É hipócrita a afirmação do governo Bolsonaro de que a reforma da Previdência, do jeito como Paulo Guedes quer, contribuirá para a retomada da economia e do emprego. Isso não tem um pingo de verdade. Só serve para enganar trouxas, entre os quais alguns parlamentares que ocupam cargos de liderança do governo no Congresso, com dificuldade de discernir entre farsa e verdade em economia. Se fosse aprovado o projeto, o Brasil afundaria ainda mais na recessão, com mais queda do PIB e desemprego recorde.
O argumento que usam para vaticinar crescimento da economia com a aprovação da reforma se destaca entre as mais contumazes falácias do neoliberalismo. A retomada viria da confiança do empresariado no equilíbrio fiscal anunciado. Ora, trata-se de uma ilação insustentável. Nenhum empresário investe porque o orçamento está equilibrado devido a cortes na demanda. Empresário investe porque há perspectiva de mercado para seus produtos. Do contrário seria um idiota. Produziria para as prateleiras enquanto o consumo despencaria.
A manipulação do termo confiança é o jogo permanente do mercado financeiro. A oscilação do que chamam de confiança, refletindo em surtos rápidos de alta e de queda de determinadas situações, é essencial para a especulação. Um mercado sem oscilação seria inútil para o jogo de bolsa. Ninguém ganharia ou perderia, só os intermediários. Daí que fatos que tem pouca ou nenhuma relação com a lucratividade ou saúde das empresas, no curto prazo, são elevados à condição de fatores importantes para o desempenho de bolsa, como a reforma da Previdência.
O que realmente importa para o mercado financeiro é a política monetária. A política fiscal só interessa na medida em que esteja articulada com a monetária. Num momento de aguda recessão, como vivemos, a política fiscal-monetária que interessa ao país é justamente a que é rejeitada com toda sua força de pressão pelo mercado financeiro: a redução dos juros sobre a dívida pública e a expansão da moeda de forma a ampliar os gastos públicos e os créditos para o setor privado. Já o mercado quer juros altos e crédito caro.
O mercado tem pleno conhecimento sobre a reforma da Previdência. Além do interesse imediato dos bancos e intermediários financeiros, para os quais Paulo Guedes reserva um trilhão de reais, o governo promete eliminar a contribuição previdenciária dos patrões, cobrada e paga na folha de pagamento, junto com a contribuição do trabalhador. Este terá de se contentar com aplicação individual num fundo financeiro, uma espécie de caderneta de poupança, com contribuições mensais certas e com retorno sujeito à especulação.
Agora vejamos a situação por outro ângulo, ou seja, pelo lado do desempenho real da economia tendo em vista as medidas previstas na reforma. Em primeiro lugar temos a redução do valor de benefícios de prestação continuada e a retirada da correção de outras aposentadorias e pensões correntes. Como a economia a ser feita pelo governo com esses cortes será destinada ao pagamento de juros da dívida pública, é fácil concluir que se trata de medidas contracionistas, isto é, vai ser retirado dinheiro líquido da economia em favor sobretudo de especuladores na bolsa e em fundos especulativos.
Bem mais impactante, porém, será o regime de capitalização. O dinheiro arrecadado dos contribuintes mensalmente vai para um fundo (banco, financeira etc). Com a aversão a risco que é a característica do setor financeiro no Brasil, esse dinheiro vai parar inicialmente em títulos financeiros e em ações da livre escolha dos seguradores. Isso é injeção na veia da especulação de curto prazo: será dinheiro arrecadado da classe média e da classe média baixa para ser incinerado na especulação, fora do sistema produtivo, forçando a queda do PIB.
Consideremos agora uma visão alternativa, a visão da teoria de “finanças funcionais” , de Abba Lerner. Para um dos seus principias divulgadores contemporâneos, Randall Wray, estado que emite sua própria moeda não tem restrições financeiras, exceto quando se esgota sua capacidade produtiva. Vejam o Japão. Poderíamos, portanto, emitir dívida pública até acabar com a recessão e o chamado déficit previdenciário, expandindo a economia e o emprego , sem aumentar impostos. Existe dívida ruim, sim. É a dívida que se faz para pagar juros extorsivos da dívida pública, sem relação com o sistema produtivo.
Recentemente, vimos a importante adesão do economista André Lara Resende a essa teoria. Como é um notável formulador, talvez nos ajude a sair da enrascada em que a estupidez (e o interesse) neoliberal nos meteu, criando uma crise fiscal e previdenciária que, a rigor, se deve exclusivamente à recessão. Já a recessão se deve a cortes de gastos públicos na euforia dos ajustes fiscais, desde Dilma. E, por fim, a restrição a gastos públicos deficitários, de caráter temporário (para reverter a recessão), se deve ao interesse “ortodoxo” dos financistas segundo os quais o Estado, mesmo em depressão, não pode gastar em serviços públicos e investimentos mais do que arrecada.
Requião e José Carlos de Assis.