Estudo técnico da consultoria do Senado sobre a situação do quadro de pessoal da Câmara Municipal de Londrina
NOTA INFORMATIVA Nº 173, DE 2012
Referente à STC nº 2012-00495, do Senador ROBERTO REQUIÃO, sobre a situação do quadro de pessoal da Câmara Municipal de Londrina.
Solicita o Senhor Senador ROBERTO REQUIÃO a análise da seguinte questão:
A Câmara Municipal de Londrina – PR tem em seus quadros 50 funcionários públicos estatutários e 100 servidores comissionados (que estão lotados nos gabinetes dos Senhores Vereadores). O Ministério Público asseverou que a referida Câmara terá que demitir 50% dos servidores comissionados. Pergunta-se, então: a) Existe proibição legal ou jurisprudencial para a existência de número maior de servidores comissionados a servidores estatutários? Quais a normas e decisões judiciais pertinentes? b) Caso negativo, qual seria o embasamento jurídico/jurisprudencial para contra argumentar o MP? c) Caso exista vedação legal, qual seria a solução para o impasse, ou seja, para que não se demita os servidores comissionados?
Registre-se, inicialmente, que é difícil debater o tema em tese, uma vez que não há elementos acerca dos argumentos efetivamente levantados pelo Parquet paranaense.
Em princípio, parece que a questão central reside na diferenciação entre os cargos efetivos e os cargos em comissão. Na Carta Magna, a matéria está disciplinada nos incisos I, II e V do art. 37, que dispõem:
Art. 37. ………………………………………………………….
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
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V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
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O conteúdo dos dispositivos é repetido na Lei Orgânica do Município de Londrina, nos incisos IV, V e VIII do seu art. 57, verbis:
Art. 57. …………………………………………………….
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IV – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
V – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações em cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração;
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VIII – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
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Observa-se que a grande distinção reside no fato de que o cargo em comissão é de livre provimento. Exige como requisito fundamental para o seu preenchimento a confiança da autoridade competente. Como tal é, também, de livre exoneração, não ensejando estabilidade. Defini-o HELY LOPES MEIRELLES, in Direito Administrativo Brasileiro, p. 357, como
o que só admite provimento em caráter provisório. Destina-se às funções de confiança dos superiores hierárquicos. A instituição de tais cargos é permanente, mas o seu desempenho é sempre precário, pois quem os exerce não adquire direito à continuidade na função.
A diferença entre os cargos efetivos e os em comissão faz com que não seja possível a utilização desses últimos para provimento de funções técnicas e de apoio ou para aquelas cujo requisito básico não seja o da confiança. Citando ADILSON ABREU DALLARI, in Regime constitucional dos servidores públicos, p. 40-1:
… cabe, agora, enfrentar a questão de fundo, qual seja, a dos limites à criação de cargos em comissão. É evidente que se a administração puder criar todos os cargos com provimento em comissão, estará aniquilada a regra do concurso público. Da mesma forma, a simples criação de cargo em comissão, sem que isso se justifique, significa uma burla à regra do concurso público.
Márcio Cammorosano (in Provimento de cargos públicos no Direito brasileiro, p. 95) abordou o assunto com rara felicidade, nestes termos: Com efeito, verifica-se desde logo que a Constituição, ao admitir que o legislador ordinário crie cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, o que faz com que a finalidade de propiciar ao chefe do governo o seu real controle, mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aqueles que, dada a natureza da atribuições a serem exercidas pelos titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior.
É inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior.
Essa tese vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se, v.g., a decisão da Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.141, julgada em 29 de agosto de 2002, relatada pela Ministra ELLEN GRACIE:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.029/89 DO ESTADO DE GOIÁS. ART. 7º, § 2º E ART. 1º, QUE ALTEROU O ART. 106, VII DA LEI 9.129/81, DO MESMO ESTADO. Os dispositivos em questão, ao criarem cargos em comissão para oficial de justiça e possibilitarem a substituição provisória de um oficial de justiça por outro servidor escolhido pelo diretor do foro ou um particular credenciado pelo Presidente do Tribunal, afrontaram diretamente o art. 37, II, da Constituição, na medida em que se buscava contornar a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, princípio previsto expressamente nesta norma constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, nos termos do voto da relatora.
E, de forma ainda mais clara, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.233, julgada em 10 de maio de 2007, cujo relator foi o Ministro JOAQUIM BARBOSA:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO.
