Requião diz que também no futebol mercado não resolve tudo
Avaliando a segunda e última parte da audiência pública para discutir direitos de transmissão de jogos de futebol, nesta quarta-feira, 27, na Comissão de Educação do Senado, o presidente do colegiado, senador Roberto Requião, disse que também nesse assunto é preciso alguma sorte de regulamentação já que a chamada mão invisível do mercado não resolve tudo.
Segundo o senador, o grande interesse nacional despertado pelo futebol e o fato de as televisões serem concessões do Estado exigem dos poderes públicos participação no debate. Requião informou que de posse dos depoimentos de dirigentes de clubes, de federações e de emissoras de televisão, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte dispõe de um acervo de idéias e propostas para preservar os direitos dos torcedores e contribuir para a democratização e fortalecimento do esporte mais popular do país.
Participaram na audiência da quarta-feira o presidente do CADE, Fernando Furlan, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, o presidente do Clube dos 13, Fábio Koff, o vice-presidente das Organizações Globo, Evandro Guimarães, o superintendente de Operações da RedeTV, Edejail Adib Antônio-Kalled, o diretor de Aquisições e Eventos da Rede Record, Paulo Calil, e o diretor de Esporte do Grupo Bandeirantes de Televisão, José Carlos Silveira.
Representantes da Comissão de Esporte e Turismo da Câmara Federal, presidida pelo deputado Jonas Donizete (PSB-SP), a convite de Requião, também participaram da audiência.
Impasse
Já na final da sessão, uma pergunta do deputado e ex-jogador Romário de Souza Faria, resumiu o impasse criado para a transmissão dos jogos do campeonato nacional de futebol. Ele queria saber, depois de quatro horas de debate, que emissora seria detentora dos direitos, e a resposta dos depoentes foi: “Não sabemos”. A dúvida persistia também porque até o momento da audiência a Globo não havia ainda remetido ao CADE os contratos já assinados com mais de uma dezena de clubes. O Conselho quer analisar os contratos para ver se eles não ferem as regras da livre concorrência.
O presidente do CADE, Fernando Furlan, esclareceu mais uma vez que a “cláusula de preferência”, que dava à Rede Globo todas as vantagens para renovar indefinidamente o contrato de transmissão dos jogos, foi a razão da suspensão do antigo acordo, possibilitando a concorrência promovida pelo Clube dos 13, que agora também é contestada e pode caducar.
Furlan garantiu que o Conselho “ vai ser rigoroso” na análise dos contratos da Globo com os clubes e poderá suspendê-los, caso verifique alguma irregularidade.
O presidente do CADE considerou legítima a atitude do Senado ao tratar do assunto e a preocupação da Casa com a regulamentação do tema.
O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, disse que desde l997, com o surgimento do Clube dos 13, a entidade mantém-se à margem da assinatura dos contratos de transmissão dos jogos, logo sua participação na audiência não teria grande peso.
Já o presidente do Clube dos 13, Fábio Koff, reconheceu que ficou “com o pincel na mão”, quando a concorrência que fez, vencida pela RedeTV! não foi reconhecida por qualquer clube. Chegou mesmo a dizer, respondendo a perguntas de vários senadores, que não saberia dizer se o Clube dos 13 ainda existe ou não.
Koff defendeu a licitação que fez, garantindo que ela cumpriu todas as exigências do CADE para garantir o livre mercado. Ele lembrou ainda que o primeiro contrato que o Clube dos 13 fez para a transmissão dos jogos era de cerca de 30 milhões de reais por ano, e que , agora, os direitos podem ser negociados por 1,4 bilhão de reais.
O presidente do Clube dos 13 pôs dúvidas quanto ao cumprimento por parte da Rede Globo das determinações do CADE: “Uma das partes, o Clube dos 13, cumpriu. E a Globo?”.
