O senador Roberto Requião lembrou nesta quinta-feira (30), no plenário, o centenário da maior greve trabalhista havida até hoje no Brasil e mostrou que as reivindicações dos trabalhadores, em 1917, são as mesmas de hoje, depois de aprovada a reforma trabalhista.
No final de seu pronunciamento, Requião convocou os brasileiros a aderirem à greve geral convocada para o próximo dia 5 de dezembro, em defesa dos direitos dos trabalhadores, contra a reforma da Previdência e em oposição às medias entreguista do governo federal.
A seguir, vídeo e texto do pronunciamento.
TEXTO DO DISCURSO
Antes que este ano encerre, relembro hoje o centenário de um dos mais importantes acontecimentos da história brasileira: a greve geral de 1917.
Foi a maior greve havida no país até hoje, com a adesão de mais de 70 por cento da mão-de-obra ativa. Além do que, a paralisação obteve um grau de apoio de parte da população jamais visto nesses cem anos.
O movimento despertou uma corrente de solidariedade que alimentava, protegia, dava refúgio, coletava recursos e ia às ruas em defesa dos grevistas.
E foi também, de longe, a mais reprimida e a mais sangrenta das greves operárias brasileiras. Cerca de 200 operários assassinados, centenas feridos, várias centenas presos, milhares demitidos.
Além de dezenas expulsos do país, por serem estrangeiros.
As execuções sumárias, a tortura, as prisões em massa, a proibição de organização sindical, a censura à imprensa foram os instrumentos de repressão largamente empregados, em 1917.
Não à toa que o prefeito de São Paulo, centro irradiador da onda sísmica que abalou o país, era Washington Luís, para quem “ a questão social é caso de polícia”.
Neste ano do centenário da grande greve, exatamente neste ano, como que para se vingar dos trabalhadores de 1917, as classes dominantes, aliadas a um governo bandido, com o apoio de um Congresso desmoralizado, que renunciou ao papel legislativo, e com o suporte da mídia monopolista e venal, aprovou-se a reforma trabalhista.
Esta reforma, que agora passa a viger, reequipara, realinha as condições de trabalho, salariais e de direitos dos trabalhadores de hoje, às condições de trabalho, salariais, de direitos e de organização de 1917.
Um retrocesso secular!
Envergonhem-se, senhoras e senhores com o que aprovamos aqui.
Vejam o que os trabalhadores de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, principais centros grevistas de um século atrás, reivindicavam e comparem com a canalhice que sancionamos.
Em 1917, eles queriam jornada de oito horas de trabalho.
Hoje, estamos “flexionando” a jornada, permitindo que ela seja estendida até a 12 horas diárias, como, aliás, era jornada de cem anos atrás.
Como há cem anos dizia o representante de São Paulo neste Senado, Alfredo Ellis: “Nós, do Poder Legislativo, não podemos decretar horas de trabalho”.
A mesma omissão agora adotada pela bancada paulista e pela maioria desta Casa.
Em 1917, os trabalhadores brasileiros queriam férias e descanso remunerados, aposentadoria, salário mínimo, contrato de trabalho assinado, condições de trabalho salubres e seguras, especialmente para as mulheres e as crianças, e… vejam só, queriam também intervalo para o almoço.
Hoje, um século depois, as senhoras e os senhores da bancada patronal e governista aprovam uma reforma que não garante férias, descanso remunerado, intervalo para o almoço, salário mínimo, e a proposta de reforma da Previdência tornará a aposentadoria tão impossível como àquela época.
Hoje como há cem anos, as senhoras e os senhores e admitem que grávidas e lactentes trabalhem em ambientes insalubres.
Cem anos depois, a máxima de Washington Luís pode ser recolocada como dístico, como símbolo dessa reforma e, quem sabe, até mesmo escrita em placa de bronze para a entronização neste plenário, ao lado do busto de Rui Barbosa.
É uma falácia, dessas trapaças de jogador de baralho de botequim, dizer que todos os direitos dos trabalhadores estarão preservados com a reforma.
Mentira! Mentira a que apenas alguém idiota, muitíssimo idiota, diga-se, acreditaria.
Com a supremacia do negociado sobre legislado, o trabalho intermitente e a terceirização nada, absolutamente nada estará garantido. Zero!
Nem o salário mínimo, nem férias, nem o 13º, nem o descanso remunerado, nem o recolhimento do FGTS e da Previdência, logo, sequer a aposentadoria estará garantida, independente dela ser reformada ou não.
O empregador não se verá obrigado a respeitar qualquer direito.