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II – Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.125, julgada em 10 de junho de 2010, o acórdão, da lavra da Ministra CÁRMEN LÚCIA, foi vazado nos seguintes termos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPRESSÃO “CARGOS EM COMISSÃO” CONSTANTE DO CAPUT DO ART. 5º, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º E DO CAPUT DO ART. 6º; DAS TABELAS II E III DO ANEXO II E DAS TABELAS I, II E III DO ANEXO III À LEI N. 1.950/08; E DAS EXPRESSÕES “ATRIBUIÇÕES”, “DENOMINAÇÕES” E “ESPECIFICAÇÕES” DE CARGOS CONTIDAS NO ART. 8º DA LEI Nº 1.950/2008. CRIAÇÃO DE MILHARES DE CARGOS EM COMISSÃO. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 37, INC. II E V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
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3. O número de cargos efetivos (providos e vagos) existentes nos quadros do Poder Executivo tocantinense e o de cargos de provimento em comissão criados pela Lei nº 1.950/2008 evidencia a inobservância do princípio da proporcionalidade.
4. A obrigatoriedade de concurso público, com as exceções constitucionais, é instrumento de efetivação dos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, garantidores do acesso aos cargos públicos aos cidadãos. A não submissão ao concurso público fez-se regra no Estado do Tocantins: afronta ao art. 37, inc. II, da Constituição da República. Precedentes.
5. A criação de 28.177 cargos, sendo 79 de natureza especial e 28.098 em comissão, não tem respaldo no princípio da moralidade administrativa, pressuposto de legitimação e validade constitucional dos atos estatais.
6. A criação de cargos em comissão para o exercício de atribuições técnicas e operacionais, que dispensam a confiança pessoal da autoridade pública no servidor nomeado, contraria o art. 37, inc. V, da Constituição da República. Precedentes.
7. A delegação de poderes ao Governador para, mediante decreto, dispor sobre “as competências, as atribuições, as denominações das unidades setoriais e as especificações dos cargos, bem como a organização e reorganização administrativa do Estado”, é inconstitucional porque permite, em última análise, sejam criados novos cargos sem a aprovação de lei.
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9. Definição do prazo máximo de 12 (doze) meses, contados da data de julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade, para que o Estado faça a substituição de todos os servidores nomeados ou designados para ocupação dos cargos criados na forma da Lei tocantinense nº 1.950.
Ainda mais recentemente, destaca-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.602, da relatoria do Ministro JOAQUIM BARBOSA, julgada em 14 de abril de 2011:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 37, II E V. CRIAÇÃO DE CARGO EM COMISSÃO. LEI 15.224/2005 DO ESTADO DE GOIÁS. INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional a criação de cargos em comissão que não possuem caráter de assessoramento, chefia ou direção e que não demandam relação de confiança entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico, tais como os cargos de Perito Médico-Psiquiátrico, Perito Médico-Clínico, Auditor de Controle Interno, Produtor Jornalístico, Repórter Fotográfico, Perito Psicológico, Enfermeiro e Motorista de Representação. Ofensa ao artigo 37, II e V da Constituição federal. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos XI, XII, XIII, XVIII, XIX, XX, XXIV e XXV do art. 16-A da lei 15.224/2005 do Estado de Goiás, bem como do Anexo I da mesma lei, na parte em que cria os cargos em comissão mencionados.
Observa-se, do transcrito, que o principal ponto que, via de regra, se argui no Excelso Pretório, refere-se ao conteúdo atributivo dos cargos em comissão. Ou seja, a ilegalidade reside, exatamente, em atribuir a esse tipo de cargo funções para as quais o requisito fundamental para o seu exercício não é a confiança.
O tema do quantitativo das funções, entretanto, chega a aparecer na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.125, cujo acórdão registra que o número de cargos efetivos (providos e vagos) existentes nos quadros do Poder Executivo tocantinense e o de cargos de provimento em comissão criados pela Lei nº 1.950/2008 evidencia a inobservância do princípio da proporcionalidade.
O tema vai aparece, de forma mais explícita no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 365.368, julgado em 22 de maio de 2007, pela Primeira Turma, e relatado pelo Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, cujo acórdão afirma:
AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO.
I – Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam.
II – Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local.
III – Agravo improvido.
Trata-se de Agravo Regimental contra decisão do então relator da matéria, o Ministro CARLOS VELLOSO, que negou seguimento de recurso extraordinário interposto pelo Município de Blumenau contra o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ATO NORMATIVO MUNICIPAL – CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO A SEREM LOTADOS NOS GABINETES DOS VEREADORES – DESPROPORCIONALIDADE ENTRE OS MOTIVOS GERADORES DA RESOLUÇÃO E O ATO EDITADO –LIMITES DE DISCRICIONARIEDADE – VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – ARTS. 37, II, DA CF E 16 DA CE/89 – AÇÃO PROCEDENTE.
