No dia 21 de setembro, às vésperas da primavera (algum simbolismo?), participei também do lançamento do “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil” proposto pelo PT. E, mais uma vez, fiquei com a sensação da incompletude, de que minha fome, voracíssima fome, por um programa revolucionário, verdadeiramente transformador para as nossas desgraças tão antigas e encrostadas, ficou na vontade de comer.
Ah, diriam: não é um programa, é um plano. Tipo assim a Carta aos Brasileiros, que era um plano para quebrar as resistências das elites conservadoras e vencer as eleições e que se tornou o programa dos governos do PT?
(Desculpem o mau jeito. Talvez devesse começar o texto elogiando os aspectos positivos do texto, que os há às pencas, para só depois fazer reparos. Mas, vamos em frente.)
Por exemplo, gostaria de entender se os tais pressupostos da macroeconomia, aquele trio famoso, são apenas parte de um plano ou são elementos fundantes de um programa.
(Ou seriam os pressupostos macroeconômicos uma entidade que paira acima das terrenas disputas político- ideológicas, etérea e intocada lá nos céus das verdades eternas?)
Enfim, o que eu quero dizer é que não existe -porque nunca existiu nos governos do PT- essa distinção entre plano e programa. Uma coisa é outra coisa, e outra coisa é a primeira coisa. Tudo misturado e batido, a mesma coisa.
Se não tocamos nos pressupostos, esses sacralíssimos bovinos, o que nos resta, então? Se não temos uma política radical de reversão de todas! as privatizações; de recuperação de cem por cento do pré-sal; de revogação de todas as reformas e medidas lesivas aos interesses dos trabalhadores e aos interesses nacionais; se o capitalismo financeiro continuar correndo solto, sem o bridão do Estado; se não recuperarmos total e incondicionalmente a soberania nacional sobre o solo e o subsolo, sobre o ar, os mares, os rios, as florestas; se isso e muito mais, o que nos resta?
Resta-nos a generosidade das políticas compensatórias e identitárias. Enfim, fazer cócegas, se tanto, nas crostas insensíveis do monstro. Não mais que isso.
(Com tristeza d’alma e aperto no coração, vejo que é proporcional o aumento de espaço na agenda da esquerda para as políticas identitárias à diminuição do espaço para as propostas de transformação revolucionária da sociedade brasileira. E há todo um esforço, que não diria assim tão inocente, de substituir as lutas dos trabalhadores e das periferias pobres por comida, moradia, salário, saneamento, saúde, educação, segurança dignidade, por bandeiras políticas distantes das emergências de suas desgraças.)
Os mais jovens não se lembram, mas nós, os mais velhos e a geração dos anos 80, deveriam dar uma espiada na história, para recordar. Como surge o PT e como se forma a ala dos autênticos do MDB? Frutos do que fomos, quem emulamos, com quem litigiamos e demandamos para florescer? Com o PCB. O Partidão viu o seu quase monopólio sobre a esquerda brasileira esfarelar-se por causa de suas posições reformistas, frentistas, amplas e
conciliatórias.
Por que descaminhos se perderam os revolucionários dos anos 80?
Outra coisa: um plano com 210 páginas?
(Mais uma aproximação com o antigo Partidão, que vivia sempre o dilema de ser um partido de quadros ou um partido de massas. Um plano com 210 páginas é para um
partido de quadros. É isso, então?)
Desculpem-me a sinceridade, mas redigi este texto com a mesma franqueza com que o Papa Francisco combate o domínio absoluto do capital financeiro sobre a humanidade. O longo, o longuíssimo texto do Plano não transmitiu ao povo brasileiro aquele sentimento de esperança e de mudança imprescindível, conditio sine qua, para insufla-lo.
O que haverá de mobilizar os brasileiros, os trabalhadores, os assalariados de todas as classes, as massas pobres e deserdadas da cidade e do campo, as cada vez mais empobrecidas camadas médias se não fortes, peremptórios e sinceros acenos de mudança?
Amigos, companheiros, camaradas são as minhas aflições. Relevem as amarguras e as angústias deste velho companheiro. Mas, pensem no que ele disse.
Roberto Requião