Com a pejotização indiscriminada da força de trabalho, cada trabalhador será transformado em uma “empresa”, sem direito a férias, 13º, descanso remunerado, recolhimento do FGTS, desconto para a Previdência. Enfim, será cada um por si, e todos contra o trabalhador.
As empregadas domésticas, só recentemente reconhecidas como trabalhadoras com direitos; isso mesmo: só recentemente reconhecidas como trabalhadoras! voltarão rapidamente à condição anterior ou contratadas como trabalhadoras intermitentes ou “pejotizadas”.
E quem não sabe disso?
Alguma senadora ou algum senador desconhece que isso tudo vai acontecer? Que todos os direitos conquistados com tanto suor e tanto sangue pelos trabalhadores serão impiedosamente surrupiados?
Além dessa mentira, a mentira de que nenhum direito será cancelado, é preciso que desnude outra patifaria: a patifaria de que a reforma resultará, automática e milagrosamente, na criação de mais empregos.
As senhoras e os senhores se lembram daquele rapaz da Riachuelo, que dizia, como o vendedor de óleo de capivara de feira, que a destituição de Dilma provocaria, no dia seguinte, o espocar do crescimento econômico do Brasil?
Pois é, tentam nos vender, agora, o mesmo óleo santo, curador de todos males.
Aceitar mais essa intrujice é, de duas uma: ou é burrice córnea ou é má fé cínica.
A reforma é destruidora de empregos formais já que os empregadores irão, imediatamente, trocar os empregados celetistas por trabalhadores autônomos, não registrados, intermitentes, pejotizados.
O trabalho intermitente, especialmente, provocará a ceifa de milhares de empregos.
Diante da possibilidade de demitir um trabalhador registrado, titular de todos os direitos garantidos pela CLT, e contar com um escravo voluntário à disposição, qual será a escolha do empregador?
Será que não entra na cabeça das senhoras e dos senhores –não estou querendo dizer na cabeça do líder do governo, que aí seria querer demais- será que não entra na cabeça dos empregadores, dos dirigentes da FIESP, da CNI e quetais que a retomada do desenvolvimento jamais será feita com a precarização do trabalho?
Nunca, em lugar algum do mundo capitalista, a precarização do trabalho impulsionou o desenvolvimento. Jamais, país que seja, emergiu da depressão com o massacre dos assalariados e a contratação da demanda.
A essência vital do capitalismo é o consumo e o consumo só acontece com o aumento do emprego e dos salários.
Não é tão óbvio que sem emprego e salário não haverá demanda e que sem demanda não haverá produção?
Bom, eu não estou falando da volta à escravidão, de uma sociedade escravocrata, onde tudo o que eu disse acima não seria levado em conta, por desnecessário e irrelevante. Onde todas as minhas críticas à reforma seriam ociosas.
E, sinceramente, espero que os proponentes da reforma e também os seus apoiadores não estejam idealizando uma sociedade escravocrata, onde a demanda de parte da força de trabalho é desprezível, irrisória para a economia. Aí sim, nesse caso, as reformas se ajustariam maravilhosamente.
É este o caso, senhoras e senhores?
(Faço aqui dois parênteses.
(Primeiro. Até agora, o governo não editou ainda uma nova portaria revogando a portaria anterior, que abriu as portas para a volta do trabalho escravo no Brasil. Quer dizer, depois da reforma trabalhista veio um retrocesso ainda mais tenebroso).
(Segundo parêntese. No dia 16 passado, finalmente, o governo mandou uma Medida Provisória para alterar alguns itens mais escabrosos da reforma trabalhista, como o caso do trabalho de grávidas e lactentes em ambientes insalubres. Mas, como até agora sequer foi criada a comissão especial para examinar a MP, a tramitação da medida ficará para o ano que vem.
Até lá, é permitido, e legal!, o trabalho de grávidas e lactentes em ambientes insalubres e perigosos para a saúde delas e das crianças).
Senhoras e senhores.
Contam que, no aceso do conflito de 1917, os empregadores decidiram responder à greve com um lock-out.
Aprovada a resolução, eis que chega à assembleia patronal o conde Francisco Matarazzo, então o maior industrial da América Latina.
Ele deu uma espinafrada geral, e exortou seus pares a negociar com os trabalhadores e interromper o massacre.
Pelo jeito, hoje, faltam-nos Matarazzo. E sobram Skaf.
Por fim, saúdo e homenageio as mulheres, os homens e as crianças que protagonizaram a gloriosa greve de1917.
Uma greve, como se vê, pelo o que pretende essa reforma, atualíssima.
E caso os senhores não desejem para o Brasil um outubro de 1917, tratem de aprender as lições de julho de 1917.