Cortando a carne dos pobres para dar mais gordura aos ricos:
Requião e José Carlos Assis
Ninguém gosta de privilégio. Eu não gosto. Tenho certeza de que você também não gosta. Acontece que a reforma previdenciária que o governo Bolsonaro anuncia como destinada a acabar com privilégios é simplesmente mentirosa. É uma manipulação da opinião pública. É típica daquela tática nazista de falar tantas vezes uma mentira que ela acaba passando por verdade. Ao contrário de tirar privilégios, a reforma de Guedes/Bolsonaro corta na carne dos pobres para aumentar a gordura dos ricos.
O grande privilégio existente nas relações sociais brasileiras não é privilégio que pode ser atribuído aos pobres porque os pobres, esmagadora maioria da população, pagam mais impostos que os ricos. Os pobres, justamente por serem pobres, ganham as rendas mais baixas. Já os ricos, também por definição, ganham os maiores salários. E levam esses salários para a aposentadoria ou o sistema de pensões. E é aí que se encontram os privilégios. O principal deles é o privilégio previdenciário dos militares.
É evidente que os militares tem uma carreira especial e portanto justificam um sistema previdenciário próprio. Mas que não tenham privilégios excessivos. Atualmente, se há um furo no financiamento da Previdência, ele vem das aposentadorias especiais dos militares, sobretudo dos militares de alta patente. E isso, a não ser de forma marginal, não está sendo tocado pelo projeto de reforma. Como disse, os privilégios dos militares se incluem no sistema de cortar a carne dos pobres para aumentar a gordura dos ricos.
Fala-se muito em privilégios nas castas superiores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Isso também não está sendo mudado pela reforma. O que há é uma consolidação de privilégios conquistados. Daqui para frente, contudo, muita coisa pode e deve ser mudada, não por razões financeiras, mas por razões morais. Entre deputados e senadores, há cerca de 600 parlamentares. Não são eles que quebram a Previdência por dinheiro num país com um PIB de 6,5 trilhões de reais. Mas podem quebrá-la moralmente, ao tripudiar sobre os direitos dos pobres.
Também não são os salários dos funcionários do Executivo e do Legislativo que quebram a Previdência. Todos, acima de determinado nível salarial, pagam por suas previdências complementares. O que é intolerável no Parlamento é o comportamento de deputados e senadores que desfrutam de altos salários e grande segurança na aposentadoria e que se alinham com a política de Bolsonaro/Guedes de liquidar com a previdência pública, isto é, a previdência dos pobres.
Pois é justamente disso que se trata: acabar com a previdência dos pobres e colocar no lugar dela a previdência a que só tem acesso os ricos. Isto é o que se chama da regime de capitalização: os patrões não mais serão obrigados a contribuir para a previdência dos pobres, e os pobres, se quiserem ter tranqüilidade na velhice, devem tirar do seu salário, mensalmente, uma contribuição em dinheiro para “seu” fundo de previdência, durante nada menos que 40 anos ou até que morra.
Estou colocando entre aspas “seu fundo” de uma forma não rigorosa. Na realidade, pelo projeto de reforma, esse “fundo” será administrado por uma financeira que não terá nenhuma responsabilidade por garantir um retorno definido ao aplicador. É o que der e vier. Se faltar o cidadão cai na indigência. No nosso sistema atual, de repartição, o patrão contribui, o empregado também e o governo é obrigado a garantir aposentadoria proporcional aos salários e ao tempo de serviço. Na capitalização não. É aí que está o pulo do gato pelo qual um trilhão de reais que Guedes quer arrecadar com a capitalização se transforma numa bolsa de apostas dos especuladores. Se a especulação levar o fundo a quebrar, adeus aposentadoria e pensão!