo que a história não se repete. A farsa é mais deprimente ainda.

Senhoras e senhores senadores. Dou por findo este pronunciamento, com uma notícia de última hora.

Leio nos jornais que, pela terceira vez, deve ser adiado o leilão do trem-bala, por falta de acordo entre Governo, empreiteiras e fornecedores de tecnologia.
As empreiteiras, por exemplo, acham que o orçamento do Governo, 38 milhões de reais, é pouco, já que elas calculam a obra em 55 milhões de reais.
Além do que, as empreiteiras gostariam mesmo que o Governo construísse a obra. E, depois de pronta, fizesse a concessão do trem para a iniciativa privada.
Que coisa maravilhosa! O Governo assume todos os riscos, constrói e, depois, dá o trem para tal da iniciativa privada explorar e lucrar.
Isso é capitalismo ou esperteza?
Ou capitalismo, é antes de tudo, esperteza?