Ao lado dos cargos de provimento efetivo, possível é à Administração criar cargos comissionados, de livre nomeação e exoneração. Todavia, se no exercício pelo Judiciário do controle dos atos discricionários, contata-se que ocorre inadequação entre o motivo gerador do ato administrativo e o ato praticado, vale dizer, se o cargo em comissão criado não se enquadra entre aqueles que exigem absoluta confiança daquele com quem vai trabalhar e mais se adequa aos de provimento efetivo preenchido via concurso público, emergem violados os princípios constitucionais que balizam o preenchimento dos cargos públicos.
No mérito, o Município argumentou, no recurso extraordinário, exatamente, que a função de assessoramento parlamentar em questão reveste-se de natureza jurídica de típica função de confiança, cuja investidura não depende de concurso e que os cargos criados pelos atos normativos municipais questionados caracterizam-se por serem “intuitu personae” e temporários, tornando possível a dispensa ou exoneração de seu titular, seja ao término do mandato do Parlamentar, seja sempre que assim entender a autoridade competente.
O relator usou como fundamento de sua decisão o parecer da Procuradoria Geral da República, de autoria da Subprocuradora-Geral, Dra. SANDRA CUREAU, do qual destacou os seguintes trechos:
Com efeito, tem-se que as normas encontram-se eivadas com o vício de inconstitucionalidade, visto que há nítida ofensa ao princípio constitucional da moralidade, bem como ao dispositivo que baliza o preenchimento dos cargos públicos, conforme disposto no art. 37, caput e inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a exigência do concurso público para a investidura em cargo público deve ser interpretada com o máximo rigor. Nesse contexto, a criação de cargo em comissão, em que não se verifica o vínculo de confiança necessário, e exigido a permitir a livre nomeação e exoneração, de modo a burlar, portanto, o requisito de concurso público, previsto no art. 37, inciso II, do Texto Maior, não merece persistir.
Nesse sentido, decidiu o plenário dessa Colenda Corte no julgamento da Rp 1.282, Relator Ministro OCTÁVIO GALLOTTI; Rp 1.386, Relator Ministro MOREIRA ALVES; ADIMC 1.269, Relator Ministro CARLOS VELLOSO; ADIN 1.141, Relatora Ministra ELLEN GRACIE.
(…) Ademais, forçoso, ainda, reconhecer a ofensa ao princípio da moralidade, eis que, dos 67 funcionários da Câmara de Vereadores de Blumenau, 42 são de livre nomeação, e apenas 25 são cargos de provimento efetivo. A professora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, ao discorrer sobre o princípio da moralidade do ato administrativo afirma que é necessário exigir a proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir, entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos.
E conclui o Ministro VELLOSO:
Correto o parecer, que adoto, mesmo porque ajustado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que é no sentido de interpretar com o maior rigor a disposição constitucional que exige concurso público para o ingresso no serviço público, certo que cargos em comissão, para cujo ingresso não se exige concurso público, devem constituir exceção. No caso, dos 67 funcionários da Câmara de Vereadores de Blumenau, 42 (quarenta e dois) são de livre nomeação e apenas 25 (vinte e cinco) de provimento efetivo.
O Ministro LEWANDOWSKY, de sua parte, vota pela manutenção da decisão embargada com os seguintes argumentos:
No caso concreto, alegam os agravantes não haver afronta aos princípios da proporcionalidade e da moralidade em razão de os cargos em comissão criados constituírem-se típica função de assessoramento, estando, portanto, de acordo com a ressalva do inciso II, art. 37, da Constituição Federal. Também aduzem que a criação de tais cargos se justificaria pelo fato de Blumenau tratar-se de um Município altamente industrializado e com a terceira maior população do Estado de Santa Catarina, possuindo, por conseguinte, uma alta complexificação social, com inúmeras demandas sociais e conflitos que são canalizados, em grande parte para o Poder Legislativo local (fls. 494-495).
Ora, pelos próprios argumentos erigidos pelos agravantes, resta demonstrado que o atual quadro de servidores efetivos da Casa Legislativa Municipal configura–se insuficiente para atender às inúmeras demandas sociais e conflitos que são canalizados, em grande parte para o Poder Legislativo local.
Com efeito, os vinte e cinco servidores efetivos da Câmara Municipal serviriam para cuidar do processo legislativo, da realização das sessões plenárias, do funcionamento e transmissão da TV Legislativa, de todo suporte jurídico, financeiro e administrativo, e mais de um cem números de atividades imprescindíveis para o funcionamento regular de um órgão de poder autônomo (fl. 495).