Televisões
O representante da Globo, Evandro Guimarães, disse que os “critérios objetivos” adotados pela licitação do Clube dos 13, preocupando-se basicamente com o preço do contrato, desagradou a maioria dos clubes do país, que optaram assinar, individualmente, com a emissora por causa das vantagens, não apenas comerciais, que ela oferece.
Guimarães defendeu ainda a rebelião dos times contra o Clube dos 13 como “legítima”, já que eles estariam buscando “a melhor oferta e quem a oferecia era a Globo”. Evandro Guimarães desdenhou as condições de cobertura da RedeTV!, dizendo, por exemplo, que ela tem apenas 673 retransmissoras em todo o país, contra 3.305 da Globo. E que o principal noticiário da RedeTV! alcança uma audiência de apenas três por cento, contra a média de 50 por cento do Jornal Nacional. Para ele, dados como esse levaram os clubes a assinar com a emissora.
Adib Kalled, da RedeTV!, por sua vez, reforçou dúvidas de Fábio Koff, perguntando se a Globo “não estaria infringindo a lei das concorrências e do livre mercado de forma diferente, na assinatura de contratos individuais com os clubes. Ele disse que a RedeTV” decidiu licitação promovida pelo Clube dos 13 por acreditar “em um novo tempo, um tempo de transparência”.
Segundo Kalled, a RedeTV! teria condições de transmitir os jogos em horários “civilizados”, coisa que a Globo não faz por causa de sua grade de programação. Acusou ainda a emissora dos Marinho de destruir qualquer possibilidade de crescimento de outras redes no país. E comparou: “É como se fosse uma jamanta passando por cima de um fusca. Não há como resisitir”.
Quanto à cobertura da RedeTV!, Adib Kalled garantiu que a emissora, por acordos com outras emissoras, teriam condições de cobrir todo o país, mesmo porque, informou, 50 por cento dos brasileiros só conseguem ver televisão através de antenas parabólicas.
Paulo Calil, da Rede Record, disse que sua emissora não participou da licitação do Clube dos 13 porque não acreditava que vingasse, já que a principal emissora do país ausentou-se da disputa. Calil propôs uma nova licitação: “Vamos começar do zero, tudo de novo”.
Calil criticou também a Globo, dizendo que, nesses 13 anos, desde o primeiro contrato, tudo o que a emissora carioca alega que a fez pelo futebol “não refletiu na saúde financeira dos clubes”.
Ele ainda advertiu que a assinatura de contratos nos moldes que a Globo está patrocinando pode levar a situações como a da Espanha, onde existe apenas dois clubes fortes, Barcelona e Real Madri, sendo os restantes apenas coadjuvantes pouco remunerados.
José Carlos Silveira, da Rede Bandeirante
s, parceira da Globo desde 2007 nas transmissões de futebol, defendeu a emissora dos Marinho e disse que, até agora, a RedeTV! “investiu apenas em um envelope, o envelope contendo sua proposta de preço para a transmissão dos jogos”. Segundo ele, a RedeTV! não apresentou a fiança bancária de 1,5 bilhão que a concorrência do Clube dos 13 exigia e que isso anula a licitação.
Senadores e deputados
Os senadores e deputados que participaram da audiência insistiram que os novos contratos para a transmissão dos jogos, qual seja o modelo a ser adotado, contemple a democratização do futebol e não se limite a beneficiar os grandes clubes do país. A concentração financeira, argumentaram, vai provocar um atrofiamento do esporte mais popular do país.
Alguns parlamentares defenderam modelos de contrato vigentes em países como Inglaterra e França, onde os acertos são feitos coletivamente e prevêem redistribuição de recursos para os clubes de menor porte.
Quase todos os parlamentares que intervieram no debate mostraram preocupações com os interesses dos torcedores, para eles quase sempre relegados a plano secundário, quanto aos horários dos jogos, segurança, transporte, preços de ingressos.
Foto: J. Freitas / Agência Senado