Analisando-se os argumentos supracitados, mister anotar a disparidade entre a quantidade de atribuições a cargo dos servidores efetivos da Câmara Municipal e as atividades típicas de assessoramento parlamentar dos 42 cargos criados, evidenciando-se a violação do princípio da proporcionalidade, que, no entendimento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, enuncia a idéia (…) de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. Segue-se que os atos cujos conteúdos ultrapassem o necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade.
Há inúmeros precedentes desta Corte que identificam a proporcionalidade e a razoabilidade como critérios que necessariamente devem ser observados pela Administração Pública no exercício de suas funções típicas. Cito, a respeito, a ADI 2.551-MC-QO/MG, Rel. Min. Celso de Mello, da qual extraio o seguinte trecho: O princípio da proporcionalidade (…) acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
Concebida a proporcionalidade como uma correlação entre meios e fins, é preciso ter em conta o paradoxo do caso. Pressupondo-se que os cargos criados objetivem atender às demandas do Município, deveria haver relação de compatibilidade para com os cargos efetivos existentes na Câmara, até mesmo para se dar suporte ao trabalho dos novos ocupantes dos cargos em comissão, o que não ocorre.
Quanto aos argumentos no sentido da não violação do princípio da moralidade administrativa, ante o exposto, eles perdem relevância. Tal verificação demandaria análise de fatos e provas, raciocínio inviável ante o óbice encontrado na Súmula 279 do STF.
Com relação à alegação de que os precedentes citados na decisão agravada não seriam os mais adequados para ilustrar a jurisprudência aplicável ao caso, em nada o acolhimento eventual desse argumento influenciaria a decisão ora talhada.
Ademais, como destacado na decisão agravada, o princípio da exigibilidade de concurso público é a regra geral, constituindo-se exceção a criação de cargos em comissão e de confiança, como se depreende da própria lógica do dispositivo constitucional.
Observa-se que, ainda que a questão do quantitativo dos cargos em comissão e da relação entre esses e os cargos efetivos da Câmara Municipal de Blumenau tenha sido relevante para a decisão, pesou o fato de que, segundo entendeu a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, aqueles primeiros servidores estavam assumindo encargos que deveriam caber aos últimos.
Ou seja, a mera relação numérica entre cargos em comissão e cargos efetivos de um determinado órgão é importante, mas não suficiente para determinar se está ferido o princípio da proporcionalidade.
Fosse assim, poderiam ser arguidos os próprios números do Congresso Nacional conforme abaixo:
FORÇA DE TRABALHO DO CONGRESSO NACIONAL
Senado Federal Câmara dos Deputados Total
Efetivos 3.266 3.550 6.816
Comissionados 3.030 12.054 15.084
Terceirizados 2.936 2.698 5.634
Total 9.232 18.302 27.534
Fonte e data dos dados:
– Cargos efetivos e comissionados: Portais da Transparência de cada Casa (ago/2011)
– Pessoal terceirizado do Senado Federal: Portal da Transparência da Casa (fev/2012)
– Pessoal terceirizado da Câmara dos Deputados: Monografia “Terceirização de mão-de-obra na Câmara dos Deputados: elementos quantitativos e financeiros dos contratos”, de Ibrahim Gonçalves Saigg (jun/2008)
Efetivamente, no caso, em nosso entendimento, o fundamental é demonstrar a característica peculiar da atividade de assessoramente parlamentar, que exige do seu titular, essencialmente, a confiança do detentor do mandato e expor a diferença existente entre essa função e as de gestão da Câmara Municipal, essas a cargo dos ocupantes de cargo efetivo.
O Gabinete parlamentar é um órgão sui generis, no qual a grande parte das funções que deve compô-lo tem, como pré-requisito essencial para o seu provimento, o critério da confiança, já seus ocupantes exercerão, essencialmente, assessoramento político e político-partidário ao titular do mandato. Na verdade, o exercício de servidores efetivos nos Gabinetes é que deve ser reduzido ao mínimo indispensável ao bom funcionamento do órgão, como ocorre no Senado Federal, ou, mesmo, como faz a Câmara dos Deputados, ser totalmente eliminado.
O mero quantitativo de cargos de cada natureza não deve ser considerado como determinante para a decisão ou estaríamos, aí sim, deturpando a razão da existência constitucional dos cargos em comissão e praticando desvio de finalidade.
Permanecemos à disposição da ilustre solicitante para quaisquer informações ou providências ulteriores.
Consultoria Legislativa, 13 de fevereiro de 2012.
Gilberto Guerzoni Filho
Consultor Legislativo